Onde já vimos isto?
António Louçã — 4 Fevereiro 2021
A campanha eleitoral e o acto eleitoral foram, desta vez, um recordatório de tudo o que se pode fazer para minar uma democracia burguesa e para abrir as portas, de par em par, a um regime autoritário ou fascista. À cabeça desse rol de infrações da lógica mais chã encontra-se, naturalmente, o dominó de capitulações de cada um ao vizinho da direita, e deste ao vizinho que está mais à direita.
Esta lógica está bem resumida na intervenção pós-eleitoral de João Soares, a lembrar que fora um apoiante da primeira hora de Marcelo, e a acrescentar logo no mesmo fôlego que Marisa Matias e João Ferreira foram responsáveis pela escassa vantagem de Ana Gomes sobre o candidato da extrema-direita, por terem teimado em levar as suas candidaturas até às urnas.
Ou seja, com aquela cara de pau que só pode ser hereditária, João Soares recomenda às duas candidaturas de esquerda que apoiem a sua camarada de partido, que ele próprio não apoiou. Faz o que eu digo, não faças o que eu faço – bem conhecemos esta moral “laica, republicana e socialista” do medíocre rebento da dinastia Soares.
Mas, assim como o PS procurou guarida no albergue espanhol que era a candidatura da direita conservadora, também esta vai, de abdicação em abdicação, legitimando politicamente a extrema-direita.
No CDS, desde logo, abriu-se uma crise com os magros despojos do partido a serem disputados entre a ala de Adolfo Mesquita Nunes, que pretende demarcar-se do Chega (mas com quê, se o CDS tem tão poucochinho que o distinga da extrema-direita?), e, do outro lado, eventualmente a ala de Nuno Melo, que pretende mimetizar-se com o Chega, e dizer tudo o que ele diz, pensando que consegue recuperar com a bajulação e a lisonja o eleitorado que lhe fugiu para lá.
Quanto ao PSD, Rui Rio não se dominou que não enaltecesse na noite eleitoral a capacidade do Chega para arrebatar ao PCP mais votos alentejanos do que o PSD alguma vez tinha conseguido. Quem o ouviu ficou varado com o contra-senso de ver o dirigente do PSD a rebaixar a capacidade do seu próprio partido como alternativa política e a tecer encómios à capacidade de um concorrente da extrema-direita.
E não nos enganemos sobre o casamento PSD-CDS, com expressa exclusão do Chega, nas próximas autárquicas. Esse casamento vem tarde e o PSD rapidamente notará que o CDS já quase nada lhe pode trazer em dote. Assim que se colocar a questão do poder, a aritmética só vai contar com quem tem votos e não com quem tem história. O Chega é o futuro do PSD e os Açores foram o balão de ensaio para esse futuro. O mesmo PSD que reconhece a superioridade do Chega em matéria de ocupar um antigo bastião comunista logo tirará as conclusões dessa homenagem. A direita vive com a tentação irreprimível de capitular à extrema-direita.
Comentários dos leitores
•Leonel Lopes Clérigo 8/2/2021, 18:19
Devo confessar que hesitei em enviar este "comentário" ao texto de António Louçã (AL). E a razão disso tem a ver com o tema que muita tinta já fez correr e apoquentar "cabeças".
O tema em causa é o FASCISMO - um nosso velho conhecido - que surge logo no início do texto de AL: a "campanha e o acto eleitoral" para a PR, podem ser vistas como um "recordatório" feito para "minar a democracia" e abrir as portas "... a um regime autoritário ou fascista".
1 - Já dispomos hoje de um considerável número de "estudos" sobre o longo período - de quase meio século - em que o FASCISMO de SALAZAR assumiu, hegemonicamente, o PODER em PORTUGAL. Mas, em minha modesta opinião, muitos desses estudos parecem perder-se num emaranhado de "múltiplas causas" que barram o que julgo ser essencial e o caracterizam, podendo até levar a certa confusão POLÍTICA e a "erros de apreciação" que se podem pagar caro.
Por exemplo: é o Sr. André Ventura "Fascista" assim como o CHEGA!? Que "Projecto Político" - a "chave", julgo eu, para se entender os "propósitos" dum partido - trazem eles na manga e que PROBLEMAS do PAÍS pretendem resolver e como? E mais e talvez o mais importante: que pensam aqueles que os apelidam de FASCISTAS, sobre as "intenções políticas/programáticas" de tal Partido e como procura ele "solucionar os graves problemas do PAÍS, já que o Sr. André Ventura e o Chega! são, pelo que é dado apreciar, um verdadeiro FLOP, um "espaço vazio".
2 - Vou reproduzir uma pequena parte dum texto do Jornal AVANTE! e onde se pode ler: "...evocar os laços estreitos entre a luta contra o fascismo em Portugal e a luta pela libertação nacional dos povos colonizados...que o V Congresso em 1957 tornou particularmente visível, com o relatório Sobre o Problema das Colónias, de Jaime Serra."
Esta posição do PCP sobre o (Nazi-)Fascismo parece-me correcta: a "ligação íntima" entre o NAZI-FASCISMO e o IMPERIALISMO ou, mais precisamente, a necessidade de certas Nações - chegadas com atraso ao DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - de CONQUISTAREM IMPÉRIOS COLONIAIS - que não dispunham - para poderem garantir o futuro do seu DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA - acedendo a "matérias-primas", "mercados" e "força de trabalho" com baixo custo para obter "lucrativos investimentos" - e prosseguir a "acumulação".
Estes Impérios foram a "Bandeira" nas "reivindicações" das potências do EIXO NAZI-FASCISTA ganhando, eufemisticamente, a designação de ESPAÇO VITAL, expressão curiosa, espécie de "gato escondido com rabo de fora".
3 - Nesta luta por IMPÉRIOS, o caso deste nosso Portugal é, de certa forma, "atípico" o que tem permitido alguma "confusão" e até a sua negação como "regime fascista". O PORTUGAL de SALAZAR não utilizou a IDEOLOGIA FASCISTA como "ideologia de guerra", "ofensiva", de "ataque", "arma de conquista expansionista", mas sim "defensiva": Portugal não "lutava por Impérios" - como lutava o EIXO "duro" e mesmo Franco - pela simples razão de já ter um. O "seu problema" era outro: conservar o que já tinha face à balbúrdia dos muitos pretendentes. O mapa "Côr-de-rosa" era um mau fantasma.
Isto conduziu Salazar a uma "política" muito "particular", defensiva mas "zig-zaguiante" (oportunista...), ora "dando" os Açores aos Aliados para poderem vencer a "Batalha do Atlântico", ora facilitando o "abastecimento" dos alemães na "costa portuguesa", para a mesma Batalha. Jogava assim em "todos os tabuleiros", segundo a velha "forma" das ratazanas jesuítas e ao estilo do Cardeal de Alpedrinha.
4 - É meu entender que, muitas vezes, continuamos a "caracterizar" mal o NAZI-FASCISMO - "ampliando" desmesuradamente o seu "conteúdo" - e isso por não colocarmos no centro a "original" QUESTÃO IMPERIALISTA/COLONIALISTA ou seja, a conquista de IMPÉRIOS - "com voz doce ou grossa" - pelas grandes Nações Capitalistas Industrializadas que deles necessitavam para poderem continuar sua EXPANSÃO CAPITALISTA bloqueada já pelos diminutos "mercados internos nacionais".
5 - Chego agora ao ponto que julgo essencial neste comentário: considero hoje desadequado falar-se, entre nós, de FASCISMO por "dá cá aquela palha" e ao "estilo papão". Com a liquidação, sem "regresso", do IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS, julgo que o FASCISMO perdeu sua "base de sustentação", deixando de "haver espaço" para colocar "na ordem do dia" a ideologia Fascista/Salazarista imperial. A não ser que se lhe dê outro "CONTEÚDO" que eu não consigo ver qual nem acho adequado.
Isto não quer dizer que aposto no "apagão" Histórico do Fascismo - continuam a existir Impérios CAPITALISTAS que se podem erguer ou decair, "esbracejando" no "duro"... - nem que a pindérica BURGUESIA TUGA já colocou na gaveta os "regimes de força". Nada disso : as CRISES profundas - como as de hoje - são um verdadeiro "chamariz".
Mas julgo que temos que ter em atenção que o "vocabulário politico" já contempla muito por onde escolher, permitindo adequarmo-nos melhor à "situação concreta" e abandonar um certo estilo "impressionista" e "imediatista": Ditadura, Despotismo, Tirania, Repressão, Autoritarismo, Cesarismo, Bonapartismo, Totalitarismo...Enfim: "Cada côr o seu paladar"... como dizia o velho vendedor de caramelos embrulhados em vários "papeis coloridos".
•afonsomanuelgoncalves 9/2/2021, 13:08
Não só a direita tem a tentação de atraír a extrema direita como a social- democracia sofre da mesma apetência, Brecht referiu que até os próprios partidos sociais democratas do seu rempo eram mais partidos moderadamente fascistas do que verdadeiramente democratas, e como se vê nos nossos dias essa realidade manifesta-se diariamente.
•Isabel Maria Viana Moço Martins Alves 26/1/2022, 20:56
É um excelente artigo.