Justiça de classe
António Louçã — 15 Dezembro 2021
Num painel de comentário da CNN Portugal, a fascistóide Helena Matos e o socialistóide Sérgio Sousa Pinto pareciam duas almas gémeas a lamentar o “achincalhamento” de que são vítimas os criminosos de colarinho quando caem nas bocas do mundo e nas garras da Justiça. O pranto tinha um tom filosófico e universal, mas vinha sobretudo a propósito de João Rendeiro.
Com um ar grave e compungido, ambos manifestaram a convicção de que a qualidade de uma democracia se mede pela dignidade com que trata os seus presos. E, quase no mesmo fôlego, ambos se indignaram por a democracia portuguesa julgar réus de colarinho na praça pública, deixar a imprensa dizer sobre eles o que Maomé não disse do toucinho, e por a democracia sul-africana arrancar Rendeiro ao seu hotel de cinco estrelas para colocá-lo numa prisão sobrelotada, conhecida pela sua tradição de violência e agora notória pelas ameaças de morte que o banqueiro aí terá recebido.
Pelos vistos, a democracia sul-africana subiria dois ou três furos na consideração dos nossos comentadores se tivesse colocado Rendeiro numa cadeia com sauna, piscina e vista para o mar – não naquela prisão sobrelotada onde milhares de reclusos se amontoam, se contagiam ou, por vezes, se apunhalam. A dignidade com que é preciso tratar os reclusos – excelente mandamento, aliás – parece portanto ficar acautelada se houver dignidade no tratamento do banqueiro, e se ele não for misturado com uma típica população prisional. Nada que uma restauração do apartheid para o sistema carcerário não pudesse resolver, ou pelo menos mitigar substancialmente.
Rendeiro foi tratado na África do Sul como qualquer outro réu em circunstâncias equivalentes. Não lhe puseram no pé uma daquelas grilhetas medievais que costumavam impedir a fuga, mas até agora também não lhe deram livre trânsito como tinha acontecido em Portugal. O abuso que ele cometeu em Portugal contra as suas condições de liberdade condicional e o desprezo que manifestou pela sentença de prisão puseram a nu o carácter de classe demasiado grosseiro da Justiça portuguesa: é uma Justiça para os ricos, que podem fugir e levar com eles fortunas, mesmo que já estejam condenados em penas de prisão efectiva.
Depois do fiasco que foi a fuga de Rendeiro, era evidente que Manuel Pinho não podia ser mandado para a sua casa em Espanha, a aguardar a próxima convocatória judicial. E por isso, desta vez, a Justiça colocou-o em prisão domiciliária. Não foi um “dia triste para a Justiça portuguesa”, como dramatizou o seu advogado Ricardo Sá Fernandes, nem pode dizer-se que tenha pago o justo pelo pecador. Mas é verdade que este pecador teria ficado tão livre como o outro, e ambos tão livres como passarinhos, se Rendeiro não tivesse, com a sua fuga, mordido a mão que o alimentava com tais iguarias da jurisprudência mais garantista.
Comparem-se os punhos de renda com que são tratados em Portugal quaisquer vigaristas de plumas e o punho de ferro aplicado a um jovem pobre, suburbano, de minoria étnica como Danyjoy Pontes: acusado do roubo de um telemóvel, não houve durante 11 meses uma acusação suficientemente sólida para condená-lo. Embora fosse, no pior dos casos, um presumível delinquente primário, com formação feita e boas perspectivas profissionais, foi mantido em prisão preventiva durante essa longa espera pelo julgamento.
Condenado a prisão efectiva apesar de não ter antecedentes criminais, entrou a cumprir pena no Estabelecimento Prisional de Lisboa com boa saúde e 23 anos de idade. Começou logo a ser medicado para doenças que nunca, em liberdade, lhe foram conhecidas. Acabou por aparecer morto na sua cela em setembro deste ano, por causas alegadamente “naturais”. O relatório da autópsia só muito depois foi comunicado à família. Nunca foram dadas explicações convincentes para a medicação a que era sujeito.
Quem não quiser ser tratado como Danyjoy, ponha os olhos nos criminosos de colarinho e tome nota: não deve nascer negro nem pobre, nunca deve limitar-se a roubar um telemóvel e deve sempre tratar de que o roubo ou o suborno recebido atinja a casa dos milhões. Aí poderá confiar em que a Justiça e o sistema prisional o tratem com a “dignidade” desejada por qualquer fascistóide e por qualquer socialistóide.
Comentários dos leitores
•Leonel Lopes Clérigo 18/12/2021, 18:21
ELEIÇÕES À VISTA
1 - A Comissão Nacional de ELEIÇÕES tem agendada no seu CALENDÁRIO que o 30 de Janeiro de 2022 será a data para "Eleição da ASSEMBLEIA da REPÚBLICA".
Daqui, já não nos falta muito tempo para a concretização de tão importante "evento" que irá decidir QUEM SERÁ o FELIZARDO QUE VAI REGER a BAZUCA - uma preocupação de muita gente boa e das suas clientelas - ou seja: qual o PARTIDO POLÍTICO que irá ter a "maior" RESPONSABILIDADE na escolha do PRIMEIRO MINISTRO e de TODA a EQUIPA que, finalmente, irá DESENVOLVER este nosso PAÍS. Ou seja: tirá-lo do SUBDESENVOLVIMENTO - da "cauda" da Europa, como é mais vulgar dizer-se - e transformar PORTUGAL num PAÍS de "frentex".
2 - A "falta de tempo" - com o NATAL, a Passagem do ANO e o "ÓMICRON" pelo meio - não auguraria ao "bom senso" que se pudesse conseguir um BOM PLANO de DESENVOLVIMENTO. Mas tenho FÉ que a longa prática dos TUGAS no "DESENRASCA" levará as coisas a "BOM PORTO" até porque - que DIABO!... - somos um PAÍS de MARINHEIROS e o MAR ALTO nunca nos afligiu.
Assim, espero ansioso e rapidamente, que os PARTIDOS CONCORRENTES à ASSEMBLEIA, nos apresentem as suas BELAS IDEIAS para DESENVOLVER o PAÍS e sosseguem um pouco as mentes dos LUSOS já fartos de andarem na vida a "APERTAR O CINTO", fazendo duvidar se, afinal, são EUROPEUS ou NÃO.
3 - Já estou então a preparar-me - ando a tomar uns comprimidos para dormir... - para poder, lá para o meio de Janeiro, fazer uma "directas valentes" a LER OS PROGRAMAS de TODOS os PARTIDOS julgando que, desta vez, não virá cada um deles com a "LENGALENGA do COSTUME": "mais iniciativa privada", "mais Justiça", "mais ecologia", "mais casotas para animais"...ou seja, GERAL, GENERALIDADES.
4 - Mas já estou preparado caso os PARTIDOS não apresentem qualquer PROGRAMA
ou, em "alternativa", apresentem a VELHA LENGALENGA.
Telefono para o FUTEBOL CLUBE do PORTO e peço que me dêem o número do telefone da BRUXA. E tenho a certeza que, com os seus conhecimentos e arte, ela me irá conseguir enviar os PROGRAMAS que os PARTIDOS têm, "escondidos na manga", para DESENVOLVEREM o PAÍS.
•afonsomanuelgoncalves 18/12/2021, 21:57
Só quando há luta de classes pode haver filosofia. É uma perda de tempo discutir epistemologia à parte da prática. O artigo apresentado por António Louçã prova que de facto assim é; depois de uma frivolidade ser tratada isoladamente para provocar o efeito emocional desejado e que arrastou dezenas de comentadores no mesmo inaceitável drama, o autor dá-lhe de a universalidade necessária para que a inteligibilidade filosósica seja captada inteiramente sem o pedantismo exuberante do escandalizado crítico de televisão.
•Chico 19/12/2021, 13:39
Muito bem Leonel, eu também acredito muito mais nas bruxas do que nos NOSSOS DIRIGENTES
•Leonel Lopes Clérigo 21/12/2021, 14:12
No seu comentário acima, o CHICO colocou uma "convicção" sua bem pertinente.
Contudo, também há quem diga que "A noite das bruxas é todos os dias no futebol português". E, pelos vistos, não é só no FUTEBOL.
Mas seja como for, a Bruxa da minha eleição continua a ser a do FC do PORTO. E é nela em quem confio para me enviar - em último caso - os PROGRAMAS dos PARTIDOS que vão DESENVOLVER - finalmente! - este nosso desgraçado PAÍS, apesar - na aparência - tudo parecer encaminhar-se para uma simples LUTA de GALOS (ou frangos "desmiolados" de aviário?...) com sua habitual gritaria de CAPOEIRA sem SUBSTÂNCIA.
Caro CHICO: é vulgar dizer-se da tia ESPERANÇA que é ela "a última a bater os alicates". Por isso, ainda não perdi a fezada, mesmo com as "peças de artilharia" que estão à vista, que "AGORA É QUE ISTO VAI! E oxalá a Senhora da AGRELA venha dar também um empurrãozinho. Sem ela, nada feito.
•Chico 26/12/2021, 12:50
Caro Leonel, será caso para dizer: fia-te na virgem (da Agrela ou doutro lado qualquer) e não corras?
•Leonel Lopes Clérigo 1/1/2022, 16:22
Caro CHICO
Agradeço o AVISO.
Mas com a idade que tenho já não arranjo forças nas "canetas" para grandes "velocidades".
Como dizia o outro, É O QUE HÁ.
•Isabel Maria Viana Moço Martins Alves 23/1/2022, 11:58
Um artigo excelente