Tópico: Política

Justiça de classe

António Louçã — 15 Dezembro 2021

José Miguel Júdice foi nomeado por João Rendeiro representante legal de empresas suas em offshores (DN 19.4.2016, Panama Papers)

Num painel de comentário da CNN Portugal, a fascistóide Helena Matos e o socialistóide Sérgio Sousa Pinto pareciam duas almas gémeas a lamentar o “achincalhamento” de que são vítimas os criminosos de colarinho quando caem nas bocas do mundo e nas garras da Justiça. O pranto tinha um tom filosófico e universal, mas vinha sobretudo a propósito de João Rendeiro.

Com um ar grave e compungido, ambos manifestaram a convicção de que a qualidade de uma democracia se mede pela dignidade com que trata os seus presos. E, quase no mesmo fôlego, ambos se indignaram por a democracia portuguesa julgar réus de colarinho na praça pública, deixar a imprensa dizer sobre eles o que Maomé não disse do toucinho, e por a democracia sul-africana arrancar Rendeiro ao seu hotel de cinco estrelas para colocá-lo numa prisão sobrelotada, conhecida pela sua tradição de violência e agora notória pelas ameaças de morte que o banqueiro aí terá recebido.


A nossa democracia a nu

Editor — 9 Dezembro 2021

A agitação que se apoderou dos meios políticos logo que o cheiro de eleições antecipadas ficou no ar tem servido de motivo para um coro de loas à excelência da nossa democracia. Forças partidárias e propagandistas exultam com a sua solidez, com o seu bom funcionamento, com a harmonia entre órgãos do poder, com as “soluções” que ela sempre proporciona. E não vêem melhor processo para que “a vontade popular” possa ser representada senão, claro, em mandatos de deputados. 

Ao ouvi-los parece que uma onda de intervenção política nos destinos da nação estaria a mobilizar os quatro cantos do país. Esta espécie de encantamento com a “vitalidade” do regime mal disfarça as fraquezas de todo o sistema político e da sua forma de representação.


O sabre e o aspersório

Manuel Raposo — 23 Novembro 2021

O presidente da República em Fátima com o bispo de Leiria e o comandante da Brigada de Reacção Rápida, à espera do Papa, 2017

Pode dizer-se que a mais velha aliança do mundo é a aliança entre a força militar e o poder religioso — concretamente, no Ocidente católico, a união entre as Forças Armadas e a Igreja. Georges Clemenceau, na sua campanha para separar o Estado da Igreja, em França, no começo do século XX, tê-la-á referido como a santa aliança do sabre e do aspersório. Portugal tem nesse campo uma experiência tão antiga quanto a da sua fundação como país: desde as conquistas territoriais contra o Islão durante quase dois séculos, passando pelas aventuras coloniais e a formação do império com o seu cortejo de barbaridades ao longo de mais de 500 anos, até às guerras coloniais do século XX. 


COP 26: travar a destruição do planeta sem acabar com o capitalismo?

António Louçã — 11 Novembro 2021

Mudar o sistema (capitalista) para mudar o clima

A 26ª conferência da ONU sobre as alterações climáticas foi a constatação de uma realidade e de uma impotência: já ninguém nega que o planeta esteja em vias de destruição acelerada, mas, naquele círculo de dirigentes políticos, ninguém apresenta solução alguma. Por isso tem razão Gretta Thunberg, ao sintetizar as políticas dos líderes mundiais: “Bla, bla, bla”.


O que mostra a crise governativa?

Editor — 30 Outubro 2021

A crónica das discussões sobre o OE22 pode resumir-se em três breves temas: o finca-pé do governo na sua política de sempre, o manobrismo oportunista do presidente da República, e a relutância da esquerda parlamentar em fazer um balanço explícito dos seis anos passados de aliança com o PS. 

Tirando isto, só um àparte de comédia: tal como no ano passado, PSD e CDS quiseram à viva força que o Orçamento — por eles considerado “o pior de sempre” — fosse, ainda assim, aprovado pela esquerda, para sossego próprio e do mundo dos negócios. Fica entendido em que consiste a sua preocupação com “o país”.


O sequestro de Alex Saab pela justiça dos EUA

Urbano de Campos — 22 Outubro 2021

Caracas. Manifestação contra o bloqueio e pela libertação de Alex Saab

Alex Saab, representante diplomático do governo venezuelano, foi extraditado de Cabo Verde para os EUA depois de ter estado ilegalmente preso durante 491 dias a pedido do governo norte-americano. As disposições que regem o estatuto dos representantes diplomáticos foram ostensivamente violadas pelas autoridades cabo-verdianas que se submeteram às pressões norte-americanas e desprezaram resoluções tomadas quer pelas Nações Unidas, quer pela Justiça suíça, quer ainda pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental no sentido da libertação de Saab. 


As autárquicas, o OE e a guerra na direita

Manuel Raposo — 16 Outubro 2021

Protesto dos trabalhadores da Galp. 140 despedimentos com o fecho da refinaria de Matosinhos.

A queda da votação no PS nas eleições autárquicas é sinal de que se está a esgotar o caminho estreito que António Costa iniciou em 2015, primeiro com o apoio formal do BE, do PCP e do PEV, depois com os apoios negociados para cada Orçamento do Estado nos anos seguintes. É esta mudança de condições políticas que permite entender não apenas os últimos resultados eleitorais, mas também as ameaças de chumbo do OE por parte da esquerda parlamentar, e ainda a guerra pela liderança que estalou nos maiores partidos da direita.


Tempestade na Armada, agitação em terra

Urbano de Campos — 8 Outubro 2021

Fazendo voz grossa, Marcelo submeteu-se ao pronunciamento dos almirantes

A barafunda à volta da substituição do Chefe de Estado Maior da Armada teve a curiosidade de ter posto à vista de todos os bastidores do poder e os jogos de força que aí se travam, normalmente na sombra dos gabinetes. Como a polémica estalou (pela mão dos principais intervenientes, sublinhe-se) e não pôde ser escondida, pudemos assistir tanto ao incómodo como ao manobrismo das distintas forças políticas, e até aos mimos com que se tratam quando está em causa uma parcela, pequena que seja, do poder. O caso foi ainda pretexto para um ensaio de doutrina criadora sobre o respeito devido às Forças Armadas, como adiante se verá.


Afeganistão. Duas ou três coisas sobre a hipocrisia humanitária

António Louçã — 5 Outubro 2021

Refugiados sírios na Turquia

Com a tomada do poder pelos talibans, milhares de pessoas fogem por bons motivos: mulheres que não querem submeter-se à lei da burka com tudo o que ela implica, jovens que não querem ser formatados com a instrução das madrassas, intelectuais que aspiram a dizer em público aquilo que pensam. Mas os governos ocidentais não têm a menor intenção de acolher essas multidões fugitivas e, quando pensam em ajudar alguém, é apenas a minoria que com eles colaborou durante a ocupação.


A ilusão do poder local

Editor — 24 Setembro 2021

As autarquias e as eleições autárquicas vivem de uma ilusão: a de que existe um poder local capaz de responder às necessidades das populações e de fazer frente ao poder central. A amostra da presente campanha eleitoral desmente tudo isso. O que está em jogo é a actual hegemonia do PS, a incapacidade do PSD para se lhe opor, a sobrevivência do CDS, a força do BE e do PCP para imporem condições ao Governo, o crescimento da extrema-direita. Tudo questões de âmbito nacional que colocam as autarquias e os eleitos na dependência do peso que cada partido obtiver no conjunto do país.


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