Arquivo: Dezembro 2021

“Dos nossos irmãos feridos”

Manuel Raposo — 22 Dezembro 2021

Fernad Iveton. Torturado com choques eléctricos e afogamento. Guilhotinado em Fevereiro de 1957 “para exemplo”

Em Novembro de 1956, Fernand Iveton, um operário torneiro argelino de origem francesa, é preso em Argel, acusado de ter colocado uma bomba no armazém da fábrica Gaz d’Algérie onde trabalhava, por denúncia de um contramestre. A bomba, que apenas se propunha causar estragos sem fazer vítimas, não chegou sequer a explodir. Mesmo assim, três meses depois de ser preso, Iveton é guilhotinado na sequência de um julgamento apressado cujo único propósito era dar uma lição exemplar aos independentistas argelinos, sobretudo àqueles de origem francesa que se juntaram à luta de libertação. A guerra de libertação da Argélia tinha começado em 1954 e levaria à independência do país em 1962.


Justiça de classe

António Louçã — 15 Dezembro 2021

José Miguel Júdice foi nomeado por João Rendeiro representante legal de empresas suas em offshores (DN 19.4.2016, Panama Papers)

Num painel de comentário da CNN Portugal, a fascistóide Helena Matos e o socialistóide Sérgio Sousa Pinto pareciam duas almas gémeas a lamentar o “achincalhamento” de que são vítimas os criminosos de colarinho quando caem nas bocas do mundo e nas garras da Justiça. O pranto tinha um tom filosófico e universal, mas vinha sobretudo a propósito de João Rendeiro.

Com um ar grave e compungido, ambos manifestaram a convicção de que a qualidade de uma democracia se mede pela dignidade com que trata os seus presos. E, quase no mesmo fôlego, ambos se indignaram por a democracia portuguesa julgar réus de colarinho na praça pública, deixar a imprensa dizer sobre eles o que Maomé não disse do toucinho, e por a democracia sul-africana arrancar Rendeiro ao seu hotel de cinco estrelas para colocá-lo numa prisão sobrelotada, conhecida pela sua tradição de violência e agora notória pelas ameaças de morte que o banqueiro aí terá recebido.


A nossa democracia a nu

Editor — 9 Dezembro 2021

A agitação que se apoderou dos meios políticos logo que o cheiro de eleições antecipadas ficou no ar tem servido de motivo para um coro de loas à excelência da nossa democracia. Forças partidárias e propagandistas exultam com a sua solidez, com o seu bom funcionamento, com a harmonia entre órgãos do poder, com as “soluções” que ela sempre proporciona. E não vêem melhor processo para que “a vontade popular” possa ser representada senão, claro, em mandatos de deputados. 

Ao ouvi-los parece que uma onda de intervenção política nos destinos da nação estaria a mobilizar os quatro cantos do país. Esta espécie de encantamento com a “vitalidade” do regime mal disfarça as fraquezas de todo o sistema político e da sua forma de representação.