Contra informação 

Editor — 12 Março 2022

1 A direcção da Meta (empresa proprietária do Facebook e Instagram) decidiu contribuir para o esforço de guerra do Ocidente com aquilo que melhor sabe fazer: dar largas a que sejam produzidos insultos e ameaças de morte contra cidadãos e militares russos, incluindo os presidentes russo, Putin, e bielorrusso, Lukashenko. Quatro mil e quinhentos milhões de pessoas, tantas como as que seguem as duas plataformas, passaram assim a ser destinatárias da mais miserável propaganda de guerra: a que pode ser feita por qualquer energúmeno, a coberto de nome falso, sem receio de represálias.

Contrariando a manipulação evidente da opinião pública que isto representa, um comentador nacional (Miguel Crespo, investigador do ISCTE) dizia na TSF (O estado do sítio,12 março) que “temos de compreender, mesmo que não concordemos” porque, sendo o Facebook uma empresa privada, que procura o lucro, tem o direito de usar os meios que melhor servem os seus fins. 

Propriedade do norte-americano Mark Zuckerberg, o Facebook esteve envolvido numa tenebrosa manobra política de viciação de resultados eleitorais: forneceu às campanhas de Trump e do Brexit os dados privados de pelo menos 50 milhões de pessoas para que as campanhas pudessem visar directamente cada um dos eleitores, numa acção de publicidade personalizada. 

A manobra (que deixa na sombra qualquer alegação de interferência russa) foi conduzida pela empresa britânica/norte-americana Cambridge Analytica, extinta logo que a bronca veio a público, onde também pontificava Dominic Cummings, até há pouco tempo conselheiro do governo britânico de Boris Johnson. 

2 Numa demonstração de zelo inquisitorial, a Europa e os EUA decidiram banir as emissoras russas Russia Today e Sputnik, impedindo milhões de europeus e norte-americanos de ouvir e ler o que diz o outro lado. Os livros de Dostoievski foram proscritos pela universidade italiana de Milano-Bicocca, a orquestra de Munique despediu o seu maestro russo, uma digressão do Ballet Bolshoi foi cancelada no Reino Unido, atletas russos e até gatos foram impedidos de participar em competições internacionais. E continua a falar-se de liberdade de informação do lado de cá e de censura férrea do lado de lá.

3 A comunidade russa e crianças russas ou de origem russa em Portugal estão a ser vítimas de vexames, nomeadamente nas escolas, por parte de ucranianos e portugueses (Ana Jorge, presidente da Cruz Vermelha, Jornal de Notícias, Público). 

4 O neonazi português Mário Machado, condenado pelo assassínio de Alcino Monteiro, investigado por crimes de ódio e autor de outras façanhas de lusitana bravura, foi notícia na comunicação social porque anunciou ir combater para a Ucrânia, com mais uma dúzia de capangas, certamente no chamado Batalhão Azov (uma milícia nazi integrada nas forças armadas da Ucrânia) ou outro qualquer bando da mesma espécie.

5 Iniciativa Liberal e Chega acharam oportuno lançar provocações à Rússia propondo dar o nome do presidente ucraniano Zelensky a uma rua de Lisboa situada, precisamente, em frente da embaixada russa. E isto foi candidamente relatado como uma prova da liberdade democrática que se vive neste país.

6 José Milhazes, comentador político(?) com especialização anti-russa, disse, à falta de melhores argumentos, que “Putin é um animal” (SIC Notícias 25 fevereiro), sem que ninguém lhe cortasse a palavra ou moderasse a linguagem. Por baixo da capa da liberdade informativa, o que fica à vista não é só a baixeza do comentador, ao nível da conversa de taberna — é também o padrão a que as emissões de propaganda televisiva obedecem, na mira de excitar, por todos os meios, a irracionalidade dos espectadores.

7 Todo o crédito é dado às informações do lado ucraniano de que escolas, hospitais, habitações, etc., são alvo deliberado dos ataque russos. Nenhum crédito é dado aos desmentidos do lado russo que acusam as tropas e os nazis ucranianos de usar edifícios públicos como baluartes de combate. 

No entanto, sempre que foram acusados de alvejar civis no Iraque, no Afeganistão ou na Síria, os EUA disseram tratar-se de “danos colaterais” próprios da guerra, ou acusaram os adversários de usarem os civis como escudos humanos. O mesmo fazem os europeus nas guerras que travam na África central. O argumento, porém, não serve para os russos.

8 Repetidamente, é veiculada informação vinda do lado ucraniano de que as baixas russas são gigantescas — presentemente, seriam mais de 12 mil mortos. Como refere o The Washington Post (10 março), “ninguém pode fornecer uma contagem rigorosa” e os números do lado ucraniano “são assombrosos mas improváveis”. Mesmo assim, televisões e jornais continuam a insistir nos números ucranianos, desprezando os números citados pela Rússia. Segundo Moscovo, houve do lado russo 2.095 baixas, incluindo 498 mortos; e 2.870 mortos e 3.500 feridos do lado ucraniano. 

A falsificação é evidente: 12 mil mortos em duas semanas significaria que os russos já teriam perdido a guerra e estariam à beira de ser expulsos. Em contraste — e apesar de se dizer que os russos alvejam civis por sistema — as mortes de civis contam-se por centenas (a ONU falava em 516 até dia 8 de março). É evidente o propósito de dar uma imagem de resistência, que não existe nas proporções sugeridas, com um único objectivo visível: prolongar a guerra o mais possível à custa dos ucranianos. 

EUA e Reino Unido, sobretudo, têm-se empenhado em alimentar no público a ilusão de que a Ucrânia vai vencer para esticarem a guerra e desgastarem a Rússia o mais que puderem. Só assim podem manter e agravar as sanções contra a Rússia e, através delas, entalar politicamente e debilitar economicamente a UE.

9 As negociações entre russos e ucranianos foram repetidamente desvalorizadas pela propaganda ocidental. Apesar de tudo, dos primeiros contactos entre delegações realizados na Bielorrússia passou-se a um encontro ao nível de ministros de Negócios Estrangeiros, mediado pelo homólogo turco — o que não teria sentido se não houvesse expectativas de progressos a partir dos primeiros contactos. 

Contrariamente às vozes do Ocidente, as autoridades e os comentadores chineses incentivam os encontros e insistem na necessidade de entendimento entre as duas partes, sem interferência exterior. Aquele comportamento, sobretudo dos EUA e do Reino Unido, segue o padrão adoptado antes de o conflito armado estalar: cortar todas as possibilidades de negociação e de compromisso e empurrar russos e ucranianos para a guerra.

10 O PCP foi alvo de todas as críticas e calúnias, com as deturpações mais reles, quando tomou a posição óbvia de chamar a atenção para os antecedentes e para os provocadores da guerra, apontando o conflito como resultado das manobras dos EUA, da UE e da NATO para condicionarem a Rússia económica e politicamente. Também aqui, a campanha anti-russa trás os ecos da guerra-fria nas suas facetas mais básicas.

11 O BE empenhou-se na tarefa patriótica de livrar o capital nacional dos “oligarcas” russos — depois de se ter indignado, de forma igualmente patriótica, por a EDP ter ido parar a mãos de capitais chineses, que trazem consigo o fantasma do PC da China. O BE não fala em capitalistas russos porque não convém admitir que russos e chineses são tão legitimamente capitalistas como alemães, norte-americanos ou portugueses. Por isso o BE adopta o jargão de guerra para designar um capitalismo “mau”, russo por excelência. 

O BE não se deixa confundir: uma coisa são oligarcas como Abramovich, a perseguir e a abater; outra coisa são empresários como Zuckerberg ou Elon Musk cujos excessos devem ser “denunciados”. Com tais requebros, o BE espera ter um lugarzinho do lado ocidental da nova cortina-de-ferro que se desenha. 

12 O Ocidente imperialista entrou numa cruzada. Exige que todos nós lhe sejamos fiéis, ou seremos proscritos. A condenação da Rússia e dos russos, sem reservas e sem atenuantes, faz-se, se necessário, com base em todas as falsidades e pondo em campo todos os mercenários, dos Milhazes aos Zuckerberg. Agora é o tempo dos chacais e dos acomodados. Mas, depois do tempo, tempo virá.


Comentários dos leitores

MANUEL BAPTISTA 12/3/2022, 17:28

Uma ordem secreta de Washington, dirigiu-se às «redes sociais» Twitter e Facebook, para estas «relaxarem» as suas normas de contenção da linguagem («hate speach») quando os objectos dos insultos e ameaças fossem «a Rússia, o seu governo ou os seus apoiantes»... Uma maravilha de democracia liberal!

Leonel Lopes Clérigo 13/3/2022, 13:22

Duas questões ao texto acima:

1 - Ponto 12: "O Ocidente imperialista entrou numa cruzada."
Também julgo isso ser certo. Mas essa CRUZADA parece estar ainda na FASE de MOBILIZAÇÃO, a fase de cativar os "corações" pelo SENTIMENTO, tipo "Fado da desgraçadinha", o que poderá querer dizer que a "confiança" não é ainda muita.
Com a assustadora quantidade de PAPEL que se despejou para cima da ECONOMIA GRINGO, só a INFLAÇÃO a pode pagar já que a "DINÂMICA do MERCADO" foi apanhada pelo COVID.
E já agora: que irá acontecer ao nosso PRR e ao seu "performance"? Oxalá que a contagem dos "votos" levem o Governo a "tomar posse" lá para o século que vem.

2 - Ponto 11: "O BE empenhou-se na tarefa patriótica de livrar o capital nacional dos “oligarcas” russos".
Efectivamente, tornou-se fácil ver quem é o responsável pelo nosso SUBDESENVOLVIMENTO, que já tem uns largos anos: os RUSSOS OLIGARCAS. Não era fácil, mas com um pouco de paciência e esforço, poder-se-ia ver onde iria dar a "DEMOCRACIA" só com um OLHO apontado a um "ÚNICO PONTO CARDEAL".
Além do mais, a EXPLORAÇÃO do TRABALHO é coisa que há muito se finou. Por isso, só há agora DEMOCRACIA. Ainda bem: só precisamos de um bom TEÓRICO que ponha isso por escrito. No "OBSERVADOR" há muitos.


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