Encontros internacionais propõem frente contra a Nato e o imperialismo
Manuel Raposo — 30 Setembro 2023
A Terra move-se. Nos países ocidentais, nem tudo é inacção acerca da guerra na Ucrânia. Apesar do peso esmagador da propaganda difundida pelos adeptos da guerra-até-ao-fim, e da censura às fontes de informação e às posições divergentes, há quem se mexa para contrariar a maré dominante. Duas iniciativas de alcance internacional merecem notícia: uma teve lugar em Paris em outubro do ano passado, replicada depois em Londres, Belgrado, Caracas e Gwangju (Coreia do Sul); outra é uma conferência internacional a realizar em Roma em outubro próximo.
Em ambos os casos, é expressa a condenação da Nato como instrumento do imperialismo norte-americano para promover a guerra à custa dos sacrifícios dos ucranianos e dos europeus. E é ressaltado o perigo real de alastramento do actual conflito, se não forem travados os manejos das potências ocidentais, com óbvias consequências para todo o mundo.
A importância desta posição não está apenas no facto de combater o discurso dos meios políticos dominantes, mas sobretudo, no que à esquerda diz respeito, no facto de pôr em xeque as correntes que adoptaram uma atitude de meias-tintas acerca do conflito — de que, por exemplo, a palavra de ordem “Nem Nato, nem Putin” é expressão.
Este último posicionamento — sob o pretexto, teórica e politicamente falso, de que estamos perante uma disputa entre forças imperialistas que “não diz respeito” aos trabalhadores e na qual os trabalhadores “não têm que tomar posição” — submete-se na prática à política dominante, tendo como resultado paralisar a resposta que deve ser dada aos fautores da guerra por aqueles que mais são atingidos por ela: os trabalhadores e os povos, sejam das metrópoles imperialistas, sejam dos países dependentes. É um posicionamento de natureza centrista inibidor de uma acção popular radical contra a guerra.
A verdade é que estamos perante uma corrida para a guerra por parte das potências imperialistas agregadas na tríade EUA-UE-Japão, na tentativa de manterem o domínio sobre o resto do mundo de que desfrutaram de há 80 anos para cá. Essa corrida é impulsionada pela crise senil que atinge o sistema capitalista-imperialista por inteiro e que se manifesta, concretamente, pela quebra do poderio norte-americano, arrastando os parceiros da tríade, e pela emergênca de outras potências capitalistas que defendem os seus interesses nacionais, políticos e económicos. Colocar uns e outros no mesmo pé, é um erro político fatal que arreda a esquerda de desempenhar papel determinante no curso dos acontecimentos, por a colocar fora do movimento concreto – realmente, e não idealmente, existente – de combate ao imperialismo.
Só inserida nesse movimento real pode a esquerda ambicionar levantar as suas bandeiras próprias e assim ter influência no rumo dos acontecimentos.
A conferência realizada em Paris (Plataforma Mundial Anti-imperialista) aprovou uma declaração em que, nomeadamente, se realça a palavra de ordem “Derrota da aliança imperialista liderada pela Nato!”, e em que se enquadra o conflito da Ucrânia, bem como as ameaças de outros conflitos, na tendência do imperialismo para a guerra.
A iniciativa prevista para Roma (Conferência Internacional para Parar a Terceira Guerra Mundial), reclama, entre outras coisas, a dissolução da Nato e a constituição de uma Ucrânia democrática e neutral.
Transcrevemos a seguir o texto da Plataforma aprovada em Paris e também um resumo da apresentação feita pelos promotores da conferência a realizar em Roma.
DISSOLUÇÃO DA NATO! NENHUMA COOPERAÇÃO COM A GUERRA IMPERIALISTA!
Plataforma Anti-imperialista Mundial – Paris, outubro 2022
A seguinte declaração foi feita em Paris na sexta-feira, 14 de Outubro de 2022, quando comunistas e anti-imperialistas se reuniram para lançar a Plataforma Anti-imperialista Mundial.
A declaração resume a abordagem comum da Plataforma em relação à corrida imperialista para a guerra, propondo a necessária clarificação sobre as causas profundas e a natureza da guerra, ao mesmo tempo que indica o que os socialistas e anti-imperialistas acreditam que deveria ser a nossa abordagem em relação ao movimento crescente que se opõe aos efeitos da crise e da guerra sobre os trabalhadores em todo o mundo.
Encontramo-nos num momento de grave perigo para os trabalhadores e os povos oprimidos em todo o mundo, no qual o ímpeto imperialista para a guerra está a empurrar-nos para uma terceira guerra mundial e uma conflagração nuclear.
Mesmo que a agressão da Nato na Ucrânia esteja a falhar, tanto militar como economicamente, o desespero dos EUA para salvar a sua posição hegemónica no mundo significa que não podem recuar, mas, em vez disso, estão à procura de formas de expandir e prolongar a guerra. Levando em conta a experiência, parece que os imperialistas ainda esperam poder encontrar uma forma de acabar com toda a resistência ao seu domínio e sair vitoriosos.
Como resultado, enfrentamos a perspectiva de a guerra na Ucrânia se espalhar para os países vizinhos da Europa e da Ásia Central – e também a eclosão de hostilidades em vários outros teatros mais a leste. As recentes provocações dos EUA em Taiwan, juntamente com o aumento incessante das tensões com a RPDC [Coreia do Norte] e a China em todas as frentes, deixam isso muito claro.
Neste momento de importância histórica, nós, os partidos abaixo assinados, concordamos que os seguintes pontos essenciais devem ser tornados claros às massas do mundo e devem orientar o nosso trabalho anti-guerra e anti-imperialista:
- Os conflitos que já surgiram ou ameaçam eclodir não são assuntos isolados e locais, mas são partes integrantes do esforço dos EUA para manter a sua hegemonia global.
- A actual guerra na Ucrânia não é o resultado da “agressão russa”, mas sim dessa corrida imperialista ocidental para a guerra – em particular, dos EUA.
- A guerra realmente começou quando os EUA e os seus aliados financiaram, armaram e organizaram um golpe fascista em Kiev em 2014; o lado russo, na sua aliança com os povos do Donbass, está envolvido numa guerra de autodefesa e libertação nacional contra o ataque imperialista.
- Os impulsos de guerra contra a China e a RPDC são também resultado da agressão imperialista, e, se os conflitos eclodirem na Coreia ou em Taiwan, não importa quem dê o primeiro tiro, essas guerras serão igualmente guerras de autodefesa anti-imperialista e de libertação nacional travadas pelo povo coreano e/ou chinês.
- A capacidade da Rússia e da China para se defenderem e defenderem outros não indica ambições expansionistas ou uma economia imperialista; tal capacidade baseia-se em décadas de planeamento de autodefesa, iniciado pelos governos socialistas da URSS e da RPC.
- Não existem dados económicos que justifiquem a caracterização da China ou da Rússia como imperialistas. São países que não vivem da superexploração ou da pilhagem do mundo. Eles não colocam outros países em escravidão militar, tecnológica ou por dívida. Pelo contrário, os termos de comércio benéficos e a assistência tecnológica e militar que oferecem estão a dar aos países em desenvolvimento mais pequenos a oportunidade de escapar à escravatura imperialista.
- A Rússia e a China são alvos da agressão imperialista porque, tanto ao manterem a própria independência, como ao ajudarem outras nações a conquistar a sua, representam uma séria ameaça à hegemonia mundial dos imperialistas.
- A crescente aliança entre a Rússia e a China oferece esperança aos povos do mundo: esperança de uma alternativa à dominação dos EUA e à superexploração imperialista. Um forte campo anti-imperialista é a melhor defesa dos nossos povos contra os planos agressivos da sanguinária aliança da NATO – a nossa melhor defesa contra a ameaça iminente de uma guerra nuclear.
- Os activistas anti-guerra devem mobilizar as massas nos seus países para uma campanha activa de não cooperação com o esforço de guerra imperialista, visando sabotar a máquina de guerra da Nato de todas as formas possíveis. Devemos recusar lutar ou ajudar os exércitos da Nato (directos ou por procuração). Devemos recusar o transporte de homens e material da Nato. Devemos recusar permitir que as bases da Nato operem sem entraves nos nossos territórios. Devemos recusar fabricar ou fornecer armamentos e outros equipamentos vitais à Nato. Devemos recusar difundir, imprimir ou distribuir mentiras de propaganda imperialista. E devemos recusar cooperar com o comércio imperialista e as guerras de sanções.
- A corrida para a guerra, a crise económica, a crise alimentar, a crise ambiental e muito mais deixam bem claro que a necessidade de remover o sistema económico imperialista é mais urgente do que nunca.
- As palavras de ordem dos verdadeiros anti-imperialistas neste momento devem ser: Derrota da aliança imperialista liderada pela Nato! Vitória da resistência! Nenhuma cooperação com a guerra imperialista!
CONSTRUIR UMA FRENTE UNIDA ANTI-IMPERIALISTA
Conferência Internacional para Parar a Terceira Guerra Mundial – Roma 27-28 outubro 2023
Os promotores convidam indivíduos, organizações e defensores da paz de todo o mundo a apoiar e participar numa conferência internacional de paz para parar a terceira guerra mundial.
Ao reunir indivíduos e organizações anti-imperialistas de todo o mundo, a conferência procura formar uma frente unida contra o militarismo e o imperialismo norte-americano/europeu, com o objectivo de construir um mundo multipolar baseado no respeito por todos os povos e nacionalidades.
As organizações promotoras reconhecem o papel activo que a classe trabalhadora internacional deve desempenhar no desmantelamento da Nato, o cão de fila do imperialismo norte-americano/europeu, como uma pré-condição para alcançar uma paz duradoura.
Lista de exigências:
Suspensão imediata dos envios de armas para a Ucrânia. Fim das sanções à Rússia, fim da campanha russofóbica. Revogação da declaração que condena a Rússia como um Estado terrorista. Armistício entre as forças beligerantes, permitindo negociações de paz. Estabelecimento de uma Ucrânia verdadeiramente neutra e democrática. Fim da corrida armamentista e dissolução da Nato.
Tradução e adaptação MV
Comentários dos leitores
•MANUEL BAPTISTA 30/9/2023, 16:31
Só se pode ser pacifista sincero/a se se começar por desmascarar e derrotar, no nosso próprio país, as pessoas e organizações do campo militarista.
A guerra da Ucrânia revelou que são muito perigosas, sem escrúpulos e conseguem manipular a informação e os sentimentos populares.
Estou de acordo com o apelo de Frende Unida anti-Imperialista.
É preciso fazer o máximo que pudermos pela causa da paz, na Europa e em Portugal. Nunca foi tão importante.
•por uma frente mundial contra a NATO e o imperialismo – oxisdaquestaoblog 1/10/2023, 9:01
[…] O original encontra-se em www.jornalmudardevida.net/2023/09/30/encontros-internacionais-propoem-frente-contra-a-nato-e-o-imper… […]
•Adilia Maia 6/10/2023, 16:27
“Nem Nato, nem Putin”
Claro que esta palavra de ordem só cria confusão nas pessoas pois o que acontece é que perante um problema de tal magnitude não se pode ficar em cima do muro a ver a banda passar, até porque , se nada se fizer e as pessoas não se manifestarem contra aqueles que desde a primeira hora prepararam e alimentaram este conflito, até pode acontecer que a banda se dirija para o abismo e nos leve com ela.
Os acontecimentos históricos são sempre contextualizados, enquadram-se num conjunto de circunstancias que os condicionam, nao podemos ignora-las e temos de fazer escolhas com o propósito de nos colocarmos do lado certo da historia, e, decididamente, neste momento o lado certo da história nao é querer que a Nato e os Estados Unidos levem a sua avante; nao é querer que a Europa 'ajude à missa' numa atitude de vassalagem inaudit, prejudicando gravemente o povo europeu intoxicado com doses cavalares de propaganda politica, sob a pretensão de que os meios de comunicação são livres e todos se podem expressar livremente, o que obviamente nao passa de uma reles e nojenta manobra mistifificadora porque sabemos bem quem sao os donos desses meios.
•leonel l. clérigo 8/10/2023, 12:11
Em minha opinião, é bem razoável o que nos diz a Adília MAIA.
"Nem Nato, nem PUTIN" o que quer dizer?
Parece simples: deixem-nos sossegados que a coisa estava bem como estava... e eu quero ir no fim-de-semana à praia.
Mas julgo que a HISTÓRIA nos ensina uma coisa que - ao contrário do que vem acontecendo - nunca se deve esquecer:
quem tem conseguido manter uma vida "razoável" à custa da grande maioria, é certo e sabido que chegará a altura em que esta, de alguma maneira, virá "COBRAR" a DÍVIDA. O chamado "Terceiro Mundo" são muitos dos 8.000 milhões de "almas".
E, ou muito me engano, ou está a chegar uma "época da COBRANÇA" e a "taxa de juro" poderá ser alta. Nada é eterno. Como dizem os cientistas, até a Terra há-de desaparecer um dia.