O que nos dizem as sondagens sobre a guerra

Urbano de Campos — 12 Fevereiro 2023

Itália fora da guerra, Itália fora da Nato. Março 2022

Sondagens de opinião feitas ao longo do ano passado desmentem que a população europeia esteja de alma e coração com a política da UE e da Nato a respeito da Ucrânia, como a monocórdica e esmagadora propaganda oficial pretende fazer crer. Ao contrário, revelam uma percentagem muito significativa de pessoas que se manifestam pelo fim rápido da guerra, mesmo que a Ucrânia tenha de ceder território. Esta posição tende a aumentar com o agravamento dos efeitos económicos do conflito e das sanções, e ganha maior expressão sobretudo entre as classes sociais com menores rendimentos.

Embora nem sempre coincidentes e com dados por vezes contraditórios, as seguintes sondagens, feitas entre junho e dezembro do ano passado, dão-nos indicadores sobre a reacção das populações à crise económica e sobre a vontade de pôr fim à guerra. 

Divisões na Europa

O Conselho Europeu para as Relações Exteriores (CERE), dizia, num inquérito realizado em junho de 2022 (com menos de quatro meses de guerra), que os defensores da paz eram a maioria (35% contra 22%) nos dez países inquiridos, que foram: Portugal, Espanha, Itália, Suécia, Finlândia, França, Polónia, Roménia, Reino Unido e Alemanha.

Segundo o estudo, aqueles 35% queriam “que a guerra acabasse o mais cedo possível”, enquanto os outros 22% apostavam em “punir a Rússia”. Aquela maioria, avisava o estudo, tenderia a aumentar à medida que a guerra se prolongasse e a preocupação do público se centrasse no agravamento do custo de vida. Portugal, Espanha e Itália eram então os países com maior preocupação com o impacte da guerra no custo de vida e nos preços da energia.

A maioria de defensores da paz, diz ainda o estudo, tenderia a aumentar igualmente se crescesse o sentimento de que as sanções contra a Rússia não dariam resultado — como de facto sucede.

Lembremos que, pouco antes deste inquérito, concretamente em março e abril, decorreram negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia, mediadas pela Bielorrússia e pela Turquia. Contra o sentimento geral que o inquérito revela, a possibilidade de um acordo foi sabotada pela intervenção do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson junto de Zelensky dizendo-lhe abertamente que os EUA e o Reino Unido não aprovariam esses planos de paz.

Curioso é o facto de o CERE, no seu relatório, se mostrar preocupado, logo nos primeiros cem dias de guerra, com as divisões na Europa que o inquérito já então prenunciava. Para obviar a isso, recomendava que o conflito fosse apresentado como uma luta defensiva contra a agressão russa, não sendo de insistir na ideia de uma vitória da Ucrânia sobre a Rússia. “A chave”, diz o relatório, “será apresentar as entregas de armas e as sanções como parte de uma guerra defensiva”.

Cá por casa

Em setembro de 2022, uma sondagem feita pelo ISCTE/ICS entre a população portuguesa mostrava, em valores globais, que apenas 32% (contra 54%) era pelo fim imediato da guerra. 

Mas, numa observação mais fina, via-se que a maioria era outra quando se tratava da população com maiores dificuldades económicas. No grupo populacional designado no inquérito como “Muito difícil viver com rendimento”, a proporção invertia-se: 48% (contra 36%) queria o fim imediato da guerra, “mesmo que isso implique ceder às exigências da Rússia e as suas consequências”. 

Em contraste, no grupo oposto, designado como de “Rendimento confortável”, 61% (contra 28%) mostraram-se favoráveis a apoiar a Ucrânia, “mesmo que isso implique prolongar a guerra e as suas consequências”.

Estes dados confirmam a noção empírica de que são as camadas mais pobres as que mais sofrem com as consequências da guerra e as que estarão por isso mais dispostas a rejeitar o envolvimento do país no conflito.

Dados colhidos em novembro de 2022 (sondagem Intercampus), por sua vez, revelavam a tendência de empobrecimento que a crise económica e a guerra induzem. 

Uma maioria de portugueses (71%) declarou ter reduzido as suas despesas mensais. Neste grupo, a redução incluía, entre outras, despesas com restaurantes, roupa, divertimento e energia — indiciando que aquele número abarca certamente largos sectores de classes intermédias. 

Mais detalhadamente, porém, verificava-se que 43,5% das pessoas estavam a reduzir despesas com comida, e 34,3% estavam a cortar em bens de primeira necessidade — o que neste caso aponta seguramente para as classes trabalhadoras, de rendimentos mais baixos. 

Esta mesma sondagem registou 20% de inquiridos que defendiam o fim da guerra com cedência de território por parte da Ucrânia. 

Pelo fim rápido da guerra

Sondagem mais recente feita em nove países europeus (Euroskopia, dezembro 2022) mostra que uma maioria de 48% (contra 32%) defende um fim rápido da guerra, mesmo que a Ucrânia tenha de abdicar de território. Países inquiridos: Itália, Grécia, Portugal, Áustria, Alemanha, Espanha, Holanda, Polónia e França. 

Aquela maioria é absoluta na Áustria (64%), na Alemanha (60%), na Grécia (54%), em Espanha (50%) e Itália (50%). 

Em Portugal, uma minoria, ainda assim significativa, de 41% tem a mesma opinião. Mas é também de assinalar o facto de apenas 45% dos inquiridos se oporem à ideia de a Ucrânia ceder território para acabar com a guerra, um quase empate com a opinião oposta. No nosso país, o inquérito foi conduzido pela Pitagórica, parceira da Euroskopia. 

Os dados levaram os autores da sondagem da Euroskopia a assinalar que “a Europa se inclina para a paz” e a sublinhar que “importantes diferenças começam a emergir entre os europeus a respeito de como lidar com o conflito armado”.

Contraditoriamente, em valor global, uma maioria de 56% continua a defender o apoio militar à Ucrânia. As excepções são a Grécia e a Itália: 60% dos gregos (contra 38%) rejeitam o envio de armas, tal como 50% dos italianos (contra 38%). Assinale-se que, em dezembro do ano passado, sindicatos italianos convocaram uma greve geral em que as reclamações de melhoria de vida se associaram às exigências de pôr termo à guerra e à recusa de envio de armas.

Em todo o caso, os valores desta última sondagem, dez meses depois do início das hostilidades, parecem confirmar algumas das previsões do primeiro dos estudos que citamos. Com efeito, cresceu o número dos que reclamam o fim do conflito, contra a posição da maioria dos governos europeus de prolongar a guerra. 

A isto não será estranho o arrastamento dos combates sem fim à vista e o risco de alastramento das hostilidades a outros países. Soma-se o agravamento contínuo das condições de vida das populações. Ao mesmo tempo, generaliza-se a ideia de que as sanções contra a Rússia, não só não produzem os efeitos esperados pelos dirigentes europeus e norte-americanos, como se voltam sobretudo contra os povos da Europa.


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