Onde não dominam, os EUA criam o caos

Manuel Raposo — 10 Agosto 2022

O poder destruidor do imperialismo é fonte de desgraças humanas incontáveis e bem conhecidas

Enquanto se declaram dispostos a prolongar a guerra na Ucrânia “pelo tempo que for necessário”, os EUA dedicam-se a criar novos focos de tensão em diversos pontos do mundo, num propósito de ameaça e exibição de força. Três acontecimentos o revelam: a visita a Taiwan da congressista Nancy Pelosi, a terceira figura do Estado, desafiando a China; a instigação das autoridades do Kosovo contra a população sérvia, provocando a República Sérvia e a Rússia; e o assassinato de um líder da Alcaida no Afeganistão, com o objectivo de manter o governo dos talibãs debaixo de fogo.

Os EUA dão com isto uma demonstração prática do que para eles significa a nova estratégia da Nato definida em Madrid, em finais de junho, onde foi manifestado o propósito de estender o raio de acção da Aliança um pouco por todo o mundo, designadamente ao Pacífico. Apoiados na cumplicidade dos aliados ocidentais, os EUA aventuram-se naquilo que melhor sabem fazer: a ameaça militar.

Taiwan

A visita de Pelosi é uma evidente provocação à China e uma negação dos tratados internacionais, que reconhecem uma só China de que Taiwan é parte integrante. De forma concertada com a presidência de Biden (só assim se entende a digressão), Pelosi agiu como ponta de lança do imperialismo norte-americano no seu confronto com a China. É notório o propósito de reverter o rumo político estabelecido há 50 anos entre Nixon e Mao e, deste modo, acrescentar uma dimensão militar à guerra económica iniciada pelos EUA contra a China.

O acordo estabelecido em 1972 — que, sete anos depois, deu base ao estabelecimento de relações diplomáticas entre os EUA e a República Popular da China — é claro: só há uma China, a República Popular, a única representada nas Nações Unidas; Taiwan é uma província insular que faz parte da China; a política dos EUA para com a China respeita estes princípios, não podendo interferir nos assuntos internos chineses; as divergências entre Taiwan e o governo da China serão resolvidas sem interferência externa. 

A duplicidade dos EUA leva-os a jurar fidelidade a estes preceitos — como o secretário de Estado Antony Blinken e a própria Pelosi fizeram no auge da presente crise — ao mesmo tempo que estimulam as ambições independentistas em Taiwan e vendem armas ao actual governo de Taipé a pretexto de responder às “ameaças” de Pequim. Foi este segundo lado da política norte-americana que Pelosi se encarregou de defender junto do actual governo de Taipé.

A jigajoga da Casa Branca visando dar a ideia de que nada tinha a ver com a decisão da congressista é uma demonstração de cinismo político que não convence ninguém. Sobretudo não convenceu a China, que mobilizou meios militares consideráveis para as águas em redor de Taiwan respondendo, quer à provocação política em si, quer ao envio de forças militares navais por parte dos EUA para acompanhar a deslocação de Pelosi.

A mensagem deixada por Pelosi é clara sobre os propósitos dos EUA: reforçar os laços com os independentistas taiwaneses “agora e nas próximas décadas”, como ela disse. A questão é que o tempo corre a favor de Pequim, tanto pelo crescente poder económico e político da China na região e no mundo, como pelo declínio e crescente isolamento dos EUA. Um curso pacífico dos acontecimentos levará a uma integração de Taiwan na China e no seu espaço de influência mais imediato. É este curso que os EUA querem travar introduzindo na região factores de conflito.

Kosovo

O governo do Kosovo, inteiramente subordinado às ordens de Washington, pôs em marcha uma campanha de hostilização da população sérvia kosovar, repetindo o processo aplicado na Ucrânia por Zelensky contra a população russa. O alvo é espicaçar as autoridades sérvias de Belgrado e, através delas, a Rússia. 

Uma das maiores bases militares dos EUA na Europa situa-se no Kosovo. Instalada em 1999 na sequência do bombardeamento da Jugoslávia pelas forças da Nato, tem a função de servir os interesses estratégicos dos EUA nos Balcãs e no Médio-Oriente. Um enviado do Conselho da Europa para os Direitos Humanos que visitou a base em 2005 classificou-a como “uma versão reduzida de Guantânamo”, sabendo-se que a CIA a usava, secretamente, como campo de detenção e tortura de indivíduos rotulados como “terroristas”. 

Com o estalar da guerra na Ucrânia em fevereiro, o Kosovo prontificou-se a alinhar nas sanções contra a Rússia. Em finais de julho passado, ao mesmo tempo que aumentava as pressões discriminatórias sobre a população sérvia, o governo do Kosovo pediu, pela voz do ministro da Defesa, que fosse acelerada a integração na Nato. 

A República Sérvia, recorde-se, não colaborou nas sanções contra a Rússia. Ainda por cima, não reconhece a independência do Kosovo, auto-declarada em 2008 e forjada sob a acção militar dos EUA e da Nato. Acompanhando as razões da Sérvia, também a Rússia e a China, a par de mais cinco países europeus, não reconhecem a independência do Kosovo que, por isso, não tem representação na ONU.

Afeganistão

O assassinato de Ayman al-Zawahiri, em Cabul, seguiu o guião que Barack Obama tinha aplicado para eliminar Bin Laden: o terrorismo de estado mascarado de acção justiceira. Com direito a discurso presidencial, o feito destina-se a exibir perante o mundo o músculo de que os EUA ainda dispõem no plano das “operações especiais” (ou seja, assassinatos selectivos extra-judiciais), mas que lhes vai faltando nos planos económico e político. 

Parece também evidente, depois de terem saído do Afeganistão com o rabo entre as pernas, o propósito de amedrontar e instabilizar o poder talibã. Como se não bastassem os vinte anos de destruição causados pela ocupação militar, os EUA, ao retirarem-se, exauriram as finanças do país roubando sete mil milhões de dólares do tesouro afegão, contribuindo deste modo para a dramática penúria em que a população (quase 40 milhões) se encontra. Agora, completam o gigantesco roubo com o aviso de que qualquer membro do poder talibã pode ser colocado sob a mira dos drones do Pentágono.

Também neste caso o assassinato de Cabul tem um alvo indirecto: quanto mais abalado o Afeganistão permanecer, mais os esforços desenvolvidos pela China, pela Rússia e pelo Irão para ajudar à recuperação do país se tornarão difíceis. Aqui está uma demonstração mais do que caracteriza hoje a política das potências imperialistas: onde não conseguem exercer domínio há que criar o caos.

 

Este poder destruidor é fonte de desgraças humanas incontáveis e bem conhecidas: mortes aos milhares, directas ou indirectas; fomes devastadoras; deslocações e migrações de milhões de pessoas; colapso económico de países inteiros… Mas, sob um outro ângulo, aquela política de caos deliberado dá mostra de como o mundo vai escapando, por entre os dedos, às potências que o dominaram nas últimas sete ou oito décadas. Sopram, no meio de uma aparente desordem, fortes ventos de mudança.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgoncalves 10/8/2022, 19:40

Abnegadamente o Imperialismo americano insiste em revelar-se o dono do comércio mundial, assim como a potência militar mais forte e invencível. Para isso faz as provocações políticas a seu belo prazer violando os acordos internacionais que existem para se rem cumpridos por todos os Estados. Este último acto prepotente contra a República Popular da China demonstra que apesar da frágil condição que a História não desmente, as suas provocações aviltantes parecem pretender mostrar o contrário.
A China não se ajoelhou perante este acrobata disfarçado de gigante temível.
No entanto a visita de Nixon â China resultou de um acordo entre os dois Estados e teve como objectivo trocar posições estratégicas e negociar a retirada da tropas americanas do Vietname. O encontro pessoal com Mao teve apenas o efeito de se tratar de um encontro histórico com a figura que dirigiu Revolução proletária- camponesa em 1949.
Quanto à Icrânia, os crimes perpetrados pela NATO e Uniao Europeia
Contra o povo mártir da Ucrânia é de uma selvajaria inaceitável.


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