O folhetim Trump e a crise do poder nos EUA

Editor / Tony Cox — 8 Abril 2023

EUA, 2013. Manifestação contra a guerra. Tirem as mãos da Síria

A acusação de que Donald Trump está a ser alvo por parte da justiça de Nova Iorque, tornou-se um circo mediático em que os meandros do processo são escalpelizados ao pormenor. O assunto promete alongar-se no tempo com ingredientes para todos os gostos, desde casos de costumes a fraudes e falsificações. Os comentadores mais diligentes vêem-se apertados entre as desgraças do espectáculo folhetinesco e a necessidade de ter cautelas políticas diante das ondas de choque que o processo pode gerar na opinião pública.

Há quem lamente que os EUA se vejam assim enlameados, quem brade que “o farol da democracia” não merecia tal exposição e quem se bata bravamente para salvar o bom nome “das instituições”. A todos parece escapar o facto de a degradação da política ser a imagem da degradação do poder norte-americano em todos os seus domínios, e de isso não ter remendo.

Percebem-se estas preocupações da parte dos poderes da Europa, do “Ocidente alargado” e dos seus arautos: é que o problema não se limita ao outro lado do Atlântico — ele ecoa forçosamente numa Europa a braços com uma múltipla crise política, económica e social.

Obviamente, nem toda a política nos EUA é a política do poder. Mas aquela que está agora a ser exposta a céu aberto — sendo a que envolve a disputa acesa entre as classes dominantes na tentativa de travar a decadência de todo um império (é esse o nó górdio) — tem o condão de mostrar por dentro tanto a sordidez como as fragilidades do poder. 

Muito do conformismo das massas populares diante das instituições e dos personagens do poder, deve-se ao respeito que elas se habituaram a nutrir, reverentemente, por uns e por outros, fazendo suas as prédicas morais das classes dominantes. Perder esse respeito timorato é uma das condições (e dos efeitos) dos grandes movimentos de massas e, por maioria de razão, das revoluções sociais. 

O mérito que vemos no texto do jornalista Tony Cox (que reproduzimos com pequena redução) é o de, perante um caso concreto e actual, ajudar a desmistificar o poder e os seus mentores, contribuindo para uma necessária e urgente perda de respeito pelos personagens e pelas instituições da decadente sociedade burguesa. 

 

AMÉRICA: TELENOVELA ATINGE NOVAS BAIXEZAS COM A ACUSAÇÃO A TRUMP

Tony Cox, RT, 31 março 2023

Quando se suporia que a política norte-americana não poderia ficar mais suja, o promotor de Nova Iorque Alvin Bragg e o ex-presidente Donald Trump provaram que o país ainda não bateu no fundo.

O sistema político norte-americano assemelha-se agora a uma telenovela e, com a acusação a Trump feita por um grande júri de Manhattan, os espectadores deveriam queixar-se de quão vulgar e desagradável o programa se tornou. De facto, se fosse uma novela, o guião seria demasiado inacreditável e de mau gosto para audiências diurnas.

Considere-se o enredo, que começa com um pagamento de 130.000 dólares a uma estrela de filmes  pornográficos para comprar o seu silêncio sobre um caso com o principal candidato presidencial do Partido Republicano. Em seguida, temos um arguido conflituoso, antigo personagem de novela que se divorciou duas vezes e que é actualmente casado com uma ex-modelo 24 anos mais nova. Não esquecendo Bragg, o promotor distrital de Manhattan, que é apoiado financeiramente pelo bilionário George Soros, por sua vez patrocinador do Partido Democrata.

Um dos princípios de um bom drama é fazer com que o espectador tenha empatia por um ou mais dos personagens. Mas, neste caso, é difícil torcer por qualquer um. 

Para iniciantes, é bastante desagradável deparar com um presidente que pode ter motivos para subornar uma actriz de filmes para adultos. Aparentemente, Trump é o primeiro presidente norte-americano a fazê-lo, tal como é também o primeiro que se tornou bilionário enquanto administrava seis dos seus negócios gozando de protecção contra falência sem pagar aos credores; o primeiro que foi apanhado numa gravação gabando-se de agarrar mulheres “pela r*ta”; e o primeiro que tentou expulsar de casa uma senhora idosa para abrir espaço para estacionamento ao lado do seu casino. A lista de casos indecorosos inéditos poderia continuar. 

Com a acusação, Trump (duas vezes alvo de processos de destituição) é agora o primeiro dos presidentes dos EUA, retirados ou no activo, a ser acusado criminalmente. 

A equipa de Soros estabeleceu um novo precedente perigoso ao usar o sistema de justiça criminal para afastar um rival político. Pessoas que tanto falam em proteger a liberdade e a democracia estão a tentar eliminar Trump do cardápio eleitoral de 2024, reduzindo as opções dos eleitores e essencialmente decidindo por eles quem poderão escolher. É o comportamento de uma república das bananas, e não há como voltar atrás.

Também é irónico que, apesar de todos os seus defeitos, Trump esteja a ser processado pelas razões erradas. Como é típico num sistema de justiça distorcido, o suposto vilão não é punido pelas suas supostas ofensas graves; em vez disso, o caso é sobre algo forjado ou mesquinho.

Não é ilegal pagar dinheiro para silenciar alguém, mesmo uma estrela pornográfica. Como salientou o jurista Jonathan Turley, [o procurador] Bragg está a tentar ressuscitar alegações com sete anos de idade que tanto o Departamento de Justiça dos EUA como a Comissão Eleitoral Federal consideraram indignas de levar avante. 

A acusação criminal que poderia ter sido relevante – não declarar um donativo político – exigiria provar que o pagamento foi feito com o único propósito de ajudar a campanha presidencial de Trump. Não é difícil imaginar outras motivações potenciais para uma celebridade e empresário casado evitar que alegações tão embaraçosas se tornassem públicas.

Bragg, que fez campanha para obter o seu lugar de procurador com a promessa de processar o “Bad Orange Man”, sentiu-se pressionado para apaziguar os seus apoiantes que odeiam Trump. Ele enfrentou críticas no ano passado depois de se recusar a apresentar acusações contra o ex-presidente, levando dois procuradores seniores da sua equipa a renunciar por descontentamento. Turley classificou o caso de Bragg contra o ex-presidente como sendo “longo na política e curto na lei”.

Como se todo o episódio não fosse suficientemente sórdido por si só, temos ainda meios de comunicação empresariais a fazer a sua parte habitual de amplificação e repetição, aplaudindo o mais recente esforço do Partido Democrata para colocar Trump na prisão. Com igual mau gosto, Trump usou a acusação como uma ferramenta de angariação de fundos e instou os apoiantes a protestarem em seu nome, desconsiderando quão perigoso poderia tornar-se o conflito nas ruas.

O próprio facto de termos de falar na saga de Trump é um reflexo de quanto a política americana entrou em espiral descendente nas últimas décadas, tornando qualquer sentido de dignidade ou decoro uma memória distante. 

Mesmo há apenas duas décadas, teria sido difícil acreditar que os padrões para altos cargos eleitos nos EUA descambassem até este nível.

Por exemplo, a carreira política do ex-senador John Edwards, candidato presidencial democrata em 2004 e 2008, terminou essencialmente por revelações de um caso extraconjugal. O favorito democrata na corrida presidencial de 1988, Gary Hart, caiu em desgraça depois de surgirem notícias sobre a sua infidelidade. Era então assumido que tais escândalos liquidavam uma carreira.

Antes de Trump, havia apenas um presidente dos EUA com um divórcio no currículo, e só o talentoso orador Ronald Reagan conseguia levar os eleitores a esquecer uma separação que ocorrera mais de 30 anos antes de ser eleito.

O sucessor de Trump, Joe Biden, foi motivo de chacota política depois de um escândalo de plágio e desonestidade ter torpedeado a sua primeira campanha presidencial em 1988.

Quando se candidatou à presidência em 2020, ele era uma idosa máquina de gafes, cuja capacidade de mentir só tinha aumentado de frequência. Também ele tinha sido acusado de agressão sexual por uma ex-estagiária, e toda a gente pôde aceder a imagens de vídeo na internet e ver como Biden se sentia desconfortável na proximidade de jovens raparigas em eventos públicos.

Os eleitores aparentemente não se importaram, e a comunicação social adoptou uma abordagem muito diferente da de 1988, colocando-se a favor de Biden em vez de examinar o seu carácter.

Na verdade, quando um relatório bombástico expôs a operação de tráfico de influências da família Biden poucas semanas antes das eleições de 2020, a imprensa ajudou a esmagar a história e a promover a mentira de que se tratava de desinformação russa.

A comunicação social, surpreendentemente, mostrou pouco interesse pelas provas contidas num computador portátil esquecido pelo filho de Biden, Hunter, que foi expulso da Reserva da Marinha em consequência de um teste de drogas positivo, e que teve um filho fora do casamento com uma mulher que ele supostamente conheceu quando ela era stripper, ao mesmo tempo que tinha um caso com a viúva do seu irmão.

Se isto é o melhor que a América tem para oferecer, a nação tem problemas maiores do que a sua política. A cada dia que passa, os EUA tornam-se mais divididos, disfuncionais, degradados e degenerados.

Poderá o Império Romano, nos seus estertores de morte, realmente ter sido mais depravado e corrupto do que a América de 2023? E também isto deveria soar familiar: os romanos viam-se como seres superiores, sem igual em lugar algum, e sentiam-se destinados a governar o mundo.

Quando vemos a política americana evoluir como uma telenovela vulgar, dá a sensação de já termos visto este espectáculo antes.

Tradução e adaptação MV


Comentários dos leitores

Manuel Baptista 9/4/2023, 17:22

A máquina da justiça está transformada num apêndice do partido democrata. estamos já fora de qualquer modalidade de «Estado de Direito».


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