Bilionários altamente poluentes

Editor / Jessica Corbet — 10 Novembro 2022

Cheias no Paquistão 2022: 1200 mortos, 6000 feridos, 300.000 casas destruídas

É sentimento comum que as discussões e as resoluções que visam travar as alterações climáticas resultantes da acção humana não produzem efeitos práticos. As diversas cimeiras do clima assim o mostram de ano para ano, por mais apelos que sejam feitos aos poderes públicos, por mais metas que sejam estabelecidas, por mais dramáticos que sejam os discursos, como o que o secretário-geral da ONU, António Guterres, voltou a fazer, desta vez no Egipto. Não é de esperar que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que decorre em Sharm El-Sheikh, dê resultados diferentes. 

De facto, na maioria das abordagens feitas ao assunto fica sempre incólume a raiz do problema na época em que vivemos: o sentido predatório da organização económica e social que comanda o mundo, o capitalismo imperialista. Tentar que empresas multinacionais e estados poderosos, que competem entre si pelo domínio dos recursos do planeta e que têm nessa competição a chave da sua sobrevivência ou da sua hegemonia — tentar que tais agentes se verguem às urgências climáticas, à necessidade de poupar recursos, ou ao propósito de salvar os pobres da morte é pedir-lhes que renunciem à sua própria natureza.

A denúncia que divulgamos, baseada num estudo feito pela Oxfam, não foge a esta regra. Mas tem o mérito de pôr em evidência que nem todas as classes sociais são igualmente responsáveis pela tragédia climática. Pelo contrário, as classe dominantes (os “ricos” e os seus investimentos, isto é, o grande capital) são, de longe, os grandes poluidores do planeta, quer pelo lado da vida privada, quer sobretudo pelo lado da aplicação dos seus recursos em capital. 

Fica assim contrariada a ideia de que se trata de um problema “da humanidade”, e evidenciado o facto de se tratar de uma questão dependente da formação social capitalista em que vivemos. Por outro lado, a desproporção dos números mostrados pelo estudo da Oxfam é de tal monta que fica também desfeita a pregação comum de que “cada um de nós” individualmente, ou cada país indiferenciadamente, tem de “dar o seu contributo”, como se tudo dependesse de um somatório de boas-vontades.

Quando um indivíduo “rico” chega a poluir um milhão de vezes mais do que um comum mortal, é escusado falar de pessoas: temos de falar do sistema social.

 

OXFAM: AS EMISSÕES POLUENTES DE BILIONÁRIOS E INVESTIDORES

Jessica Corbet, Common Dreams, 8 novembro 2022

Com a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas a decorrer no Egipto, a Oxfam divulgou na segunda-feira [7 novembro] um relatório que destaca como os investimentos dos bilionários produzem grandes quantidades de emissões causadoras de aquecimento do planeta que têm de ser controladas para garantir um planeta habitável.

O estudo feito pela organização — intitulado “Bilionários do carbono: as emissões dos investimentos feitos pelos mais ricos do mundo” — revela que os investimentos de 125 bilionários emitem 393 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por ano, o mesmo que toda a França.

Colocando este número num contexto individual, o relatório explica que a média anual chega a 3,1 milhões de toneladas de CO2e por bilionário — ou seja, mais de um milhão de vezes superior às 2,76 toneladas que é a média para as pessoas situadas nos 90% inferiores da população mundial.

“Esses poucos bilionários juntos têm ‘emissões de investimento’ que equivalem às pegadas de carbono de países inteiros como França, Egipto ou Argentina”, disse Nafkote Dabi, líder de mudanças climáticas da Oxfam, em comunicado. “A maior e crescente responsabilidade das pessoas ricas pelas emissões gerais raramente é discutida ou considerada na formulação de políticas climáticas. Isso tem que mudar.”

Dabi declarou que “esses investidores bilionários no topo da pirâmide empresarial têm uma enorme responsabilidade em impulsionar o colapso climático. Eles escaparam da responsabilidade por muito tempo.”

“As emissões causadas pelos estilos de vida bilionários, com os seus jactos particulares e iates, são milhares de vezes a média de emissões de uma pessoa, o que já é completamente inaceitável”, observou Nafkote Dabi. “Mas se olharmos para as emissões dos seus investimentos, então as suas emissões de carbono são mais de um milhão de vezes maiores.”

O relatório também enfatiza que “observando como os mais ricos se comportam como investidores, podemos demonstrar não apenas o seu papel como [emissores] de carbono, mas também o seu papel como detentores de riqueza que possuem, controlam, moldam e lucram financeiramente com processos de produção que libertam gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera”.

“Os cidadãos comuns, geralmente, não têm muito controlo sobre as suas escolhas energéticas, principalmente aqueles que pertencem a grupos de baixos ou médios rendimentos. A falta de transporte público adequado pode fazer com que as pessoas sejam obrigadas a ir de carro para o trabalho, por exemplo”, aponta o documento. “Em contraste, os investidores podem escolher onde aplicar o seu dinheiro.”

“Eles podem optar por aplicá-lo em indústrias de combustíveis fósseis ou outras actividades altamente poluentes, ou nas actividades de outros actores empresariais que claramente não estão a fazer o suficiente para reduzir as suas emissões de carbono”, continua o relatório. “As decisões que os investidores tomam agora podem determinar as emissões nas próximas décadas — por exemplo, más decisões sobre investimentos em infraestrutura podem comprometer-nos com altos níveis de GEE no futuro.”

Segundo a Oxfam: “24% dos investimentos bilionários na amostra [do estudo feito] estão no sector de consumo discricionário, com 18% em bens de consumo básicos e 11% em finanças. Tratando-se de indústrias altamente poluentes, 7% dos investimentos são em energia e 7% em materiais [como o cimento]. Em comparação, as empresas de energia representam 4,7% e os materiais representam 2,5% do S&P 500 [índice de acções cotadas na bolsa de Nova Iorque].”

O documento observa ainda que [apenas] “há uma empresa de energia renovável na nossa amostra”.

Cientistas do clima, juntamente com especialistas em energia, saúde e políticas, continuam a enfatizar a necessidade de os governos em todo o mundo fortalecerem rápida e drasticamente os planos para reduzir as emissões de GEE, especialmente se houver alguma esperança de atingir a meta de 1,5°C do Acordo de Paris.

Falando na cimeira da COP27 em Sharm El-Sheikh na segunda-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que “estamos no caminho para o inferno climático com o pé no acelerador” e defendeu “maior urgência, acção mais forte e responsabilidade efectiva .”

Dabi argumentou que “precisamos que a COP27 denuncie e mude o papel que as grandes corporações e seus ricos investidores estão a desempenhar ao lucrarem com a poluição que impulsiona a crise climática global”.

“Eles não podem esconder-se ou fazer lavagem verde” [*], disse ela. “Precisamos que os governos resolvam isso com urgência publicando números de emissão das pessoas mais ricas, regulamentando investidores e empresas para reduzir as emissões de carbono e tributando a riqueza e os investimentos poluentes”.

A Oxfam estima que, em todo o mundo, um imposto sobre a riqueza dos ultra-ricos poderia arrecadar 1,4 biliões de dólares anualmente para ajudar as nações do Sul Global a adaptarem-se a uma emergência climática que eles não criaram, mas que os está a afectar desproporcionalmente.

“Os super-ricos têm de ser tributados e regulamentados pelos investimentos poluentes que estão a destruir o planeta”, disse Dabi, também pedindo aos governos que implementem “regulamentações e políticas ambiciosas que obriguem as empresas a serem mais responsáveis e transparentes em relatórios e a reduzir radicalmente as suas emissões”.

“Para cumprir a meta global de manter o aquecimento abaixo de 1,5°C”, concluiu ela, “a humanidade deve reduzir significativamente as emissões de carbono, o que exigirá mudanças radicais na forma como investidores e empresas conduzem negócios e políticas públicas”.

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[*] Greenwashing: jargão para designar propaganda enganosa sobre supostos méritos ecológicos ou climáticos de um produto, uma empresa, uma actividade, ou uma política.

Tradução MV

 

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Comentários dos leitores

MANUEL BAPTISTA 11/11/2022, 12:52

Um aspeto importante é que a crise energética atual foi largamente fabricada, com os EUA a empurrarem os seus aliados a tomarem sanções extremas contra a Rússia, sabendo que ficariam cortados do aprovisionamento de combustível. Agora, têm a UE «na mão» e podem faturar, para o gás de fracking vindo dos EUA, preços 4 vezes maiores que a Europa paga (pagava) pelo gás russo!
É uma crise manufaturada com o auxílio dos «génios» malthusianos e eugenistas do Fórum Económico Mundial de Davos....

leonel lopes clérigo 15/11/2022, 16:17

Manuel Baptista

Não é de agora que os USA têm a UE "na mão". Isso tem uma História longa que vem da 2ª Guerra Mundial de 39-45 e daquela "estadia" no Hotel de Bretton Woods.
Mas, de facto, a coisa parece estar hoje um pouco pior. Enquanto a Europa for "governada" por "trouxas" e "cabeleireiras", não há que esperar grande coisa. Como dizia o outro: "Aguenta que é serviço!"

A Viagem dos ArgonautasEspuma dos dias — Um bilionário produz um milhão de vezes mais emissões poluentes do que uma pessoa média – relatório Oxfam. Por Jessica Corbet 26/11/2022, 10:00

[…] Publicado por  em 10 de Novembro de 2022 (ver aqui) […]


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