Artistas europeus querem Israel fora da Eurovisão

Editor / Fausto Giudice — 20 Março 2024

“Não ao genocídio”. Acção em frente à sede da NRK, a emissora pública norueguesa em Marienlyst (Oslo) em janeiro.

O festival da canção da Eurovisão não é, seguramente, um campo de batalha de primeiro plano. Mas porque há-de Israel ter mais um palco oferecido à sua propaganda, como se o estado sionista fosse uma entidade normal, e como se o genocídio em Gaza não estivesse a acontecer? E por que hão-de as autoridades europeias mais uma vez dar largas à sua revoltante hipocrisia, a pretexto de que não misturam cultura(?) com política?

Para além destas, há mais uma pergunta a fazer: que têm os artistas portugueses a dizer sobre o caso, diante do exemplo dado pelos seus colegas da Islândia, da Noruega, da Suécia, da Dinamarca, da Finlândia, da Irlanda? Que esperam para levantar um movimento de protesto que ponha Israel fora da lei, também nos palcos televisivos?

 

DE GAZA A MALMÖ: A BATALHA DA EUROVISION HORROR SHOW

Fausto Giudice – Tlaxcala

Ela chama-se Eden Golan – um programa e tanto – e é provável que entre para a história como O Inferno de Gaza. Tem 20 anos e dois passaportes: russo e israelita. Nascida em Kfar Saba, uma cidade israelita construída sobre as ruínas da aldeia palestina do mesmo nome, filha de pai letão e mãe ucraniana, passou 13 anos de sua curta vida na Rússia, onde começou uma carreira como cantora pop. Foi selecionada para representar Israel na Eurovisão 2024, que acontecerá no próximo mês de maio, em Malmö, na Suécia. Há uma boa possibilidade de ela nunca lá pôr os pés.  Explicação.

Foram os islandeses que iniciaram o movimento: em dezembro passado, a Sociedade de Autores e Compositores (FTT), que representa 440 artistas islandeses (a Islândia tem uma população de 375 mil), apelou à RÚV, a emissora nacional, para não participar na Eurovisão enquanto Israel fizesse parte dela. Os finlandeses seguiram o exemplo: 1400 artistas pediram a mesma coisa à sua emissora pública. Músicos e artistas da Noruega (350), Suécia (1005) e Dinamarca (300) lançaram apelos semelhantes em janeiro, seguidos pelos irlandeses, em que 15.000 pessoas assinaram o apelo.

Isso porque Israel é considerado parte da Europa em vários campos: futebol e outros desportos, música e outras artes. A única coisa que falta é o campo político: a UE nunca considerou o pedido feito há cerca de 40 anos pelo carismático líder radical italiano Marco Pannella para acolher Israel.

Israel participa no Festival Eurovisão da Canção desde 1973; foi anfitrião em 1979, 1999 e 2019 e conquistou o primeiro lugar quatro vezes, em 1978, 1979, 1998 e 2018.

A União Europeia de Radiodifusão (UER), que organiza o concurso, respondeu da mesma forma a qualquer pedido de exclusão de Israel: “A Eurovisão não é uma disputa entre governos, mas entre artistas. Não faz política”. Foi em nome desse argumento que excluiu a Rússia em 2022, poucos dias após a invasão (ou operação militar especial, dependendo do gosto) da Ucrânia. Comentando a decisão, Martin Österdahl, Supervisor Executivo da Eurovisão, disse: “Quando dizemos que não somos políticos, o que devemos sempre defender são os valores fundamentais e supremos da democracia.”

Eden Golan foi selecionada num evento organizado pela Israel Public Broadcasting Corporation (KAN), onde cantou “I don’t want to miss a thing”, do grupo Aerosmith, num palco cheio de cadeiras vazias representando os israelitas cativos em Gaza, os famosos reféns que estão no centro da dramaturgia de Israel. A KAN então anunciou que a música que ela iria cantar em Malmö seria intitulada “October Rain” [Chuva de outubro]. A direcção da UER imediatamente informou que examinaria a letra da canção para ver se ela tinha algum conteúdo político, caso em que seria rejeitada. O ministro da cultura israelita, Miki Zohar, descreveu imediatamente o anúncio como “ultrajante” e a KAN disse que, se fosse rejeitada, não proporia outro texto. Além disso, Eden Golan não participará na cerimónia de inauguração em Malmö, por “razões de segurança” e porque coincidirá com o Yom Hachoa, Dia do Holocausto.

Há, portanto, uma boa hipótese de que Israel seja de facto excluído deste grande momento de espetáculo comercial, que é um verdadeiro show de horrores.

Perguntas: Se Eden Golan for selecionada e se apresentar no palco da Malmö Arena, exibindo a fita amarela da campanha “Bring Them Home” de Israel, o que pensariam os organizadores desse concurso “apolítico”? E o que acham esses mesmos organizadores do facto de a cantora se ter apresentado em vários grandes eventos na Rússia, incluindo um na Crimeia depois de ter sido anexada (ou libertada de acordo com o gosto) pela Rússia? Ela não deveria ser incluída nas medidas de exclusão da Rússia da Eurovisão?

Entretanto, a guerra de imagens e discursos em todos os média online está a todo vapor. E os valorosos escandinavos continuam a luta. Os ativistas anunciaram que realizariam manifestações todos os dias para exigir que a NRK não transmita o concurso se Israel participar.

 

 


Comentários dos leitores

conceição morais mendes 24/3/2024, 9:21

A Arte não pode servir o horror ou omiti-lo! A Arte tem de denunciar o horror e a criatura que o promove! A Arte tem de dizer ao que vem para que as pessoas saibam que o belo será sempre defendido do contágio do horrífico e, custe o que custar. Impõe-se à Arte fazer o bem para que o mal não avance


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