O baptismo de fogo de Joe Biden
Urbano de Campos — 15 Março 2021
A promessa de campanha do novo presidente dos EUA de regressar ao acordo estabelecido em 2015 com o Irão continua por cumprir. Permanece portanto válida e actuante a decisão de Donald Trump, em 2018, de romper o acordo e de impor sanções ilegais ao Irão. Certamente para mostrar músculo, Joe Biden promoveu, em 25 de Fevereiro, uma demonstração de força militar ao atacar alvos na Síria, junto da fronteira com o Iraque, justificando a acção como visando forças pró-iranianas. Foi o seu simbólico baptismo de fogo. Que mudança houve afinal, se houve alguma, com a eleição de Biden?
Sabe-se como Trump, no caso do Médio Oriente, fez cair a máscara, mantida durante décadas pelos EUA, de “árbitro” dos conflitos na região, em especial no respeitante à Palestina. E como, sem qualquer rebuço, ele fez de Israel o seu corsário para a empresa de criar o caos na região, tendo como alvo especial o Irão. Biden dá sinais de prosseguir aspectos marcantes das decisões de Trump, como é o caso de manter, contra as decisões da ONU, o reconhecimento de Jerusalém como capital do estado sionista, e de coordenar com Israel a pressão sobre o Irão.
Dez dias antes do ataque militar promovido por Biden, numa acção que só pode ser entendida como convergente, Israel atacou alvos sírios perto de Damasco, com o mesmo pretexto de visar milícias pró-iranianas.
Mais recentemente, um navio mercante iraniano que se dirigia para a Europa foi atacado com minas e sofreu um incêndio, procedimento que tem sido seguido por Israel para prejudicar o comércio e provocar a paciência dos iranianos. O jornal norte-americano Wall Street Journal, revelou em 12 de Março que, desde 2019, as forças armadas israelitas atacaram pelo menos 12 navios iranianos que se dirigiam à Síria, quatro deles petroleiros, pelo mesmo processo de minagem dos cascos.
Este ambiente de conflito permanente — que os EUA promovem, coadjuvados pelo seu braço armado na região — serve à administração Biden para adiar, sem data, o anunciado regresso ao acordo de 2015, ao mesmo tempo que tenta atirar para cima do Irão a responsabilidade de dar passos de aproximação. Hipocritamente, os EUA, que tomaram a iniciativa unilateral de romper o acordo, querem agora que sejam os iranianos a desenvolver “esforços diplomáticos e práticos para viabilizar a retoma das negociações”, como a comunicação social se encarrega de propagandear.
Ao mesmo tempo, com a promessa de regressar ao acordo, os EUA vão entretendo os aliados europeus co-signatários — aliados estes que, nos três anos decorridos desde o rompimento, praticamente nada fizeram para contrariar as sanções impostas por Trump à margem de qualquer legalidade. Têm sido, apesar de tudo, a China e a Rússia, também signatários do acordo, os países que mais apoio prestam ao Irão, quer no plano político, quer no plano económico.
A exaltação do “retorno à normalidade”, que alimentou manchetes e encheu páginas na imprensa europeia com a eleição de Biden, evita perguntar que tipo de normalidade é essa. Assenta na ideia cómoda, mas falsa, de que a era Trump foi uma aberração, um desvio temporário do curso normal das relações dos EUA com o resto do mundo.
A normalidade que Biden está a encarregar-se de fazer voltar é a que ele próprio definiu ao anunciar o rumo da sua política externa: “A América está de volta e pronta para liderar o mundo”. Pode Biden instalar um estilo diferente, pode ser brando com os velhos aliados europeus para lhes captar as simpatias e os apoios, pode a linguagem desbragada de Trump ser substituída pelos termos mais consensuais do formalismo diplomático — mas, quanto ao fundo, o propósito de “liderar o mundo” não difere, nem dos propósitos de sempre dos EUA, nem da ambição de Trump expressa no slogan “América primeiro”.
O que vai fazer a diferença é uma coisa que não está nos poderes de Biden contrariar, nem esteve nos de Trump: a dificuldade crescente do imperialismo norte-americano em impor-se ao mundo, por força da sua decadência e da crescente oposição que enfrenta.
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgoncalves 15/3/2021, 14:57
Apesar das clsssificações tenebrosas atribuídas na imprença americana durante no mandato de Trump, a questão da guerra só teve lugar como intervençào militar no Afeganistão cujos resultados foi uma enorme bomba lançada no desrto afegão. Com Biden a enceneção da guerra teve mesmo o bombardeamento da Síria de que eventualmente os aliados da Síria estarão atentos. Este acto reflecte evidente um envolvimento dos aliados sírios e, provavelmente, este não será desprevenido nem uma proposta de paz.