Manifesto

MUDAR DE VIDA
REERGUER A LUTA CONTRA O CAPITAL

Precarização, despedimentos colectivos, cortes drásticos nos direitos laborais e nas pensões de reforma, desmantelamento da segurança social, entrega dos serviços públicos às empresas privadas, quebra contínua do nível de vida – com o pretexto do equilíbrio orçamental e da “modernização”, o governo do Partido Socialista desencadeou uma ofensiva em todas as frentes contra os trabalhadores, para garantir lucros cada vez maiores aos capitalistas, os quais aplaudem a sua “determinação”. E estas não são medidas temporárias para superar a crise. Fazem parte do programa neoliberal posto em prática pela União Europeia, na sua ambição de se equiparar ao poderio dos Estados Unidos. São o modelo de sociedade que nos querem impor.

Esta pilhagem brutal dos pobres pelos ricos, acompanhada pelo apodrecimento das instituições e pelo envolvimento do país na escalada de guerras e invasões do imperialismo, desperta alarme e indignação. Alastra a consciência de que é preciso resistir à voracidade do capital. Mas, vendo que as greves, manifestações e protestos, o esforço de tantos militantes e activistas, não conseguem inverter a situação, espalha-se a ideia de que não há alternativa, de que o destino das pessoas está a partir de agora fatalmente subordinado às “leis do mercado”, à força cega e impessoal do capital.

É toda a acção tradicional da esquerda que é posta em causa pela nova correlação de forças entre Trabalho e Capital. Torna-se forçoso perguntar se há alguma perspectiva real de eleger, no actual quadro do “Estado de direito democrático”, um governo que defenda os trabalhadores. Como poderemos tomar medidas contra a ditadura do grande capital, aplicar uma política não aprovada por Bruxelas, desligar-nos das infames guerras da NATO? Como deter a ameaça já visível da fascização das instituições? Como romper o bloqueamento que estrangula as iniciativas do movimento popular?
Estas são perguntas novas colocadas pela ofensiva do capital mundializado. Deixá-las sem resposta é privar o movimento de capacidade ofensiva e preparar situações trágicas para a Humanidade.

A esquerda do regime

Denúncias certeiras e propostas positivas é o que não falta na actividade das forças da esquerda parlamentar. Mas, fazendo girar toda a sua acção em torno do parlamento e dos calendários eleitorais, os partidos reformistas acumulam votos mas não acumulam forças de mudança. As suas proclamações anticapitalistas acabam sempre na tentativa para se encaixarem nas instituições e serem reconhecidos pelo sistema como forças “responsáveis”. Receosos de que as acções “descontroladas” dos trabalhadores afugentem a pequena burguesia, afogam todas as iniciativas de base no controleirismo. Trocam a militância pela profissionalização. Privando o movimento de activistas conscientes e ousados, provocam a desmoralização e a desmobilização das grandes massas. Têm boa parte de responsabilidade no descrédito da política e dos partidos aos olhos das massas.

Implantado no movimento operário e popular como a força mais à esquerda e mais organizada, crítico da direita e do imperialismo, o PCP esgota contudo essas potencialidades no mito de “um novo governo e uma nova política”, o qual, na falta de um forte movimento de massas, só pode assentar numa coligação com o PS. Mas uma tal via ou não existe, ou não será anticapitalista. Em busca de horizontes aceitáveis para explorados e exploradores, o PCP dirige patéticas exortações aos capitalistas para que não busquem o “lucro excessivo” e se guiem pelo “interesse nacional”. Ilude os trabalhadores com o sonho de uma “democracia avançada”, de tranquila coexistência entre capital e trabalho, através da qual se faria a passagem ao socialismo sem ruptura da ordem vigente.
Cumprida a passagem do fascismo à democracia burguesa, desaparecida a esperança de chegar ao poder com a ajuda da União Soviética, o PCP ficou limitado ao objectivo de participar na gestão do capitalismo. Incapaz de resolver a contradição entre a “firmeza de princípios” proclamada e a prática reformista que o transforma num viveiro de sucessivas dissidências social-democratas, afunda-se na burocratização, na sufocação da vida interna e na senilidade ideológica.

O êxito eleitoral e mediático do BE, o mais recente produto na contínua invenção social-democrata de “novas esquerdas”, não pode disfarçar a inconsistência do seu estilo pseudo-radical. A sua prática sindical e anti-imperialista é em muitos casos mais recuada que a do PCP, a quem procura suplantar como possível parceiro do PS. Apregoando-se como a “esquerda moderna”, o Bloco especializou-se nos direitos das minorias, nas reivindicações de “cidadania” e nos “novos movimentos sociais” como alternativa à luta de classes. Cativa assim massas de eleitores, sobretudo jovens, desiludidos com a passagem do PS para o campo da direita, mas as suas campanhas ecológicas, humanistas, culturais são facilmente digeridas pelo sistema, justamente porque não confrontam explorados com exploradores, oprimidos com opressores.

A CGTP, que se impôs como o representante da massa assalariada devido à sua resistência aos ataques do patronato, dos governos e do sindicalismo amarelo da UGT, perde influência por se obstinar nos sermões sobre a colaboração de classes quando a burguesia impõe brutalmente a lei da selva neoliberal. Ansiosa por sensibilizar todos, operários, tecnocratas e patrões “esclarecidos”, apresenta protestos cordatos na Concertação Social e dá conselhos sobre o desenvolvimento económico e o crescimento da produtividade, como se se pudesse, ao mesmo tempo, estar contra o capitalismo e participar na gestão dos seus interesses. Montou um enorme aparelho burocrático que mata o activismo nas empresas. Favorece o alastramento do corporativismo, do elitismo e do sindicalismo de gestão. No clima de paz social que a CGTP contribuiu para criar, as suas “jornadas de luta” são impotentes para deter a ofensiva do patronato.

O mal incurável desta esquerda é a sua prisão voluntária dentro da ordem existente, que a coloca na dependência estratégica do PS, apesar das críticas acesas que lhe faz no dia-a-dia. Ora, o PS confirmou-se ao longo dos últimos trinta anos como o principal obreiro da recuperação capitalista e do ataque ao movimento popular – mais eficaz inclusive que o PSD e CDS. O seu discurso sobre liberdade, solidariedade e progresso encobre a cumplicidade nas mais sinistras acções do grande capital e do imperialismo. Tem que ser reconhecido como um partido de direita. A prática de o tratar como uma alternativa “menos má” e de lhe dirigir apelos e desafios na esperança de o recuperar só tem servido para confundir os campos e paralisar os trabalhadores. Não é pela conciliação com o PS que se ganham as massas que nele votam mas pela afirmação de um novo pólo de atracção anticapitalista que o desmascare.

Libertar forças

Sabemos que a revolução social não está ao virar da esquina e que as lutas a travar em cada momento são aquelas que o estado de consciência das massas permite. É através da luta pelos seus interesses imediatos e objectivos parciais que os explorados se unirão e organizarão para lutas superiores. Exige-se-nos um trabalho paciente, que não se compadece com radicalismos verbais. Porém, ao empenharmo-nos nessas lutas diárias, por reivindicações muitas vezes modestas, não perdemos de vista que a sua utilidade é incutir gradualmente nos trabalhadores a confiança nas próprias forças, o repúdio pela ordem capitalista, a consciência e determinação revolucionárias. São positivas as lutas que contribuem para pôr explorados e exploradores em confronto, não as que semeiam ilusões na colaboração de classes. Alertamos os trabalhadores contra a miragem de que uma espiral infinita de reformas transformaria gradualmente o inferno capitalista num paraíso socialista. Dizemos que conquistas verdadeiras só com lutas superiores podem ser alcançadas e que tudo depende de se criar um campo resolutamente anticapitalista.

O ponto de partida para uma nova política é dizer frontalmente aos trabalhadores que nada têm a esperar do actual regime, romper com o fatalismo e o espírito da obediência à ordem reinante, incutir nos explorados o desprezo pelos valores do regime, alimentar-lhes a aspiração a um outro modo de vida, realmente democrático, liberto da opressão do capital. Para dar vigor às reivindicações e protestos da população pelos seus direitos é preciso fazer alastrar a todas as frentes a insatisfação com o infame modo de vida que nos é vendido como a “verdadeira democracia”, popularizar o direito à rebeldia, a ideia de que se pode viver de outra maneira. Há que retomar a linha de continuidade dos grandes movimentos populares de há trinta anos, que fizeram mais pela libertação e o progresso social do país que todas as leis de todos os parlamentos e governos. O proletariado já fez muitos sacrifícios por causas alheias – é hora de afirmar a sua própria causa, o seu antagonismo com o sistema e o objectivo de acabar com o capitalismo.

É dentro das empresas que o capitalismo manifesta toda a sua brutalidade. Hoje nenhum assalariado se sente seguro quanto ao seu posto de trabalho e aos seus direitos. Concentrar esforços nos sectores mais atingidos, criar focos de resistência nas empresas, é a via para erguer uma nova corrente popular combativa. Desclassificado, precarizado e atomizado, cercado pelas novas classes médias, bombardeado pela ideologia imperialista, o proletariado encontra-se em pesada desvantagem. Mas a experiência das últimas décadas já mostrou que não há outras forças motrizes da mudança social. Só o proletariado pode tornar-se a coluna vertebral da oposição popular ao regime, reganhando pela acção económica e política a confiança nas suas próprias forças e deslocando a luta das questões menores para o eixo da luta de classes: o trabalho contra o capital, as massas contra o poder do Estado.

A nossa presença no movimento sindical deve ter como objectivo impulsionar as reivindicações que melhor contribuam para unificar as classes trabalhadoras contra o patronato e o Estado, para avivar o antagonismo entre o Trabalho e o Capital. A ajuda organizativa às comissões de empresa e aos delegados sindicais mais activos, a prática da democracia dos plenários na preparação e durante as lutas, o apoio mútuo entre empresas dos mesmos sectores, a solidariedade para não deixar isolar e derrotar as greves, as ligações internacionais aos sindicatos combativos – são tarefas que darão vitalidade a uma futura corrente sindical de classe, independente dos aparelhos burocráticos da central.

Atenta às questões que em cada momento mobilizam as massas, uma política realmente anticapitalista não pode rebaixar-se ao nível da “comissão de melhoramentos” nem seguir ao sabor dos “factos políticos” criados pelos governantes. Puxando sempre o debate para as questões centrais da luta de classes, temos que mostrar que os abusos dos poderosos, a cumplicidade criminosa do Estado que os serve, o fosso cada vez maior entre pobres e ricos, o desemprego e a precariedade, a baixa do nível de vida, as chagas da criminalidade, da pilhagem dos bens públicos, da corrupção, da alienação, da prostituição, do abuso de crianças, não se curam com receitas “moralizadoras” porque fazem parte integrante de um sistema iníquo fundado na exploração e na mercantilização de todas as relações sociais. Trabalhando em muitos casos em acções comuns com a esquerda do sistema, cooperando lealmente com os militantes do PCP e BE, mantemos claro que existem dois caminhos na oposição ao regime – queremos mudar a sociedade, não remendar o capitalismo.

Há que estabelecer laços com o meio milhão de imigrantes, utilizados pela burguesia como mão-de-obra descartável, para fazer baixar o preço da força de trabalho no mercado. Com a imigração tratada pelo Estado como um assunto de polícia, com os sindicatos, partidos e ONGs a limitarem-se a esmolas e campanhas simbólicas, cava-se no seio do proletariado um perigoso fosso entre nacionais e imigrados e cresce em largos estratos da população a xenofobia e o racismo. O trabalho em associações que defendam os direitos dos imigrantes, o estabelecimento de laços culturais, as campanhas contra o racismo, formam uma frente prioritária de luta.

Vital também empenhar esforços num feminismo de massas que rompa as barreiras patriarcais da sobreexploração, da desigualdade e da violência machista. A integração em massa das mulheres na luta política geral não será possível enquanto as trabalhadoras continuarem a ser tratadas como mão-de-obra mal paga e precária, remetidas para tarefas subalternas, com jornadas múltiplas de trabalho, consideradas como máquinas de procriar. A revitalização da luta anticapitalista exige que a mulher deixe de ser a sombra e a proletária do homem, a criada para todo o serviço. Temos que contribuir para desmascarar a hipócrita “igualdade” actual, que esteriliza as reivindicações das mulheres em cargos decorativos e funções burocráticas, ou as trata como mera questão “cultural” no capítulo dos “direitos das minorias”, quando elas formam a maioria da população.

Recusamos deixar-nos envolver na dramatização eleitoral e na chantagem do voto no “mal menor”, expedientes com que os partidos do sistema têm conseguido neutralizar forças válidas e impedir a afirmação de novas correntes sociais. A intervenção nos períodos eleitorais, quer seja pela concorrência ou pela abstenção activa, conforme as situações, é para os revolucionários uma ocasião importante para transmitir a sua mensagem às grandes massas normalmente arredadas da política e para transformar em repúdio activo o desprezo passivo que normalmente manifestam pelas instituições. Medimos o êxito da participação eleitoral, mais do que em votos, pelos avanços que proporcionem no estado de espírito das massas.

A frente ideológica e cultural pode ter um papel decisivo no reagrupamento de forças nesta longa fase defensiva do movimento. Revelar, explicar, desmistificar, combater o obscurantismo, criar hábitos de independência crítica face à máquina alienante do sistema são para a esquerda revolucionária tarefas políticas de primeiro plano. É necessário por isso apoiar e estimular a criação literária e artística de denúncia e contestação, aproveitar todos os meios de imprensa, edição, internet, locais de convívio e debate, de modo a criar uma forte corrente de opinião materialista crítica, anticapitalista e anti-imperialista.

Contra a globalização capitalista, globalização da luta

É urgente despertar o povo português do seu alheamento suicida das questões internacionais. Debatendo-se convulsivamente com os limites à realização do capital e com a tendência para a baixa da taxa de lucro, os grandes centros capitalistas afundam-se no caos da especulação financeira e invocam as “leis incontornáveis do mercado” para degradar brutalmente a situação das massas produtoras, lançar centenas de milhões no desemprego, arruinar continentes inteiros. A concentração inaudita do poderio e da riqueza face a milhares de milhões de famintos anuncia batalhas de classe ainda mais gigantescas que as do passado. A pilhagem do mundo inteiro por um punhado de Estados ricos e poderosos, capitaneados pelos EUA, provoca um cortejo interminável de guerras, fomes e massacres. E a recusa das superpotências a partilharem o bolo com as novas potências capitalistas emergentes (China, Índia, Rússia, Brasil) vai colocar na ordem do dia novos conflitos destruidores.

A monopolização da economia gera a monopolização do poder político. O tremendo poder financeiro e militar da classe dirigentes dos Estados Unidos, imune a qualquer controle interno ou internacional, torna-a um foco de pulsões agressivas, que não admite qualquer obstáculo ao seu projecto de domínio total do planeta. Instaura o controle totalitário dos cidadãos. Depois de ter planeado friamente as sangrentas guerras no Afeganistão e no Iraque, tem na agenda novas invasões, golpes de Estado e, se necessário, ataques nucleares. O novo fascismo que irradia dos EUA sob a bandeira da democracia e dos direitos humanos está a ser adoptado pela burguesia à escala mundial e torna-se uma grande ameaça para os povos de todo o mundo. A mobilização antifascista, pela defesa das liberdades, é uma grande tarefa da nossa época.

A saída não virá de campanhas moralizadoras por “uma nova lei internacional”. As propostas irrealizáveis das Attacs e congéneres para diminuir o fosso entre Estados ricos e pobres, por um comércio justo, pela reforma da ONU, só contribuem para adormecer as massas para a gravidade da situação e empenhá-las em causas imaginárias. Êxitos reais na luta contra a barbárie das guerras de conquista, as armas de destruição maciça, contra a catástrofe económica, contra o fascismo, a rapacidade do FMI, a intoxicação ideológica, a destruição da natureza, só serão possíveis quando perdermos as ilusões num regresso ao passado, pusermos de lado a esperança na auto-regulação do sistema, incutirmos nas massas a consciência de que ele é irreformável e inscrevermos nos nossos programas a tarefa única da nossa época: pôr fim ao capitalismo.

Estamos solidários com os povos que lutam com os meios ao seu alcance para expulsar os invasores e opressores. Saudamos a luta armada dos povos do Iraque, Afeganistão, Líbano, Colômbia, Nepal, a resistência heróica da Palestina ao extermínio levado a cabo por Israel, a resistência de Cuba, da Venezuela e dos outros povos latino-americanos à ingerência e agressão dos Estados Unidos. Recusamos pôr em igualdade os agressores e as vítimas. Recusamos embarcar na histeria da “defesa da civilização” e do “antiterrorismo”. Repudiamos a bandeira esfarrapada da democracia e dos direitos humanos agitada pelo Ocidente imperialista para servir de capa à sua dominação sobre os povos. Não alinhamos no falso optimismo dos que, a todo o momento, para “dar ânimo”, pretendem descobrir nos sinais de crise o colapso iminente no imperialismo, vitórias populares imaginárias, entrada em cena de líderes “salvadores”. Só à custa de um tremendo esforço será possível levar a bom termo a luta anti-imperialista.

Apostada em disputar aos EUA o lugar de chefe mundial dos salteadores, a União Europeia pinta com as cores do “progresso económico e social” o seu projecto expansionista e agressivo. Executa todo um programa para baixar os custos da força de trabalho, escravizar os imigrantes, submeter as pequenas nacionalidades, pilhar as riquezas do Terceiro Mundo, criar um corpo policial e de vigilância continental, um exército. As propostas do PCP e BE para “refundar” a UE dotando-a de uma Constituição “de base democrática” e tornando a “Europa Social” um “espaço de solidariedade e de paz”, são uma grande mistificação – como se um bloco capitalista continental pudesse ser outra coisa do que geneticamente reaccionário. Unir à escala do continente as forças do trabalho contra as do capital é a tarefa que se coloca aos revolucionários europeus.

A marcha da globalização capitalista aglutina as burguesias nacionais no grande bloco continental europeu, que lhes é necessário para fazer frente aos concorrentes. Por isso, a luta no nosso país contra a UE não tem como meta a restauração da independência nacional burguesa, etapa ultrapassada quando a classe governante se vendeu ao mercado europeu, sem consultar sequer a população. Só a pequena burguesia pode ainda alimentar sonhos de renascimento do seu espaço próprio, expressos nos apelos “patrióticos” do PCP. O proletariado tem que rejeitar tanto essas utopias passadistas como as promessas chauvinistas de “uma grande e boa Europa”. Tem de aprender a unificar as lutas interna e externa contra a burguesia, tendo como horizonte a livre associação de todas as nacionalidades, só possível quando for desmantelado o capitalismo.

Reconstruir o campo revolucionário

A reconstrução de uma autêntica corrente anticapitalista, que lute por uma nova ordem social, exige um longo combate contra os preconceitos instalados pela social-democracia ao longo das últimas décadas: pretender que já não há classes com interesses antagónicos, que a revolução passou à história e que todas as “pessoas de boa vontade” podem ser unidas na aspiração do “bem comum”; reduzir a política ao presente, ao imediato, como meio de apagar a memória histórica do movimento e de não ter que falar de um projecto futuro; difamar a militância política e os movimentos de massas como “opressores da individualidade”; e sobretudo utilizar os fracassos dos chamados “regimes comunistas” como eficaz arma de propaganda do capitalismo.

A reconstrução do campo revolucionário não tem que ficar refém dos desastres do passado. Se a revolução russa e as outras grandes revoluções do século XX não cumpriram o seu projecto de desmantelar o capitalismo e estabelecer a democracia dos produtores e se afundaram em regimes burocráticos e ditatoriais, isso em nada diminui o alcance histórico da modernização que trouxeram a sociedades até então mergulhadas no atraso, na miséria e na ignorância e o golpe que deram ao sistema imperialista. Não temos de que nos penitenciar. Iludidos muitos de nós tempo demais quanto à natureza do “campo socialista”, não nos enganámos contudo ao defender os interesses operários e populares, ao lutar contra o fascismo, o colonialismo e o imperialismo. Nada temos de comum com os saudosistas de um falso socialismo de aparatchiks obedientes e acéfalos, nem com os que concebem a democracia socialista à imagem da democracia burguesa. E não confundimos os ideais socialistas com os crimes odiosos que foram cometidos em seu nome. Por isso, precisamos de compreender as razões dessa degenerescência. Inspirando-nos nos revolucionários do passado, trabalhamos por aproximar a hora da emancipação dos explorados através do socialismo, que será também a libertação de toda a sociedade.

Só uma organização independente do regime dará corpo a uma corrente política independente. Vimos no passado que a organização pode degenerar, de instrumento de luta, em instrumento de opressão de militantes e de adaptação ao sistema, pelo que procuramos um tipo diferente de organização, unificada pela identidade de convicções políticas e não pelo aparelho e o controle. Uma organização em que cada militante exerça livremente as suas capacidades, onde se busque a confluência de energias e não a disciplina cega, onde o espírito crítico seja o instrumento decisivo da unidade política. Uma organização democrática, aberta ao debate dentro e fora de si própria, que não pretenda tornar-se proprietária do movimento de massas mas ser o seu fermento e instrumento unificador. Praticando a democracia proletária, respeitando sempre a inalienável soberania das massas populares, esse colectivo organizado, mesmo pequeno, poderá propagar entre as massas uma nova corrente política mais avançada que as do passado e tornar-se uma força real.

Sabemos que temos pela frente uma longa e difícil luta mas somos optimistas. Os donos do capital jogam contra a corrente da História. A abundância criada pelas novas tecnologias, o derrubamento das fronteiras, o mercado mundial único estão a criar um proletariado mundial e a dar-lhe novas armas para pôr termo à divisão milenar da humanidade em opressores e oprimidos, exploradores e explorados, à barbárie das guerras e do terror, à dominação patriarcal. No meio das catástrofes da nossa época, divisa-se a possibilidade de aceder a uma forma de viver digna de seres humanos, a Democracia do Trabalho, o Socialismo. Mas só se formos capazes de vencer a resistência do capitalismo a abandonar a cena histórica. Chamamos todos os que não se conformam com a actual impotência do mundo do trabalho a colaborar connosco nessa causa, a única digna de forças anticapitalistas consequentes.

Frentes de luta imediata

Trabalhar pela criação de um grande movimento que leve à demissão do governo de Sócrates e interrompa a ofensiva capitalista em curso.

Criar plataformas de acção unitária contra o desmantelamento dos serviços sociais, as privatizações e a montagem do Estado policial.

Na luta contra a exploração, a precariedade, o assalto aos direitos dos trabalhadores, desenvolver acção sindical de base nas empresas, dando especial apoio aos precários, aos imigrantes, às mulheres.

Trabalhar por um movimento nacional de condenação dos EUA e de Israel, de solidariedade com os povos do Iraque, Palestina e outros povos em luta, pelo regresso imediato dos soldados portugueses em “missões de paz”, pela saída de Portugal da NATO.

Trabalhar pela coordenação das lutas económicas e políticas do proletariado à escala europeia contra a UE do capital. Estabelecer relações internacionalistas com organizações da esquerda revolucionária de outros países.

Colectivo Mudar de Vida, Janeiro 2007