Parque jurássico

Editor — 30 Setembro 2020

A TSF reanimou um fóssil por alguns minutos, numa entrevista a Ferraz a Costa transmitida a 26 de Setembro. O homem, que foi presidente da CIP durante 20 anos, é presidente (pois claro) duma associação patronal chamada Fórum para a Competitividade. Além de gerir os negócios da família, do ramo farmacêutico (Iberfar), nunca se lhe conheceu actividade laboral propriamente dita. Fala do trabalho dos outros, como patrão.

A entrevista mostrou o Ferraz da Costa de sempre: sem uma ideia própria, sem uma proposta, sem um argumento discutível — a imagem da indigência mental de muito do capitalismo luso. Mas Ferraz da Costa apresenta uma vantagem quando comparado com patrões de discurso rebuscado: destila ódio ao mundo do trabalho e mostra assim o que vai, lá bem no fundo, nas hostes do capital.

Legislação laboral? Demasiado rígida porque dificulta os despedimento. Desenvolvimento económico? O que é preciso é atrair capital estrangeiro. A governação dos últimos anos? Só disparates, tenho pena que a troika se tenha ido embora. Covid-19? Os médicos sentiram-se os donos da bola e exageraram. Medidas de confinamento sanitário? Nem as escolas nem os negócios deviam ter fechado.

Sintomaticamente, nem uma palavra sobre, por exemplo, o lay-off simplificado, à sombra do qual o Estado distribuiu de borla milhões de euros do erário público, retirados dos bolsos do trabalho, para manter o capital a flutuar.

Mas o ponto alto (?) da mensagem de Ferraz da Costa esteve aqui: “Aumentar o salário mínimo é uma ideia criminosa”. Mais: “Se as pessoas não tiverem medo de deixar de receber ordenado é evidente que ficam melhor em casa”. E, diante da insistência do entrevistador, que perguntou se fazia sentido as pessoas terem medo de perder o salário, sublinhou sem rebuço: “Ai, faz, faz!”

Eis assim recuperado o método do capital mais primitivo que, 300 ou 500 anos depois, ainda faz o seu curso: retirar meios de subsistência às populações para as obrigar ao trabalho assalariado, colocando-as ao nível, ou mesmo abaixo, da simples sobrevivência física.

A entrevista, talvez por acaso, deu-se a dois dias do aniversário do 28 de Setembro de 1974. Há 46 anos, o capital português alinhou na conspiração montada pelo general Spínola, com o propósito de reverter o 25 de Abril e destroçar a onda popular que se afirmava. A CIP esteve de corpo inteiro na conspiração. Tinha sido fundada logo em Maio de 74, era liderada por António Vasco de Mello, um dos bonzos da economia fascista, e já contava nas suas fileiras com o jovem-turco Ferraz da Costa.

A aposta spinolista da CIP saiu furada. A mobilização dos trabalhadores e dos pobres de então barrou na rua a direita e criou as condições para as conquistas obtidas até ao verão do ano seguinte. Não se despreze o que vai na alma dos Ferrazes da Costa — combata-se, tirando a lição de 74-75.


Comentários dos leitores

leonel clérigo 2/10/2020, 9:11

Ao "revisitar" algumas pérolas do pensar "profundo" do "Cavaleiro da Indústria" o Sr. Ferraz da Costa, o MV fez-nos o favor de recordar um verdadeiro "paradigma" do nosso dinâmico Capitalismo. Fico, por isso, grato mas admirado como este País ainda consegue subsistir neste Planeta. Não será melhor vender isto "por atacado"? Talvez os USA nos compre como fizeram com o Alaska.

E mais: tudo me leva a crer que qualquer Plano "Resiliente" para ter um mínimo de sucesso, tem que considerar e logo no início, as verbas para "REFORMAR" a grande maioria dos "CAPITALISTAS" lusos e pô-los a "descansar" nos "lares" de Terceira idade com uma reforma "choruda", não vão eles ter a tentação de "VOLTAR À ACTIVIDADE". Sem isto é escusado: preparemo-nos - os que conseguirem cá ficar - para mais uns séculos de SUBDESENVOLVIMENTO.


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