Arquivo: Outubro 2008

Sete reflexões sobre a actual crise

João Bernardo — 17 Outubro 2008

Contrariamente ao que é hábito afirmar na esquerda, tenho defendido desde há bastantes anos a inutilidade de proceder a uma teoria das crises no capitalismo. Cada crise é específica e resulta do facto de o sistema económico, com o agravamento de certas contradições, não conseguir dar uma resposta a obstáculos que noutras circunstâncias seriam facilmente superados. Tudo depende, então, de saber quais as contradições que se agravaram, e este diagnóstico muda de uma crise para outra.
Além disso, as crises sectoriais são frequentemente confundidas com crises globais ou, pior ainda, o funcionamento cíclico da economia é confundido com uma crise. Na verdade, a extrema-esquerda revela nestas ocasiões a sua fragilidade fundamental, esperando que se consiga, graças à crise do capital, o que não se tem obtido pela força própria do proletariado. As luminárias da revolução ainda estão sem decidir se o capital se há-de destruir a ele mesmo ou se há-de ser a classe trabalhadora a destruí-lo. Enquanto andar nesta indecisão, a extrema-esquerda nunca terá uma estratégia própria.


Racismo mediático

16 Outubro 2008

O jornalista Carlos Rui Abreu, do Jornal de Notícias, conta (JN, 13 de Outubro) que uma menina cigana de 12 anos foi agraciada com o prémio destinado aos dois melhores alunos do 4º ano da sua escola, em Fafe. Nada disto seria extraordinário se Abreu, no seu entusiasmo em realçar este caso “excepcional”, não tivesse ornamentado a notícia com o seguinte mimo: “uma aluna de etnia cigana que, contrariando a tendência das crianças da sua raça, gosta de estudar e sonha tirar um curso superior”.


Pena de morte

15 Outubro 2008

São numerosos os Estados que mantêm em vigor a criminosa legislação que condena seres humanos à pena de morte, de que destacamos os EUA e a China. Segundo a Amnistia Internacional, na Arábia Saudita são executadas, em média, duas pessoas por semana. A pena de morte é aplicada neste país a crimes que vão desde homicídios a alegada feitiçaria ou descrença no Corão. Em 2007, na Arábia Saudita, foi aplicada a pena de morte a, pelo menos, 158 pessoas.


Existe ‘uma posição revolucionária’ sobre «A Crise do Capitalismo»?

Rui Pereira —

“a vitória universal da irresponsabilidade e do cinismo”
Cornelius Castoriadis (*)

A pergunta do título da peça não é retórica. Trata de saber, em primeiro lugar, que pode ser uma posição ‘revolucionária’. Posição ‘revolucionária’ por oposição ao sentido de ‘reformista’; transformadora, por oposição ao sentido de ‘reformadora’. Muitas diferentes propostas poderão ser revolucionárias, não custa imaginar, relativamente àquilo que nos é quotidianamente representado como a «crise do capitalismo»?


Os chineses de Guantánamo

João Bernardo —

chinesesguantanamo.jpgUm despacho da Associated Press com data de 8 de Outubro noticiava que nos Estados Unidos, a pedido do governo Bush, um tribunal federal de recurso suspendera temporariamente uma decisão judiciária que ordenava a libertação imediata de 17 muçulmanos chineses presos em Guantánamo desde 2001. Chineses? Em Guantánamo? Encarcerados há sete anos? Nunca de tal eu ouvira falar. Procurei a explicação, e de um texto razoavelmente embrulhado consegui perceber o seguinte.


Patrões e polícias apostados em enganar os trabalhadores

A.Sereno / Ursula Zangger (*) — 12 Outubro 2008

fidar12_72dpi.jpgA empresa FIDAR integra um conjunto de empresas que gradualmente foram fechando, sem que os trabalhadores recebessem as indemnizações respectivas por parte do patronato. No que é igual a tantos casos de manipulação e desrespeito por quem se vê subjugado pelas duras leis do trabalho capitalista, a luta destes trabalhadores em concreto constitui um caso de resistência raro porque continuado no tempo e de forma, diremos, apartidária.


Os bons costumes e os maus usos

João Bernardo — 10 Outubro 2008

É intrigante que a sociedade francesa, caracterizada desde há vários séculos por uma certa liberdade de costumes, coexista com atitudes de puritanismo tão cómicas como retrógradas. São conhecidas as dificuldades que As Flores do Mal e Madame Bovary tiveram com a justiça, para me limitar a estas duas incontestáveis obras-primas, embora seja muito menos referido o facto de terem sido as autoridades francesas − tanto quanto sei − a inaugurar a prática de condenar artistas dissidentes a internamento psiquiátrico.


Salários em atraso

A praga dos salários em atraso tem vindo a crescer. É o próprio ministro Vieira da Silva a reconhecê-lo no Parlamento. A Autoridade para as Relações de Trabalho detectou a existência de cerca de 8 mil trabalhadores com salários em atraso. E os outros? Um dirigente da Associação das Pequenas e Médias Empresas justifica o facto pela forte ofensiva do Fisco e o receio dos patrões perderem as empresas. Perder a empresa pode compara-se com perder o salário? E, assim, os trabalhadores ficam em último lugar, quanto a pagamentos. Claro que a próxima entrada em vigor do novo Código de Trabalho também ajuda a criar um ambiente mais favorável ao patronato, facilitando situações como esta.


Os voos da CIA

O governo espanhol dá como provado que pelo menos um prisioneiro da CIA escalou os Açores, num voo entre Guantánamo e o Cairo. Interpelado sobre este facto – o governo português tem sempre dito desconhecer que tal tivesse acontecido – o ministro Dias Amado confessou na comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros que “seria totalmente irresponsável o actual executivo português ter levantado essa questão quando em causa estava o próprio presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso”. Sem mais, o governo de Sócrates e Durão Barroso amigos e cúmplices dos crimes de sequestro e tortura praticados pelos EUA!


Mesmo assim, muito sereno é o povo

Manuel Raposo —

pobrezalisboa72dpi.jpgO directo sobre o assalto ao banco em Campolide, com esse tempero especial que foi ver-se a polícia a balear os dois assaltantes, foi uma espécie de motor de arranque para uma campanha sistemática de toda a comunicação social dirigida a dois alvos: exigir reforço dos poderes policiais e apontar o dedo aos imigrantes.