EUA assentam arraiais em Gaza. Para quê?

Editor / Monica Moorehead / Manlio Dinucci — 21 Março 2024

“Escrevi os nomes dos meus filhos nos corpos deles. Ao menos, serão identificados antes de serem enterrados”

O frenesim diplomático do governo norte-americano a respeito da Palestina só pode ser visto como uma cortina de fumo. O genocídio sem disfarce que está a ter lugar em Gaza arruína a imagem dos EUA no Médio Oriente e em todo o mundo. Mas, mesmo assim, o imperialismo não pode prescindir do aliado israelita. Por isso, os EUA, ao mesmo tempo que não desfalecem no envio de armas para Israel, promovem uma irrisória campanha dita “humanitária” de socorro à população faminta de Gaza com o único fito de salvar a face.

Os EUA – que têm nas mãos a chave para parar o morticínio de um dia para o outro, se assim quisessem – jogam em dois tabuleiros. Garantem que a campanha dos cães-de-fila israelitas prossegue na tentativa de aniquilar a guerra popular desencadeada em 7 de outubro, seu primeiro objectivo; e, em segundo plano, fazem o mínimo para parecer aos olhos do mundo que se preocupam com os civis de Gaza, assassinados mesmo quando procuram comida.

O anunciado porto flutuante ao largo de Gaza – com prazo de construção de dois meses, protegido por uma guarnição de mil soldados! – de nada servirá para acudir a uma população que morre de fome e doença a cada dia, mas será seguramente útil aos EUA para amparar Israel no fracasso político, se não mesmo militar, que o próximo futuro lhe reserva.

Monica Moorehead, dos EUA, e Manlio Dinucci, de Itália, falam do assunto.

 

PORTO FLUTUANTE EM GAZA, PRETEXTO PARA INTERVENÇÂO DOS EUA

Monica Moorehead, Workers World, 12 março 2024

O hediondo genocídio do povo de Gaza perpetrado por Israel, apoiado pelos EUA, dura há cinco meses desde 7 de março, resultando no massacre de mais de 31.000 palestinos e quase 80.000 feridos.

Milhões de pessoas enfrentam uma morte lenta e agonizante por inanição. As Forças de Ocupação Israelitas continuam a bloquear a fronteira de Rafah entre Gaza e o Egipto. Aí, cerca de 1.500 camiões esperam, bloqueados pelas IOF, prontos para levar alimentos, água, suprimentos médicos e outras necessidades humanitárias para a Gaza sitiada.

Em resposta aos bloqueios de estradas por parte dos israelitas, alguns países, incluindo os EUA, têm feito lançamentos aéreos de alimentos para Gaza. As quantidades são uma ninharia em comparação com o que é realmente necessário. Alguns dos lançamentos caíram no mar, fora do alcance das pessoas. Alguns continham alimentos fora de prazo. Cinco habitantes de Gaza, incluindo crianças, foram recentemente mortos quando pesadas caixas caíram sobre eles e os esmagaram.

A resistência palestina afirmou em diversas ocasiões que estes lançamentos aéreos são insuficientes e ineficazes para satisfazer as necessidades humanitárias do povo – e são também humilhantes.

A administração Biden, que tem sido cúmplice deste genocídio desde o primeiro dia, anunciou na semana passada os seus planos para construir um cais flutuante, alegadamente para levar ajuda humanitária a Gaza. Este cais levará até dois meses para ser concluído. O Pentágono também anunciou planos para enviar 1.000 soldados dos EUA para ajudar a construir o cais.

Ao mesmo tempo que a administração fez este anúncio, foi revelado que os EUA continuaram a enviar mais armas ao regime sionista.

Numa declaração de 10 de março, a Frente Popular para a Libertação da Palestina sublinhou: “O comportamento da administração americana nos dias recentes e os seus movimentos suspeitos, como o seu anúncio do estabelecimento de um porto marítimo flutuante nas costas da Faixa de Gaza, que leva tempo a construir, e a sua continuação no fornecimento à ocupação de enormes e sem precedentes quantidades de munições e armas através de pontes aéreas ininterruptas, como revelado pela comunicação social americana, não indica uma mudança na posição americana face à guerra na Faixa. Em vez disso, indica a insistência em prolongar a duração da batalha e em sitiar a Faixa sob justificativas humanitárias.” (Resistance News Network)

 

GAZA: DEPOIS DAS BOMBAS VÊM AS ONG

Manlio Dinucci, Grandangolo, 15 março 2024

“Biden e Netanyahu em desacordo sobre Gaza”, é a manchete do New York Times. Biden não duvida que “Netanyahu tem o direito de defender Israel”, mas diz que “deve prestar mais atenção às vidas inocentes perdidas como resultado das acções levadas a cabo”. Netanyahu responde que as suas “posições têm o apoio da grande maioria dos israelitas, que não querem um Estado palestino”.

Assim continua – com o total apoio político e militar dos EUA, da NATO e da UE – a guerra pela qual Israel está a apagar os territórios pertencentes ao estado da Palestina, com a intenção de “apagar a própria nação palestina”.

Subjacente a esta acção genocida está o pensamento, claramente expresso, do Rabino Eliyahu Mali, cuja escola hebraica para o estudo da Torá é patrocinada e financiada pelo governo de Netanyahu: “A regra básica que temos quando lutamos na Guerra Santa, neste caso em Gaza, é o de não poupar nenhuma alma. Se nós não os matarmos, eles tentarão matar-nos. Os sabotadores de hoje são os filhos da guerra anterior que mantivemos vivos. E na realidade são as mulheres que criam os terroristas.”

Questionado sobre se as crianças também deveriam ser mortas, o rabino respondeu: “A mesma coisa. E isto porque não devemos enganar a Torá. Quando a Torá diz: “não poupar nenhuma alma”, então não devemos poupar nenhuma alma. Hoje ele é uma criança, hoje é um adolescente e amanhã um lutador. Os combatentes, ou seja, os sabotadores, que hoje têm 18 anos, tinham 8 na guerra anterior. Por isso, não devemos parar de os matar.”

Embora existam judeus ortodoxos, incluindo rabinos, que rejeitam esta visão como expressão do sionismo e denunciam o massacre dos palestinos, os factos demonstram que a ideologia do genocídio penetrou profundamente também nas mentes dos jovens soldados enviados para massacrar civis em Gaza.

É neste cenário que os “bons” chegam em auxílio da população palestina. Um navio vindo de Chipre chega a Gaza com 200 toneladas de alimentos provenientes da World Central Kitchen, um grupo de caridade dos EUA. O navio, cedido pela ONG espanhola Open Arms, faz parte da missão apoiada por Ursula von der Leyen, presidente do braço executivo da União Europeia. A ONG americana World Central Kitchen, que desembarcou em Gaza com grandes cozinhas para preparar refeições quentes, é apoiada pelo Tesouro dos EUA, pelo Banco Mundial e por grupos internacionais como a Cargill. Então o Exército dos EUA chegará com um grande barco que construirá um porto flutuante para o desembarque de outras ajudas.

 

 

 

 

 

 


Comentários dos leitores

Adilia Mesquita Maia 30/3/2024, 19:56

De facto ja nao sei o que é mais replente, se a sinceridade do rabino aqui referido se a atitude profundamente hipócrita dos estados unidos e seu protetorado europeu; como se costuma dizer: entre os dois venha o diabo e escolha.
As imagens de sofrimento e dor sobretudo de crianças sao tao chocantes que isto vai ter consequencias no nosso psiquismo coletivo, ninguem vai sair incólume desta tragédia anunciada a que assistimos em tempo direto. Pode ser que este momento historico lance alguma luz sobre as reais motivaçoes de muitos dos setores que se pretendem portadores de elevados valores religiosos e civilizatorios. Pode ser que mais pessoas comecem a perceber o que nos andam a vender há tanto tempo! Pode ser...


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