O sequestro de Alex Saab pela justiça dos EUA
Urbano de Campos — 22 Outubro 2021
Alex Saab, representante diplomático do governo venezuelano, foi extraditado de Cabo Verde para os EUA depois de ter estado ilegalmente preso durante 491 dias a pedido do governo norte-americano. As disposições que regem o estatuto dos representantes diplomáticos foram ostensivamente violadas pelas autoridades cabo-verdianas que se submeteram às pressões norte-americanas e desprezaram resoluções tomadas quer pelas Nações Unidas, quer pela Justiça suíça, quer ainda pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental no sentido da libertação de Saab.
Alex Saab (de nacionalidade colombiana e homem de negócios) foi preso em 12 de Junho de 2020, durante uma escala técnica em Cabo Verde, quando viajava para o Irão, com passaporte diplomático, onde iria estabelecer contactos com mandato do governo venezuelano. O pretexto dos EUA foi o de que ele seria responsável por lavagem de dinheiro. O poder norte-americano, que é responsável pela morte de milhares de pessoas sob o efeito das sanções impostas ao país (por falta de alimentos e medicamentos), chegou à suprema hipocrisia de acusar Saab e o governo de Nicolás Maduro de “explorarem venezuelanos famintos” (Steven Mnuchin, secretário do Tesouro dos EUA). A realidade é bem outra.
Uma perseguição política
Saab é representante permanente da Venezuela na Mesa de Diálogo que, no México, tem posto em contacto as autoridades venezuelanas e os grupos da oposição. Estas negociações, que decorrem sob patrocínio da Noruega, da Rússia e dos Países Baixos, não agradam aos EUA, que vêem nelas uma forma de tornear o isolamento a que a Venezuela tem vindo a ser sujeita, quer por força das sanções económicas, quer por via das pressões políticas impostas pelos EUA, Reino Unido e União Europeia.
Além disso, Saab é um dos homens encarregados de romper o cerco económico à Venezuela e está, desse modo, por dentro dos processos pelos quais o governo consegue, apesar de todas as dificuldades, estabelecer relações comerciais com diversos países e negociar, por exemplo, a venda de petróleo e de ouro a fim de obter meios de subsistência e medicamentos para a população e outros recursos para o país.
Como revelava a revista Forbes (1 Outubro), Saab “é a chave do mistério monetário venezuelano, ou seja, como é que um país enfrentando sanções dos EUA, do Reino Unido e da UE ainda é capaz de exportar coisas como petróleo e ouro”, sendo por isso considerado “o único homem que pode de facto explicar como é que [a Venezuela] hoje sobrevive”.
Se Saab quisesse “colaborar” com os EUA, essa seria a maneira ideal de “desfazer a teia económica” (confessava o New York Times de 17 Outubro) que permite à Venezuela, ainda assim, sobreviver.
Serão precisas mais provas da má-fé e da conspiração montada contra a Venezuela? Alex Saab é visado pelas autoridades norte-americanas por ser uma personagem decisiva na manobra do governo venezuelano para tornear o bloqueio ilegal imposto pelos EUA.
Cabo Verde à margem da lei
Uma vez detido, Alex Saab foi sujeito a interrogatórios sistemáticos e há fortes suspeitas — nomeadamente por denúncia feita através dos seus advogados — de ter sido torturado com o objectivo de prestar declarações que fossem favoráveis aos propósitos dos EUA.
Manifestações de apoio a Saab e de condenação das autoridades cabo-verdeanas e norte-americanas tiveram lugar em diversos países — obviamente na Venezuela, mas também nos próprios EUA.
Como a acusação envolvia a banca suíça, as autoridades judiciais do país apreciaram os argumentos dos EUA, mas em pouco tempo arquivaram o processo, dando-o como não procedente.
Também o Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem jurisdição sobre Cabo Verde, determinou em 15 de Março a “libertação imediata” de Alex Saab, acusando as autoridades de Cabo Verde de violação de direitos humanos e instando-as a parar o processo de extradição.
O Comité das Nações Unidas para os Direitos Humanos exigiu explicitamente a libertação de Alex Saab. O governo cabo-verdiano foi confrontado com as alegações de tortura e maus tratos de que Saab foi vítima. Foi avisado sobre a falta de fundamento da detenção e a consequente violação de direitos humanos e da imunidade diplomática. E foi ainda alertado para a possibilidade de ele vir a ser sujeito a tortura no caso de ser extraditado para os EUA.
Ao serviço da agenda de Washington
Sem coragem para enfrentarem as pressões dos EUA, o governo e as autoridades judiciais cabo-verdianas nem sequer se dignaram responder aos alertas vindos de vários quadrantes, mantendo um silêncio comprometido — e acabando por ceder em toda a linha.
Um dos advogados de Saab disse sem tibieza que o comportamento das autoridades cabo-verdianas esteve “ao serviço de puros interesses políticos, em acordo com a agenda ditada por Washington”.
O final do processo foi ainda, se possível, mais vergonhoso. Alex Saab foi positivamente sequestrado pelos EUA, com o consentimento das autoridades cabo-verdianas. Um avião a mando do Departamento de Justiça norte-americano transportou Saab da Ilha do Sal para os EUA, em segredo, antes mesmo de o processo ter sido concluído, tendo sido desconsiderado um recurso interposto pelos advogados de Saab.
De rabo entre as pernas, o Ministério da Justiça de Cabo Verde desculpou-se dizendo que recebeu “garantias” dos Estados Unidos de que Alex Saab terá “um processo justo e equitativo”. Ridículo.
Não admira que, cinicamente, o Departamento de Justiça dos EUA tenha expressado a sua “gratidão” ao governo de Cabo Verde e a sua “admiração pelo profissionalismo do sistema judicial cabo-verdiano”.
O governo português, que se mostra sempre tão preocupado com legalidade e direitos humanos quando se trata da Venezuela, da Rússia, ou do Afeganistão dos talibãs, manteve absoluto silêncio ao longo de todo o tempo em que Saab esteve ilegalmente preso. Nem a CPLP foi chamada a pronunciar-se, nem a tomada de posição do Tribunal de Justiça da CEDEAO lhe serviu de exemplo.
Legislação extraterritorial, o longo braço do imperialismo
A jurisdição extraterritorial que os EUA invocaram para deter Saab — ou seja, a possibilidade de estender a qualquer parte do mundo o braço da lei norte-americana — é uma prática que permite aos EUA violar direitos a bel-prazer, desde que isso interesse às suas ambições económicas ou políticas.
À conta disso, por exemplo, milhares de milhões de dólares têm rumado aos cofres ianques em multas aplicadas a empresas estrangeiras por “crimes”, reais ou inventados, praticados fora do território dos EUA — mas que alegadamente violam a lei norte-americana. Ou através do congelamento de activos, de bens ou de contas bancárias de países, empresas ou indivíduos “não amigos”.
Ou então, adversários políticos ou concorrentes comerciais — como Alex Saab, ou Meng Wanzhou, dirigente executiva da Huawei, detida no Canadá durante três anos a pedido dos EUA — são levados a julgamento ou são presos como forma de prosseguir, por outras vias, as ambições dos monopólios norte-americanos.
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(Parte dos dados aqui referidos foram obtidos em artigos publicados no semanário norte-americano Workers World, que promoveu uma activa campanha em favor da libertação de Alex Saab.)