25 de Abril, uma querela distorcida

Urbano de Campos — 27 Abril 2021

 

1974-75: o que ainda hoje dói à direita é o movimento popular que irrompeu para lá dos propósitos dos Capitães

A polémica em torno da manifestação do 25 de Abril em Lisboa tem o seu quê de instrutivo. Obviamente, a Iniciativa Liberal quis fazer escândalo e dar nas vistas ao reclamar o direito “democrático” de, oportunisticamente, se encastoar num desfile que sabia ser promovido por forças de cor política diversa da sua. O que a IL pretendia não era festejar o 25 de Abril. Era sim meter uma cunha do 25 de Novembro no desfile do 25 de Abril.

Lembremos que em anos anteriores (2018 e 2019) a mesma IL realizou festejos próprios, a que chamou “Festa da Liberdade”, evocando o golpe novembrista. E que a direita, pela voz do CDS, chegou a propor que a Assembleia da República promovesse comemorações oficiais do 25 de Novembro, “em pé de igualdade” com as comemorações de Abril. 

Os manejos da direita fazem parte da sua campanha para anular a evocação do 25 de Abril naquilo que ela ainda possa ter de exaltação da acção popular de 74-75. E, com isso, quer criar condições políticas para esmagar o que ainda subsiste das conquistas da massa trabalhadora.

O que a direita condena no 25 de Abril não é propriamente o derrube da ditadura, que todos reconhecem estar então velha e podre. O que ainda hoje lhe dói é o movimento popular que irrompeu para lá dos propósitos dos Capitães, que correu com Spínola e seus apaniguados, que fez voar para o Brasil não só as múmias do fascismo mas também a nata do capital, o qual se preparava para assentar arraiais num novo regime com vestes democráticas.

O exemplo desse movimento da massa trabalhadora, dos pobres — esforçando-se por impor a sua vontade, reclamando direitos, obtendo ganhos através da acção — esse exemplo e os seus frutos são ainda, pelo seu valor histórico, a espinha que a direita continua a sentir na garganta. É que, por muito breve e por muito brando que tenha sido, o 25 de Abril popular deu-nos uma amostra do que pode a força do povo e de quão frágil, em dadas condições, é o poder do capital.

Ao pretender apagar o 25 de Abril popular e glorificar o 25 de Novembro, a direita passa pela porta que lhe foi aberta pelos autores do golpe novembrista. O golpe estancou a movimentação popular — essa sim, democrática no verdadeiro sentido do termo. Retirou do caminho da burguesia um obstáculo que dificultava o restabelecimento pleno do seu poder. Estendeu uma passadeira para que os grandes grupos económicos se recompusessem do abalo sofrido nos dezanove meses anteriores. A “normalização democrática” de 75 afastou a massa popular de qualquer papel no regime político e entregou-o por inteiro à elite do capital.

A querela à volta da manifestação de Lisboa mostra que a direita-da-direita de hoje quer ir mais longe do que foram os militares e os partidos novembristas — que considera frouxos. Contesta os equilíbrios políticos que o golpe de Novembro estabeleceu. Quer recuperar — não tanto na forma exacta, mas nas vantagens práticas — a liberdade de que o capital e as elites burguesas gozavam antes de a ditadura ter baqueado. Quer empurrar o novembrismo mais para a direita.

Mas, ao afirmar-se como a herdeira mais consequente do novembrismo, fazendo do golpe o acto por excelência fundador do regime (no que tem toda a razão), a direita terá de carregar às costas as desgraças que o mesmo regime destila. Porque tais desgraças não vêm do tímido esboço de democracia popular de 74-75. Vêm da “normalização” burguesa, da recuperação do poder económico do capital, da rédea solta dada às classes dominantes para explorarem, enriquecerem e corromperem. É essa a origem do fosso entre as classes e do apodrecimento social e político de que somos testemunhas.


Comentários dos leitores

Chico da Emilinha 27/4/2021, 15:23

OBRIGADO ! ! !

afonsomanuelgoncalves 28/4/2021, 15:28

Como é previsível o 25 de Abril está condenado ao esquecimento porque historicamente transformou o regime fascista num regime pluripartidário sem mais consequências políticas e sociais a não ser algumas reformas fundamentais e absolutamente urgentes e pagas com um brutal aumento da ďivida pública, isto é, pelo povo sem um centavo dos possuidores de grandes fortunas. Passados 47 anos exprime-se um pouco como as comemorações do 5 de Ourubro de 1910. O último parágrafo deste artigo é eloquente apesar da tentativa do assalto aos céus pela grande massa de operários que ocuparam fábricas e encheram as ruas com enormes manifestações.

CarlosM 8/8/2021, 21:24

A direita radical em Portugal subdivide-se em duas secções. A IL é a direita radical "intelectual", Observadora, "fofinha". O Chega é a direita radical trauliteira, racista, homofóbica, populista. Separa-as muita coisa, mas aproxima-as também muitas. Disputam avidamente o eleitorado do quasi-extinto CDS (para quem o 25 Novembro foi sempre o "verdadeiro" 25 Abril) e muitos laranjinhas descontentes, para além dos descentes dos saudosistas do 24 Abril


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