As alavancas do sr. Ventura
Urbano de Campos — 12 Fevereiro 2022
A polémica em torno do Chega — se tem ou não direito a um vice-presidente da Assembleia da República — só é útil para avaliar o comportamento dos restantes partidos diante do renascente fascismo. No plano formal não existe qualquer questão: o Chega pode, pelo regimento da AR, propor quem quiser; e os deputados têm o direito de recusar os candidatos do Chega. Isto bastaria para pôr um ponto final na questão. Mas não.
O facto de tal não acontecer, e de o assunto se tornar tema político que enche jornais, rádios e televisões, tem a ver com a dificuldade da direita em demarcar-se do Chega e do fascismo que ele vai instilando. A coberto do formalismo democrático, a direita procede a uma absolvição política do Chega. A pretexto de “integrar” o Chega nas instituições do regime, a direita faz dele um parceiro. À pala da “tradição parlamentar”, a direita quer reservar lugar cativo ao Chega na Assembleia. Com o argumento de “respeitar” os eleitores do Chega, a direita aprova a despolitização do eleitorado popular que a verborreia do sr. Ventura consegue levar atrás.
Tudo isto acontece por uma simples razão: não há nenhuma muralha da China entre a direita e o fascismo. Os eleitores, os quadros e as ideias da extrema-direita são uma reserva da direita. E não é preciso recordar exemplos da história passada do fascismo e do nazismo. Prova-o a deslocação de militantes e eleitores do PSD e do CDS para a extrema-direita. Prova-o o oportunismo de Rui Rio (e também do bem-falante Cotrim de Figueiredo) na formação do governo regional dos Açores. Prova-o ainda, nos últimos dias, o empenho dos Marques Mendes e dos Ângelos Correias em tornarem aceitável a extrema-direita com o argumento hipócrita de não a “vitimizar”. A questão não é formal nem institucional — é política. Não queiram fazer de nós estúpidos!
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgoncalves 13/2/2022, 17:02
É pena que a maioria dos comentadores não percebam o eleitorado, nem lhe dêm muita importância diante deste combate contra o fascismo. Quem tenha estado atento ao resultado eleitoral percebe que a resposta da popuação não podia ser mais explícita, primeiro que tudo, metade dos eleitores não não votou, depois uma derrota significativa do PCP e estrondosa do BE, a queda abrupta das forças políticas da direita portuguesa. O PCP foi incapaz de fazer autocritica ao seu fracasso e agora corre nervoso atrás do prejuízo. Enfim estamos no começo de uma nova fase da democracia capitalista que muitos estão convencidos que é o fim da História.
•Leonel Lopes Clérigo 15/2/2022, 13:41
A NECESSIDADE de uma POLÉMICA ESCLARECEDORA
O texto de Urbano Campos contém - logo no seu início - uma questão que julgo ser interessante debater, até porque, tudo indica, haver gente interessada - pelas melhores e piores razões - em trazê-la para as "bocas do mundo". Trata-se da velha questão do FASCISMO e do seu significado Histórico e Político ou seja, em que "circunstâncias" surgiu (Origem) e se tem ainda algum sentido ser utilizado (Desenvolvido) na situação actual.
1 - Vou tentar ser breve.
O Fascismo surge como um "fenómeno" tipicamente Europeu (o Japão é caso aparte) e com a "FUNÇÃO" de tentar resolver um PROBLEMA imposto pela evolução do CAPITALISMO na sua passagem da fase CONCORRENCIAL à fase MONOPOLISTA/IMPERIALISTA: a repartição do MUNDO por IMPÉRIOS NACIONAIS e que a "Aventura das Descobertas" tinha iniciado.
Não é então difícil reconhecer que esta "corrida" europeia aos Impérios foi imposta por uma "férrea necessidade" vinda da REVOLUÇÃO INDUSTRIAL o que levou à procura de "novos" territórios agora "ricos" em matérias-primas, mercados e força de trabalho, fazendo passar à História os "velhos" Impérios de "natureza" Mercantil.
2 - E surge o drama: depois de concluída a repartição do "Bolo Imperialista" entre os "pioneiros" INDUSTRIALIZADOS, a Alemanha, a Itália e o Japão surgem como os PARENTES POBRES do IMPERIALISMO. E o pior: a Alemanha era, a seguir aos USA, o país mais INDUSTRIALIZADO do Planeta, o que quer dizer que, para prosseguir o seu DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, tinha que deter um Império "à maneira".
Acontece que os maiores Países Europeus já com largos Impérios conquistados, não foram capazes de, politicamente, encontrar uma SOLUÇÃO mais "equitativa", satisfazendo as necessidades dos "retardatários. Não custa então entender porque, na sequência, vieram 2 GUERRAS ditas MUNDIAIS o que mostra bem que, quando os Países não são "fracos", "fazem das tripas coração", preferindo a Guerra à Paz ou seja, não estão pelos ajustes de fazerem "HARAQUIRI".
3 - Como era de prever - Keynes previu-o estando ainda em Versalhes - a Alemanha, a Itália e o Japão lançaram-se na Guerra de conquista Imperial e, para isso, ARMARAM-SE até aos dentes e em todas as ÁREAS necessárias. Foi o caso da IDEOLOGIA. E surge assim a IDEOLOGIA NAZI-FASCISTA, uma típica "ideologia de guerra" feita à medida das "necessidades" ofensivas da altura.
4 - A questão que julgo se pôr hoje sobre a "actualidade" do NAZI-FASCISMO - enquanto "PARTICULAR" ideologia de guerra - reside no facto do IMPERIALISMO - como o conhecemos até relativamente pouco tempo - estar atravessando uma crise séria. E será o NAZI-FASCISMO - como o conhecemos do passado - capaz ainda hoje de se "renovar" e responder às novas exigências do IMPÉRIO que, além do mais, tem atrás de si uma "tradição" DEMOCRÁTICA que vem servindo de "guarda-chuva" à sua "natureza" Imperialista.
Como sempre, o perigo vem da Águia ferida e não do Pardal.
5 - Em minha opinião, o "perigo maior" do designado "RESSURGIR do FASCISMO" não está, no caso português, no "discurso" e, sobretudo, nas intenções "práticas" do CHEGA! - um peão de 3ª categoria ainda por cima num País subdesenvolvido e com um Império há meio século irremediavelmente perdido.
O Perigo está na PERDA das "REGALIAS IMPERIALISTAS" da Nação Norte-Americana dos USA e até que ponto estará ela capaz de ceder a sua privilegiada posição. O resto da "onda fascista", faz parte dos "cordelinhos" que movem os "peões" do Império. Como é o caso da IMPRENSA.
•Oavlag 20/2/2022, 11:33
O Leonel, falar do fascismo que aconteceu na Europa do início do seculo XX e não dizer uma palavra sobro Comunismo, é distorcer completamente a realidade desses tempos.
O fascismo nasceu como reação à propagação quase imparável das ideias comunistas na Europa.
Claro que, quem ganhou a guerra do fascismo contra o comunismo, a GB e os EUA, tirou da vitória as necessárias consequência, impondo a nova ordem política da Democracia de Inspiração Anglo Saxónica.
•AP 20/2/2022, 14:14
Oavlag,
Leonel Lopes Clérigo discute precisamente o contrário do que dizes: O fascismo não foi uma resposta ao comunismo, o fascismo foi (e é ainda) uma resposta do capitalismo a si próprio. Foi uma resposta pela força que países industrializados (capitalistas) encontraram para defenderem o seu espaço vital que lhes permitiria continuar a desenvolver industrialmente. Ou esquecemo-nos que a política central do nazismo era o Lebensraum (que mais não é que espaço vital)?
•Leonel Lopes Clérigo 20/2/2022, 14:59
A HISTÓRIA e os CONTOS de FADAS
Meu caro Oavlag
Pelo que depreendo do seu texto, julgo que talvez possa ter algum interesse para si a leitura das "CONSEQUÊNCIAS ECONÓMICAS da PAZ" do respeitável John Maynard Keynes e que este Economista escreveu sobre o que "aprendeu" na Conferência de Versalhes. O Livro pode lê-lo "à borla" em:
http://funag.gov.br/loja/download/42-As_Consequencias_Economicas_da_Paz.pdf
E já agora gostaria de lhe "aguçar o engenho".
Essa lengalenga da "Democracia Ocidental" começa a estar decrépita: de facto, casar EXPLORAÇÃO do TRABALHO com DEMOCRACIA, nem o Arcebispado de BRAGA consentiria em tal casamento.
(Nota Final: se tiver tempo, caro Oavlag, leia também e a propósito, a Carta que Keynes escreveu à mãe quando da sua estadia em Versalhes como representante inglês)
•Oavlag 20/2/2022, 21:16
Pois! O Mussolini e o Franco andaram à procura de espaço vital...
•fm 21/2/2022, 14:52
O Chega chegou onde chegou muito por culpa dos partidos do regime sejam da chamada esquerda ou da chamada direita. O PS e PSD que se tem deleitado com o poder só tem feito mau governo, corrupção e atacado as classe trabalhadora nos seus direitos. A esquerda a esquerda do PS não tem sido alternativa a governação e não tem programa politico que interaja com a classe explorada e foram comidos pelo PS. Muitos votos que o Chega recebeu vieram da esquerda à esquerda do PS e também da direita. Os partidos do regime deixaram de ser partido de massas. Só o PCP/CGTP é que tem vindo para a rua, mas já não mobiliza como mobilizava e o governo já nem ligam aos sindicatos da CGTP por que são uns auxiliares reformistas do governo. O BE deixou de fazer manifestações. Dantes tinham uma corrente de sindical de classe e faziam manifestações de rua no tempo da UDP. O PS/PSD deixaram de fazer manifestações de rua e tornaram-se partidos para as eleições. O Chega está-se aproveitar desse vazio politico para vir a rua manifestar o seu ódio ao sistema democrático burguês e implantar a sua ideologia de extrema-direita, muito por culpa dos partidos da direita e da esquerda que não estão a corresponder aos anseios dos trabalhadores e reformados, etc. Faz falta um novo sindicalismo de classe não reformista como o da antiga CGT.
•Leonel Lopes Clérigo 22/2/2022, 10:18
Caro Oavlag
Não me leve a mal mas, em minha opinião, entendo que deveria dedicar mais um pouco do seu tempo ao estudo da História.
Mas tome atenção: há por aí muito "malandreco" que deseja fazer passar a falsa ideia que a "HISTÓRIA tudo justifica". Percebe-se bem o que pretendem: desacreditá-la, para melhor fazer passar o seu CONTRABANDO. Até porque "à noite, todos os gatos são pardos"...
•AP 22/2/2022, 10:39
Oavlag,
Eu aceito que, na luta ideológica, se pretenda pintar comunismo como o papão que tem culpa de tudo. Agora, há que manter alguma honestidade intelectual e não adulterar a realidade histórica.
Mussolini:
Talvez não te esteja presente na mente, mas antes do início da Segunda Guerra Mundial, em Fevereiro de 1939, durante o Grande Concílio do Fascismo, Mussolini fez um discurso entitulado "A marcha para os oceanos". Que eu saiba, a USSR não estava nos oceanos. Mas se o título não é elucidativo, talvez alguns excertos o sejam:
Falando da necessidade de uma nação ter acesso aos oceanos e ao facto da Itália precisar do consentimento Francês e Britânico para isso, chamava de prisão a esta situação, dizendo então:
"As grades desta prisão são a Córsica, Tunísia, Malta, e Ciprus. Os guardas desta prisão são Gibraltar e o Suez. A Córsica é a pistola apontada ao coração de Itália; Tunísia à Sicília. Malta e Ciprus constituem uma ameaça a todas as posições do Este e Oeste do Mediterrâneo. Grécia, Turquia, e Egipto estão preparados para formar uma corrente, em conjunto com a Grã-Bretanha, por forma a completar o cerco politico-militar à Itália. Assim sendo, a Grécia, Turquia, e o Egipto, devem ser considerados enimigos vitais da expansão da Itália. O objectivo da estratégia italiana, que não pode ter, e não tem objectivos de natureza continental na Europa Territorial, à excepção da Albânia, é primeiro que tudo, quebrar as grades desta prisão. Uma vez quebradas, a política Italiana tem apenas um slogan: marchar para os oceanos. "
Como se isto não bastante, é mais que conhecido o desejo de Mussolini de expandir o território Italiano. Bem conhecido é o termo Novo Império Romano, introduzido e aspirado por Mussolini.
Não vejo, de todo o comunismo como sendo o grande motivo. Vejo sim, como já foi dito e redito, um objectivo expansionista dentro do capitalismo. Vejo uma competição, imperialista, entre potências capitalistas. Vejo uma Itália pressionada pelo Reino Unido e França. Antes disto, Itália tinha invadido a Etiópia. Antes do ataque à URSS, a Itália tomou a Somália (ocupada pela Inglaterra), partes do Egipto. Mas Oavlag, vê nisto luta contra o comunismo.
Franco:
Tal como Mussolini, antes de apoiar o ataque à URSS, Franco decidiu apoiar Alemanha e Itália, exigindo em contrapartida Marroco Francês, os Camarões, e Gibraltar (algo que não caiu bem a Hitler). Também não nos podemos esquecer que o Governo de Franco inclusivamente anunciava a sua legitimidade para ter Cuba, as Filipinas e, pasmemo-nos, Califórnia, Texas, Arizona, e Flórida! Esquecemo-nos também que, durante estes tempos, os Franquistas apedrejavam as embaixadas da Grã-Bretanha e dos EUA. (vide o livro Spanish dreams of empire, de Thomas J. Hamilton). Estranho, como aos olhos de Oavlag, tudo isto é comunismo e luta contra o comunismo.