EUA: acumular dívida por quanto tempo mais?

Editor / Ilya Tsukanov — 20 Setembro 2023

Economistas temem que o governo federal já tenha entrado numa “queda em espiral” da dívida da qual poderá não ser possível escapar

De uma forma simples mas fundamentada, o artigo que divulgamos (de modo abreviado) expõe as origens da enorme dívida que os EUA têm para com o resto do mundo e como é constantemente acrescida, sempre à custa dos mesmos credores. E explica como é mantida incobrável, não apenas pelo ascendente económico de que os EUA ainda dispõem, mas também, em última instância, pela ameaça militar. Este domínio, que tem permitido ao imperialismo norte-americano ditar regras ao resto do mundo, está porém em declínio acentuado. 

A questão que se coloca hoje aos povos e aos trabalhadores do mundo não é já apenas a de saber como lidar, resistir ou defender-se da hegemonia norte-americana, mas sim a de saber como contribuir para o mais rápido desgaste e enterramento do capitalismo imperialista na forma que ele adquiriu desde o fim da Segunda Grande Guerra: a de uma tripla aliança EUA-UE-Japão. É da ruína deste mundo que poderão emergir novas revoluções sociais capazes de superar as revoluções que nasceram, cumpriram a missão possível e morreram no século XX.

 

A ENORME BOLHA DA DÍVIDA DOS EUA ESTÁ PRESTES A REBENTAR?

Ilya Tsukanov, Sputnik News, 13 abril 2023

Os EUA são a nação mais endividada do planeta, com a dívida nacional em mais de 31,7 biliões de dólares, ou 125% do PIB. Contabilizando as obrigações pessoais, locais e estatais, o valor atinge o triplo – 95 biliões – equivalente ao PIB de todo o planeta. Quão grande é o perigo de rebentamento desta bolha da dívida? 

O Gabinete de Orçamento do Congresso [norte-americano] divulgou novos números [em abril de 2023], revelando que o défice orçamental federal atingiu 1,1 biliões de dólares no primeiro semestre do ano fiscal de 2023 [outubro 2022 / março 2023] – 430 mil milhões de dólares a mais do que durante o mesmo período de 2022.

Simplificando, o défice federal é o montante que o governo federal gasta acima das receitas resultantes de quaisquer impostos, tarifas e outras receitas que consiga arrancar à população, às empresas e aos governos estrangeiros num determinado período. Quando os gastos excedem as receitas, o estado compensa a diferença emitindo títulos do Tesouro (obrigações de dívida) ou imprimindo dinheiro.

O défice de 2023 não é o mais elevado da história dos EUA, nem mesmo dos últimos anos. A administração Biden como a dos seus antecessores imediatos, as equipas de Trump, Obama e Bush, presidiram a défices de vários biliões de dólares enquanto os feds [o sistema de bancos centrais dos EUA] injetaram pilhas de dinheiro na economia durante a Covid e a crise financeira de 2008.

Mas desta vez as coisas podem ser diferentes. Ao contrário de 2009-2011 e 2020-2021, o aumento do défice não está relacionado com um colapso económico claramente observável. A economia está supostamente indo muito bem, segundo a secretária do Tesouro, Janet Yellen. 

“A economia dos EUA está obviamente a ter um desempenho excepcionalmente bom”, disse ela numa conferência de imprensa [em 11 de abril de 2023]. “Portanto, não prevejo uma desaceleração na economia, embora, claro, isso continue a ser um risco”, acrescentou Yellen.

Um gigantesco esquema de Ponzi

O aumento do défice não é novidade na vida política americana. O governo não regista um excedente orçamental desde o final da década de 1990 e início da década de 2000, quando uma série de cortes no orçamento, incluindo uma queda nas despesas militares graças ao chamado “dividendo da paz” pós-Guerra Fria, permitiu aos serviços federais obter excedentes orçamentais modestos de 0,8 a 2,3% durante quatro anos consecutivos. Antes disso, o último excedente ocorreu em 1969, durante a administração Johnson, e antes disso, na administração Eisenhower, durante três dos seus oito anos no cargo, entre 1953 e 1961.

Como pode Washington dar-se ao luxo de escapar impune de défices orçamentais e de acumular dívidas ano após ano e década após década – apesar de ser comparado por alguns economistas a um gigantesco esquema de Ponzi [esquema de pirâmide]? A lógica tem sido simples: em teoria, as taxas de juro baixas sobre a dívida e o crescimento económico constante permitem que a dívida cresça mais lentamente do que o PIB, o que significa que a dívida pode, teoricamente, “acabar por tornar-se insignificante em relação ao tamanho da economia”.

“O problema é que as trajetórias futuras das taxas de juro e do PIB são incertas”, escreveram os economistas da Johns Hopkins Laurence Ball e o seu colega de Harvard Gregory Mankiw, numa profética exposição em 1995.

“Embora as taxas de juro da dívida pública tenham sido geralmente inferiores ao crescimento do PIB, estas variáveis ​​flutuam. É possível, embora não seja especialmente provável, que a economia experimente uma onda de azar – digamos, uma grande depressão – em que a taxa de crescimento caia abaixo da taxa de juro durante um período prolongado. Neste caso, uma política de rolagem da dívida fará com que a dívida aumente mais rapidamente do que o rendimento nacional. No fim, a dívida pode tornar-se tão grande em relação à economia que o governo tem dificuldade em vendê-la, forçando um aumento de impostos ou um corte de despesas. Ora, estes ajustamentos são especialmente dolorosos: são grandes e ocorrem quando a economia já sofre de um problema que causou o aumento do rácio dívida-rendimento”, alertaram os economistas.

À beira do ponto de ruptura 

A julgar pelos desenvolvimentos ao longo da última década, os EUA podem estar perto de atingir o ponto em que o tamanho da sua dívida em relação à economia global atinge um ponto de ruptura crítico. Veja por si mesmo:

O rácio dívida/PIB dos EUA ultrapassou os 100% em 2013, quando ambos atingiram cerca de 16,7 biliões de dólares. Embora o PIB nominal tenha crescido cerca de 9 biliões de dólares nos últimos 10 anos, a dívida quase duplicou, para 31,7 biliões de dólares.

É noção básica na economia que um elevado rácio dívida/PIB tem uma série de impactos negativos no crescimento, dissuadindo os indivíduos, os investidores e as nações a fazerem empréstimos a um país, dado o risco de o devedor não ser capaz de pagar sua dívida.

Os Estados Unidos já passaram por períodos de elevados rácios dívida/PIB no passado. Durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, o rácio atingiu 114% em 1945 e 119% em 1946. Mas a situação actual apresenta uma diferença importante em relação à que existia então: enquanto a base industrial norte-americana representava mais de metade de todos os bens manufacturados produzidos no mundo em 1945, hoje representa cerca de 16% e está a diminuir.

Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, vastas áreas da Europa e da Ásia estavam em ruínas, comprando avidamente produtos fabricados nos EUA, utilizando parcialmente subsídios generosos concedidos pelo Plano Marshall do pós-guerra. Hoje, não há mercados à espera, ansiosos por aceitar a produção industrial dos EUA. Talvez seja o desejo de regressar aos “bons velhos tempos” que explica os recentes esforços de Washington para liquidar a economia industrial da Europa e saquear a sua base industrial.

Os EUA estão à beira de um marco sombrio: segundo os economistas, o custo de financiamento da gigantesca dívida federal dos EUA atingiu 475 mil milhões de dólares em 2022 – o valor mais elevado de sempre, e espera-se que atinja níveis tão elevados na próxima década que ultrapassará o custo de programas cruciais como o Medicaid e a Defesa, tornando-se o maior item de despesa no orçamento dentro de 30 anos.

A realidade mudou 

Tradicionalmente, os EUA têm sido capazes de confiar em quatro pilares fundamentais para manter a sua economia no topo: a sua vantagem tecnológica, o controlo eficaz das organizações financeiras globais através de instituições de Bretton Woods (como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial), o petrodólar e as suas forças armadas – que estão prontas para eliminar os adversários à sua preeminência económica global (veja-se Muammar Gaddafi e a sua ideia do dinar apoiado em ouro).

Hoje, todos estes quatro pilares estão sob pressão, com a República Popular da China a diminuir a distância tecnológica em relação aos EUA e o petrodólar em risco à medida que as nações (incluindo os principais aliados dos EUA) mudam para alternativas emergentes ou para as trocas comerciais com moedas próprias. As instituições financeiras internacionais que os EUA ajudaram a criar, entretanto, parecem mostrar sinais de se recusarem a seguir a linha da propaganda do Departamento de Estado sobre a economia “em ruínas” da Rússia, prevendo em vez disso um crescimento de 0,7% em 2023.

O futuro parece sombrio para a economia dos EUA. Embora o Tesouro tenha reconhecido que os encargos da dívida serão “insustentáveis” se se tornarem demasiado elevados, a Casa Branca de Biden não fez quaisquer esforços visíveis para reduzir o défice e a dívida, e em vez disso lançou mais de 6 biliões de dólares em planos de despesas, aprovando um aumento dos gastos com a Defesa e o envio de mais de 100 mil milhões de dólares em armas e assistência económica à Ucrânia para apoiar a guerra por procuração da NATO contra a Rússia. A dívida e o défice continuam a crescer, enquanto a série de subidas das taxas de juro por parte da Reserva Federal tornou os empréstimos mais caros e os pagamentos de juros mais elevados.

Por quanto tempo mais?

Por quanto tempo Washington será capaz de sustentar uma política monetária que parece consistir em acumular dívidas interminavelmente é uma incógnita. No entanto, alguns economistas temem que o governo federal já tenha entrado numa “queda em espiral” da dívida da qual poderá não ser possível escapar.

“Por que é que as pessoas participam voluntariamente? Porque não percebem que se trata de um esquema de Ponzi e acham que serão pagas de volta. Quando perceberem que serão reembolsados ​​em dinheiro [do jogo] do Monopólio, não vão querer emprestar. Na verdade, não vão querer manter esses títulos do Tesouro e o único comprador será então a Reserva Federal. E é aí que a prensa vai acelerar e o dólar vai cair”, advertiu Peter Schiff, um dos poucos economistas norte-americanos que previu o colapso de 2008, num podcast em Fevereiro [2023] .

Estará ele correto também desta vez? Veremos em breve.

 

Tradução, adaptação e subtítulos MV


Comentários dos leitores

MANUEL BAPTISTA 20/9/2023, 15:23

Janet Yellen, mente com quantos dentes lhe restam. A economia não vai «bem». Os esforços para ocultar isso, são inúteis. Uma economia que funcione bem produz excedentes, não défices. Numa economia que funcione bem, não se vê o espetáculo de milhares indigentes (cada vez maior número) que dormem na rua em tendas, nas grandes cidades. E etc, etc
O colapso está próximo: Todos, incluindo os sauditas (por exemplo)«amigos de longa data», sabem que os EUA estão muito doentes, com uma doença terminal. Veja https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2023/09/implosao-monetaria-no-japao.html
O colapso do Japão irá acelerar a perda do dólar, enquanto moeda de reserva mundial.


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