Crise ambiental, militares à parte

Manuel Raposo — 6 Março 2021

As actividades militares gozam de um regime de excepção, também nas questões ambientais

Um estudo promovido pelo Grupo da Esquerda do Parlamento Europeu contém revelações que ajudam a mostrar as raízes do problema das alterações climáticas e a apontar responsáveis que se mantêm na sombra. Com o título “Sob o Radar – A pegada de carbono dos sectores militares da Europa”, o documento revela a larga contribuição que os sectores militares (indústrias de armamento, forças armadas, exercícios e operações militares) têm para as alterações climáticas, sem que sejam obrigados a prestar contas.

Resumidamente, eis algumas das conclusões da investigação.

Numa altura em que crescem as ameaças ambientais de alteração climática, seria de esperar que as instituições mundiais se focassem na redução das emissões de gases com efeito de estufa. No entanto, os sectores militares permanecem alheios a tais preocupações. E, pelo contrário, conduzidos por uma lógica de nova guerra fria, a sua contribuição é cada vez mais negativa, com crescentes gastos financeiros, nomeadamente entre os países da NATO, que são responsáveis por mais de metade de todas as despesas militares do mundo.

Para além de um considerável desvio de fundos que poderiam ser aplicados em benefício das populações, as indústrias militares agravam a emergência climática. Só nos países da União Europeia, o conjunto das despesas militares é responsável pela emissão anual de 24,83 milhões de toneladas de CO2, com a França (8,38 mt) e a Alemanha (4,53 mt) à cabeça. Aquele montante equivale a 14 milhões de carros a circularem durante um ano.

A tendência é para o agravamento, designadamente com a exigência dos EUA de aumento das contribuições dos europeus para as despesas da NATO.

Estes valores são calculados por baixo, uma vez que não existem estatísticas fiáveis da parte dos países, das instituições militares e das indústrias de armamento. Mais: estas actividades não são escrutinadas no que respeita às emissões de CO2 nem os valores com origem nas actividades militares estão incluídos nos planos nacionais de redução de emissões. Também neste aspecto, os sectores militares são protegidos como uma coutada. E isso é tanto mais grave quanto se sabe que em tais sectores predomina o uso de combustíveis fósseis.

A Polónia é um caso extremo: nenhuns dados são revelados, nem pelo governo nem pelos meios militares. Não por acaso, presumimos nós, dada a importância que o país tem para a política da NATO de enfrentamento da Rússia, o que fez dele uma das bases de implantação de tropas e material militar dos EUA e campo de manobras militares de grande envergadura.

Apesar das revelações que faz, o estudo é voluntariamente limitado, quer no âmbito da investigação, quer nas conclusões que aponta.

De fora ficaram os efeitos, imediatos e a prazo, da destruição de países que sofreram intervenções militares da NATO e das potências europeias — Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia, África central, Somália… — o que reduz o conhecimento do impacte total (ainda que seja apenas nos aspectos ambientais) da actividade militar do imperialismo europeu, tanto nas suas acções próprias, como nas parcerias guerreiras com os EUA.

Por outro lado, mesmo no campo da contribuição das actividades militares para a “pegada de carbono”, as conclusões do estudo ficam pelas piedosas recomendações do costume. Propor a “revisão urgente das estratégias de segurança”, ou insistir em “colocar o foco na acção diplomática para resolver conflitos” sem recurso à acção armada, ou reclamar “transparência na publicação de dados” acerca das emissões de CO2, ou recomendar a “transição para energias renováveis” nas actividades militares, ou ainda propor que nos terrenos afectados às instalações militares sejam promovidas… “plantações selectivas” aptas a captar carbono — tudo isto acaba por reduzir o problema a supostos aspectos técnicos e coloca as soluções na dependência da boa vontade dos governos e dos meios militares, que são os fautores da desgraça. Fica assim intocado o nervo da questão.

O facto é que as actividades militares gozam de um regime de excepção, também nos assuntos ambientais. Elas são colocadas de fora dos planos da política ambiental (já de si, em geral, débeis) porque isso é decisivo para a gestão dos interesses estratégicos do capitalismo imperialista, sejam interesses militares propriamente ditos, sejam económicos.

A situação dramática a que o mundo chegou no respeitante à destruição ambiental, com risco de efeitos irreversíveis, vai dando origem às mais variadas campanhas de mobilização da opinião pública. A grande falha que se lhes pode apontar está no facto de, na maioria dos casos, inocentarem do crime o capitalismo mundial e as suas instituições, ou admitirem que se podem travar e reverter os desastres ambientais sem alterar as bases em que o problema assenta — isto é, sem derrubar os interesses políticos-sociais-económicos que os promovem, única maneira de pôr termo à natureza predatória do capitalismo.


Comentários dos leitores

M. Teresa Alves da Silva 8/3/2021, 17:34

A partir da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas-1990 (CQNUAC) surge a expressão política mundial sobre a necessidade de tomada de consciência da existência de alterações climáticas e a necessidade de acção a nível das nações e mundial.
A CQNUAC é uma das 3 convenções adoptadas na Cimeira da Terra (Rio de Janeiro 1992) cujos relatórios e conclusões finais expressam o reconhecimento e a necessidade colectiva de tomar medidas para mitigação e inversão das alterações climáticas, limitando as emissões de gases com efeito de estufa. Os signatários, países membros, reconhecem a gravidade da situação mundial. Em 1997, surge o protocolo de Quioto, que define objectivos juridicamente vinculativos para a redução de emissões dos países desenvolvidos.
Em Dezembro de 2015, Acordo de Paris, pela primeira vez, todos os países do mundo concordaram em unir esforços (com "transparência e solidariedade"...(sic))
-manter o aquecimento global abaixo dos 2 graus centígrados
-reduzir as emissões de CO2
No Acordo de Paris, é exigido que as partes apresentem planos nacionais que tenham por objectivos a alcançar o referido. Os planos nacionais devem ser avaliados, os respectivos resultados, de 5 em 5 anos.
Em 2020, surge o compromisso da UE em tomar a liderança neste processo evolutivo, estando previsto para 2023 e 2028 a análise dos progressos mundiais face aos objectivos definidos.
O compromisso da UE é atingir a neutralidade climática até 2050. O que envolve estratégias e planos sectoriais: florestas, urbanismo e habitação, lixos, veículos automóveis e transportes, indústrias, energias renováveis...
Dos trabalhos destas reuniões e negociações preparatórias e intercalares resultaram e resultam um número, difícil de calcular, de documentos escritos de diferentes níveis de responsabilidade política com quantificações de metas e objectivos, sempre sectoriais, claro, mas sobre "a pegada de carbono dos sectores militares da Europa"...desconheço totalmente a existência (fui obrigada a ler muitos documentos destes, profissionalmente!!!). O que este artigo vem denunciar referindo o relatório elaborado por um grupo parlamentar europeu é omitido nos trabalhos decorrentes do Acordo de Paris. O impacto do sector militar (indústria de armamento, exercícios e operações militares) ao ser omitido é como se não existisse — não há quantificação do impacto nem medidas de mitigação...
Ironicamente, trata-se de um "NÃO ASSUNTO".


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