A extorsão dos países dependentes

Editor / Xin Ping — 28 Maio 2023

Paul Singer, magnata da Elliott Capital Management, especialista em extorsão em qualquer parte do mundo

O “mistério” da pobreza recorrente dos países dependentes, ou das suas sucessivas insolvências, fica mais claro quando se entende o mecanismo de extorsão sistemática praticada contra eles pelo capital imperialista. A grande finança tem neste processo um papel determinante. Debaixo da designação respeitável de “fundos de investimento” abrigam-se verdadeiras equipas de profissionais do crime organizado (dotadas de especialistas de toda a natureza: jurídica, financeira, política…) que avaliam as presas e decidem quando e como as atacar. Merecem por isso a designação mais justa de fundos abutres.

Conhecemos o caso da falência do BES e da entrega (uma compra a preço zero) do Novo Banco ao fundo de investimento Lone Star. Neste negócio, consumado em 2018, a Lone Star apoderou-se de 75% do capital do Novo Banco, ficando o Estado com 25%. 

Mas, enquanto a Lone Star se comprometeu a financiar o NB com mil milhões de euros, o Estado português — pela mão do então primeiro-ministro Passos Coelho, da ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, do governador do Banco de Portugal Carlos Costa e do ex-secretário de Estado dos Transportes Sérgio Monteiro, contratado pelo Banco de Portugal para operacionalizar a transacção — obrigou-se a injectar no NB até 3,9 mil milhões de euros. Isto, depois de outro tanto ter sido enterrado em 2014 aquando da falência do BES. Como se sabe, todos aqueles milhões foram reclamados pela Lone Star até ao último cêntimo e pagos sem piar pelo Estado. 

Disse então Carlos Costa que a operação era “um marco importante para o sistema financeiro português”. A garantia de Coelho e de Albuquerque de que a resolução do BES não teria custos para os contribuintes foi, obviamente e esperadamente, letra morta.

Em países ainda mais vulneráveis que o nosso, a manobra dos fundos abutres tem outros contornos e consequências ainda mais desastrosas, abeirando da falência os próprios Estados. Foi o que aconteceu nos casos da Argentina e do Peru que o artigo de Xin Ping, publicado na Global Times, descreve em pormenor.  

Curiosidade: a Elliott Capital Management referida no artigo é a mesma que intentou, em 2015, uma acção judicial contra o Banco de Portugal alegando perdas em consequência da resolução do BES, consumada em 2014. A causa foi defendida junto dos tribunais portugueses pelo escritório de advogados PLMJ, de que é sócio José Miguel Júdice — co-fundador, em maio de 1975, do MDLP, com Spínola e Alpoim Calvão, agora reconvertido em comentador político com assento televisivo semanal. Procurando dar uma imagem digna da Elliott, disse então a PLMJ que se tratava de “clientes institucionais que investem por conta de pensionistas, contribuintes e outros beneficiários”. Com sede em Nova Iorque, a ECM gere fundos no valor de 25 mil milhões de dólares.

 

A FOICE DA DÍVIDA: COMO O OCIDENTE CEIFA O MUNDO

Xin Ping, Global Times, 22 fevereiro 2023

“Foi uma situação de extorsão!”, queixou-se o então ministro argentino da Economia, Axel Kicillof.

A Argentina, que não pagou a sua dívida soberana a tempo à Elliott Capital Management, um fundo de investimento (hedge fund) dos EUA, foi levada à justiça em 2014. A Elliott, que adquirira cerca de 170 milhões de dólares em títulos do governo argentino por muito menos do que o seu valor original, exigiu um reembolso total de mais de 1,5 mil milhões de dólares [lucro superior a 780%]. As negociações entre a Elliott e o governo argentino acabaram por fracassar.

O fracasso de um acordo com a Elliott levou ao incumprimento da Argentina pela segunda vez desde 2001, resultando num duro golpe para a sua economia.

O mesmo aconteceu com o Peru. A mesma Elliott Investment Management comprou 11,4 milhões de dólares em títulos do governo peruano em 1996, depois rejeitou o acordo de reestruturação da dívida do governo peruano e avançou com uma acção legal. Em 2000, a empresa norte-americana ganhou o caso e recebeu 58 milhões de dólares, com um retorno sobre o investimento de mais de 400% [em apenas quatro anos].

Como disse Joseph E. Stiglitz, professor de economia da Universidade de Columbia, “temos tido muitas bombas lançadas pelo mundo fora, mas isto é a América a lançar uma bomba no sistema económico global”.

O fundo de investimentos Elliott e outros do tipo ganharam o título de “abutres” e são atacados pelos países em desenvolvimento como “financeiros sem escrúpulos”.

Em grande medida, o problema da dívida dos países em desenvolvimento resulta da “colheita” sistemática feita pelo Ocidente. Ou seja, os EUA e outras economias desenvolvidas têm usado a sua hegemonia económica para onerarem os países em desenvolvimento com pesados fardos de dívida através de vendas a descoberto mal intencionadas e empréstimos massivos.

Uma pesquisa do Eurodad [1] mostra que as instituições financeiras ocidentais detêm 95% dos títulos soberanos do mundo, totalizando mais de 300 mil milhões de dólares, tornando-as a maior fonte de pressão de pagamento da dívida para os países em desenvolvimento.

O ministério das Finanças da Zâmbia diz que a dívida dos credores comerciais ocidentais representa 46% da sua dívida externa. Em abril de 2021, a dívida externa total do Sri Lanka era de quase 35 mil milhões de dólares, dos quais cerca de 50% têm origem na Europa e nos EUA, de acordo com uma reportagem da Radio France Internacional.

Os credores comerciais ocidentais cobram taxas de juros mais altas e, na sua maioria, flutuantes. De acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento, as taxas de juro das obrigações do Estado a 10 anos dos países africanos dominados pelo Ocidente variam entre 4% e 10%. Em comparação, como revelou o Debt Justice [2], a taxa média de juros dos empréstimos oficiais e comerciais da China à África é de 2,7%, muito abaixo das dos países ocidentais.

Os repetidos aumentos das taxas de juros do Fed [banco central dos EUA] e o rápido fortalecimento do dólar norte-americano levaram a um aumento no custo do serviço da dívida para títulos denominados em dólares, colocando enorme pressão sobre os países em desenvolvimento para pagarem as suas dívidas. Além disso, à medida que as altas taxas de juros atraem grandes quantidades de dólares de volta para os EUA, os países em desenvolvimento viram as suas moedas desvalorizarem-se, aumentando ainda mais os seus custos de serviço da dívida. 

Uma economista americana nascida na Zâmbia, Dambisa Moyo, argumenta que, em vez de mudar a vida dos povos africanos, a atitude dominadora e paternalista dos países ocidentais em relação à ajuda à África colocou as sociedades africanas num status quo sem desenvolvimento, deixando os países africanos mergulhados na armadilha da dependência da ajuda externa.

De facto, o financiamento dos países ocidentais à África concentra-se principalmente em áreas não produtivas, e a maioria dos empréstimos inclui pré-condições políticas, como direitos humanos ou reformas judiciais. Infelizmente, tais programas de financiamento não promovem realmente o desenvolvimento económico, nem aumentam a receita tributária do governo ou melhoram a balança de pagamentos. 

Além disso, os credores comerciais ocidentais e as instituições multilaterais, que representam a maior parte dos créditos, recusaram-se sistematicamente a participar em importantes acções de redução da dívida sob o pretexto de manterem as suas próprias taxas de crédito. 

Nunca esqueceremos que os problemas de endividamento dos países em desenvolvimento são, no essencial, o legado de uma ordem económica e financeira mundial injusta e predatória, dominada pelos EUA e por outros países ocidentais ricos.

A dívida, efectivamente, transformou-se numa foice afiada para eles ceifarem o mundo.

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Tradução MV

Notas da tradução

(1) Eurodad, European Network on Debt and Development (Bruxelas). Rede de organizações não governamentais. Advoga o “controlo democrático” do sistema económico e financeiro.

(2) Debt Justice. Acção desenvolvida pelo Eurodad. Pretende combater os empréstimos “irresponsáveis, exploradores e corruptos, e cancelar dívidas injustas”. 


Comentários dos leitores

leonel l. clérigo 29/5/2023, 10:28

PORTUGAL: OS PROBLEMAS POR RESOLVER e a LENGALENGA DEMOCRÁTICA

1 - Ao ler o CONTEÚDO deste texto, não tenho qualquer dúvida em saudar o seu aparecimento nas páginas do MV. E saúdo não só pelo conteúdo em si, mas mais pela mudança de "aparelhagem teórica" e "temática" que evoca e que pode ajudar a varrer as "teias de aranha" com que temos vindo a olhar a REALIDADE CONCRETA deste nosso PAÍS SUBDESENVOLVIDO, Realidade que as próprias tabelas de "Análise da ECONOMIA" BURGUESA nos coloca invariavelmente no fim.
Daqui a nada, o 25 de ABRIL vai contar 50 anos desde o seu "nascimento". É muito tempo de "preguiça" para não se APRECIAR seus resultados: não conseguimos sair da "cepa torta" é a realidade NUA e CRUA.
Mas pode-se e deve-se perguntar: PORQUÊ isto vem ACONTECENDO? Ou seja: qual o BALANÇO que é negado sistematicamente e colocado à sombra da já gasta PALAVRA "Democracia" e perdido já seu conteúdo?
Até aqui, a "EUROPA CONNOSCO" tem feito a festa. Ou seja: não nos tem - e aos outros aqui do Sul... - deixado "morrer de fome". Mas é compreenssivel: se NÓS nos se nós nos INDUSTRIALIZÁSSEMOS e DESENVOLVESSEMOS, ganhávamos MERCADOS que iriam "PERTURBAR" as VENDAS dos já INSTALADOS DESENVOLVIDOS: o PLANETA é só UM.

2 - Para terminar esta NOTA que já vai longa demais, vou só contar uma pequena História e espero que seja pequena dado a complexidade do tema.
Já há bastante tempo que a curiosidade em saber o que se passava à minha volta, caiu sobre o BRASIL - parte longa e decisiva da nossa HISTÓRIA e do qual vivemos longos anos...do PAU-BRASIL, AÇUCAR, OURO, ALGODÃO, CAFÉ... - ainda por altura do velho CENTRO do LIVRO BRASILEIRO na Rodrigues Sampaio. E foi aí que comprei o primeiro livro desse grande intelectual Brasileiro que é CELSO FURTADO. A partir daí foi um "ver se te avias", como se tivesse puxado um cordel: vieram a reboque os grandes BRASILEIROS e com eles os GRANDES INTELECTUAIS LATINO-AMERICANOS e mais a sua contestação das TEORIAS do DESENVOLVIMENTISMO BURGUÊS de que a CEPAL foi fértil e que, como diz essa grande mulher Portuguesa de nascimento (Anadia) MARIA da CONCEIÇÃO TAVARES, não levam a lado nenhum.
E volto ao ponto de partida: o 25 de ABRIL teve seu lado positivo - a Glória, certamente, pertenceu aos POVOS africanos... - para terminar com um IMPÉRIO há muito PERDIDO e que SALAZAR - sustentado pelos cadáveres duma velha Aristocracia Tardo-Feudal apoiada na IGREJA do PAPA - vai chegar ao poder para, fantasiosamente, o tornar ETERNO.
Mas o 25 A só durou ANO e MEIO - "Já estragaram tua festa, pá..." diz CHICO BUARQUE certeiramente e, só por isso, merecia o PRÉMIO - terminando no reaccionário 25 de Novembro. E aqui, a nossa "típica", "saudosista" e sobretudo OPORTUNISTA PASTELADA HISTÓRICA Centenária RECOMEÇA. Até quando?...É escusado dizer que isso depende dos próprios Portugueses e na condição de usarem um pouco mais de miolos. E também de VONTADE.

PS: Em minha fraca opinião o MV deve reorganizar-se, alargar-se, e dar uma "mãozinha" a isto...Já há experiência acumulada que não deve ser deitada fora. Até porque o nosso burguês está morto e bem morto para poder fazer emergir alguma ideia de jeito...Basta abrir os olhos para ver isso. As épocas de CRISE AGUDA são boas para isso: UM MUNDO NOVO PRECISA-SE.


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