Notas sobre a pequena política

Editor — 1 Dezembro 2022

Nunca a agitação partidária do país pareceu tão intensa como quando, em final de março, se formou um governo com a possibilidade, pelo menos formal, de durar quatro anos. A “estabilidade” que as classes dominantes reclamavam a cada passo — contra a “instabilidade” atribuída aos governos ditos da Geringonça — deu lugar, afinal, logo após as eleições de janeiro, a uma espécie de pânico mal contido. Que parece durar até hoje. 

A maioria absoluta do PS foi, desde início, verberada como um “perigo de poder absoluto” contra o qual teriam de ser mobilizadas todas as instituições do regime. E, nesta preocupação, a esquerda parlamentar, mesmo invocando outras razões, não se distinguiu muito do que dizia a direita. 

Para a direita, a maioria absoluta que ela sempre buscou caíra obviamente em mãos erradas. Para a esquerda, a (escassa e ilusória) partilha de poder dos seis anos anteriores tinha sido perdida sem ganhos significativos para a massa trabalhadora e com pesadas quebras eleitorais.

Dadas as circunstâncias, a agitação permanente a que se assiste desde janeiro é mais partidária e mediática do que política. Estamos, talvez como nunca, no terreno da pequena política, da intriga, dos golpes baixos, da guerra de desgaste. 

O exibicionismo doentio de Marcelo sobre o que quer que seja, a bacoca promoção de Passos Coelho, o conclave da direita cavaquista em torno de um medíocre governador do Banco de Portugal, as denúncias que caem gota-a-gota sobre ministros, secretários de Estado ou chefes de gabinete, as investigações, oportunamente tiradas da gaveta, sobre corrupção em câmaras municipais ou juntas de freguesia, todo este lamaçal conta com mais tempo televisivo ou páginas de jornais do que os reais problemas enfrentados pela massa da população — problemas estes que se resumem em duas palavras: empobrecimento geral, perda de posição social. 

A esquerda parlamentar, por razões evidentes, não tem condições sequer para condicionar o Governo, como se viu pela aprovação sem obstáculos do OE 2023, quanto mais para lhe fazer frente. 

A direita, embora jogando com outras armas que não apenas as das lides parlamentares, não tem por enquanto forças para se substituir ao Governo. Nem isso interessa de momento ao patronato, cuja preocupação maior é a partilha do bolo de milhares de milhões do PRR — assim os poderosos da UE não mudem de ideias. 

A estabilidade governativa é, portanto, um bem que as reais forças do poder querem salvaguardar, apesar e para além dos jogos partidários. Neste aspecto, a maioria absoluta apresenta até uma vantagem inesperada: o PS e o Governo podem ser zurzidos e desgastados à vontade porque, dentro de certos limites, não há perigo sério de uma crise governamental.

Por detrás do cenário de agitação partidária permanece, pois, intacta uma consonância de regime que se revela num programa muito simples: pagar a dívida do Estado, em completa subordinação aos credores-agiotas internacionais; amparar o capital no transe duma crise económica que se arrasta sem fim à vista; apoiar cegamente a política de guerra dos EUA-UE-Nato, contribuindo com dinheiro, auxílio militar e uma miserável propaganda de guerra; pagar os custos destas três aventuras com salários baixos e sacrifício das prestações sociais. 

Por tudo isto, os arreganhos da oposição de direita não iludem: trata-se da natural disputa pelo palco mediático, na esperança de ganhar apoios daqui até 2026. Para ela, como para o Governo, como para o capital tudo estará bem desde que os de baixo continuem em baixo e paguem os custos da dívida, da crise económica e da guerra.

Tal consonância é facilitada pela fraqueza, reivindicativa e política, do movimento popular e operário.

A oposição popular, aquela que os trabalhadores podem conduzir por si mesmos fora das baias parlamentares, parte com atraso. Envolvida pelas conveniências partidárias do BE e do PCP, ditadas pelos acordos de 2015 e 2019, não aproveitou o momento que então lhe era favorável para ganhar força própria. 

Força própria significaria vincar o sentido de classe das suas exigências e demarcar a sua independência face ao poder político. Isto estava ao seu alcance se fosse multiplicado, em vez de apaziguado, o impulso das acções de massas que se levantaram desde 2011 contra a política da troika e que puseram em minoria o governo PSD-CDS em final de 2015.

Os protestos que hoje se vão manifestando arrancam de um patamar mais baixo porque sofrem os efeitos deste passado recente. Mas não têm outro caminho senão tirar lições e fazer das fraquezas forças.


Comentários dos leitores

Teresa Alves Da Silva 2/12/2022, 19:47

O artigo também aborda uma questão preocupante que é o desempenho da comunicação social face às questões nacionais.
Os noticiários e comentários jornalísticos, procuram e divulgam continuamente questões menores , sempre com a "roupagem" e intuito de denunciar corrupções e compadrios do poder, em modo de maioria absoluta perante o " perigo do poder absoluto". É por demais evidente que o Presidente da República, anima e estimula esta postura da comunicação social que alinha assim numa visão senil e de baixíssima qualidade informativa.
A oposição, não se distingue, esquerda ou direita, pois a o facto de "andarem envolvidos nos rodriguinhos", parecem actores de telenovelas rascas.
Questões nacionais prementes, como por exemplo a estratégia governamental de " contas certas", nos exercícios dos orçamentos anuais, perante a enorme divida externa nacional, que implica e restringe a possibilidade de aumentos salariais e melhoria dos apoios sociais, não é matéria de notícia informativa, exceptuando programas pontuais da especialidade económica e de baixa divulgação informativa.
Sente -se , em geral, um grande desinteresse da população pelas questões nacionais, porque o que sobressai é a conversa fácil das tricas partidárias , que vai criando na população repulsa e desinteresse.
A actual comunicação social oficial faz um péssimo serviço à possibilidade de informar, criar consciência e opinião fundamentada dos verdadeiros problemas nacionais

leonel lopes clérigo 4/12/2022, 14:04

Teresa Alves Da Silva

Tem toda a razão: muitas vezes me pergunto se vivo em Portugal ou se estou a sonhar. É como você diz: a COMUNICAÇÃO SOCIAL fomenta larga percentagem de "Rodriguinhos" e notícias "encomendadas de fora" apadrinhadas por "actores" - salvo raríssimas excepções - estilo "telenovelas rascas". Para esta Comunicação "SOCIAL", Portugal parece viver no Paraíso. Seus PROBLEMAS são de "PORMENOR".

Curiosamente, tudo isto é (en)coberto por uma "DEMOCRACIA" ela própria "rasca": a democracia BURGUESA, uma "aparência" de DEMOCRACIA já que, para ser "real", tinha que ser extinto o REGIME de SALÁRIO ou seja, o CAPITALISMO com seu LUCRO.

Mas tudo isto está em processo de desgaste. Melhor: de DECADÊNCIA. O regime de "subsídio-dependência" que vem fazendo sobreviver a COMUNICAÇÃO SOCIAL BURGUESA UNIDIMENSIONAL, acaba por lhe dar - com a "pastelada" que é obrigada a divulgar - uma forte ajuda.


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