O estado da nação

Editor — 29 Janeiro 2021

De acordo com um estudo da consultora Mercer divulgado pela imprensa, os directores executivos das empresas portuguesas ganham em média 10 vezes mais do que os respectivos trabalhadores, incluídos aqui todos os trabalhadores, sem diferenciação de escalões ou funções. Mas a coisa piora substancialmente quando se entra no detalhe.

Aquela diferença reporta-se apenas aos vencimentos fixos. Mas, somado o vencimento variável, como prémios e outras vantagens (que nos administradores é em média de 45% em cima do fixo e nos trabalhadores é de 13%), a diferença sobe para 13 vezes. Se forem consideradas as maiores empresas do país, a diferença passa a 30 vezes. E se, dentro destas, considerarmos as cinco maiores — Galp, EDP, Semapa, Sonae e CTT — a desproporção aumenta para 50 vezes.

Os directores das 18 maiores empresas (PSI20, cotadas na bolsa de valores de Lisboa) ganharam em média 916 mil euros em 2019, mais 20% do que em 2018. Os vencimentos dos respectivos trabalhadores, no mesmo ano, foram em média de 29 mil euros, mais 1,5% do que em 2018. Como é bom de ver, as diferenças serão muito maiores em relação aos escalões mais baixos de trabalhadores, distinção que o estudo não revela.

Para que conste, eis os vencimentos dos cinco mais bem pagos: António Mexia (EDP) 2,17 milhões de euros; Pedro Soares dos Santos (Jerónimo Martins/Pingo Doce) 1,76 milhões; Manso Neto (EDP) 1,48 milhões; João Castelo Branco (Semapa) 1,42 milhões; Carlos Gomes da Silva (Galp) 1,39 milhões. (*)

Particularizando, o patrão do grupo Jerónimo Martins/Pingo Doce, com os seus quase 1,8 milhões de euros em 2019, arrecadou 150.000 euros por mês; enquanto o salário médio dos trabalhadores se ficou pelos 10.500 euros anuais, menos de 900 euros por mês — uma disparidade de 167 para 1.

A talhe de foice: o Pingo Doce tem-se especializado em verdadeiras atitudes de provocação não só aos direitos dos trabalhadores como à legislação em geral. Desde há anos, tem lançado agressivas campanhas de vendas nos dias 25 de Abril e 1 de Maio, proibindo os trabalhadores de folgarem nesses dias, no intuito deliberado de combater o significado político desses feriados e das comemorações.

Fez o mesmo recentemente, procurando atrair mais clientes às lojas no fim de semana de 23-24 de Janeiro, em clara violação de regras explícitas do confinamento. O sindicato dos trabalhadores do sector (Comércio, Escritórios e Serviços – CESP) fez uma denúncia deste facto à ASAE, que prometeu “avaliar o caso”. Os patrões do Pingo Doce deram a volta à questão retirando a publicidade exterior sobre a campanha, quando ela já tinha produzido o efeito desejado!, e mantendo a publicidade no interior dos estabelecimentos.

Não seria esta situação motivo para os trabalhadores do Pingo Doce se organizarem para boicotar a campanha, tomando em mãos a resolução do assunto, defendendo-se a si próprios e impondo o cumprimento da lei? Não seria oportuno que o sindicato mobilizasse os trabalhadores para agirem nos locais de trabalho, sem se enredar em queixas burocráticas, sem esperar pelas ponderadas avaliações da ASAE?

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(*) António Mexia e Manso Neto foram entretanto suspensos dos cargos por ordem dos tribunais, e depois demitidos, sob acusações de fraude e corrupção — processo que envolve, entre outros, o ex-ministro Manuel Pinho, o BES e… Ricardo Salgado, pois claro. Manuel Pinho, quando era ministro, recebia 15 mil euros por mês de luvas, pagas por Ricardo Salgado, para favorecer os negócios da EDP, de que o BES era accionista.


Comentários dos leitores

Leonel Lopes Clérigo 30/1/2021, 14:03

Tal como o texto acima há, felizmente, alguns outros que nos vão fornecendo elementos curiosos sobre o "ganha-pão" dos "nossos" mais "chorudos" Capitalistas. Mas surge uma questão: que fazem eles ao "papel" que lhes "cai do céu" nas contas Bancárias ou, directa ou indirectamente, nas algibeiras? Há alguma coisa "de jeito" que possamos ver em prol da melhoria da capacidade produtiva do País aliviando a vida atribulada do "TUGA"? E mais: valeu a pena "substituir" os velhos "cavaleiros da Indústria" por estes "modernos" CAVALEIROS de EMPRESA de extracção RENTISTA?

Quanto a mim - um fã "furioso" da "Teoria da Conspiração" - quando leio coisas destas, desato de imediato a questionar: "que fazem estes marmelos ao dinheiro que obtêm? Comem as "notas de banco" do pequeno almoço ao deitar? Compram apartamentos em Nova Iorque?..." E logo de seguida vem a dúvida: "Será que isto é tudo para eles ou são "testas de ferro" de uma outra e mais "democrática distribuição"? De facto: Quem são estes "especiais de corrida" ou que Totoloto lhes saiu na rifa, para obterem tão importantes "cargos" com os inerentes "presentes" que caem do céu?
Ou muito me engano ou aqui há gato?...

afonsomanuelgoncalves 31/1/2021, 13:48

Perante este panorama claríssimo da situação relativa à distribiicao da riqueza não é difícil perceber que esta engrenagem é irreformável e que as forças políticas dominantes estão de acordo com elas. Por isso só a destruição do regime que premeia esta arbitrariedade poderia resolver todos estes problemas e a única classe que está em condições de a levar à prática não possui representação politica para realizar essa justa solução.


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