A hora dos reformadores sociais

Editor — 9 Agosto 2020

Chovem as promessas de que “isto” tem de mudar, por se ter tornado (evidentemente) insustentável. “Isto” é o aumento das desigualdades, o desperdício, a destruição ambiental. Disse-o recentemente, falando para o mundo, o secretário-geral da ONU António Guterres. Disse-o também, em escala caseira, o professor António Costa Silva, encarregado pelo Governo de traçar um plano de recuperação económica.

Precisamos de um “Novo Contrato Social para uma nova era”, precisamos de “um novo modelo económico e social” — clamam os reformadores sociais que a pandemia trouxe à ribalta. Diante dos desastres inegáveis do “mau” capitalismo, diante do que chamam as “fragilidades” do “modelo” da economia dominante, diante enfim da evidência predatória e caótica do capitalismo, pugnam por um “bom” capitalismo. Insistem em alimentar, pela enésima vez, a esperança no “renascimento da economia e da sociedade”, bastando proceder a umas correcções de rumo. (*)

Acontece, porém, que a pandemia veio expor as “fragilidades” — não apenas de “um modelo” de economia, mas de um inteiro sistema de organização social. É esta a realidade a que tais reformadores permanecem cegos.

O que temos pela frente é a falência (com contornos históricos) do capitalismo real, do capitalismo tal como ele é. Falência que revela o estado senil de um sistema de produção que não só não se dirige às exigências materiais das populações, como nem responde sequer a necessidades vitais da maioria das pessoas. Foi esta radiografia que a pandemia veio mostrar.

Um organismo cuja condição de sobrevivência é criar desigualdade crescente, travar o progresso social, corromper as suas próprias instituições não “vai” por mau caminho: é um mau caminho. O capitalismo, por junto, está em causa por se ter tornado incapaz, nesta sua etapa final, de assegurar progresso e se ter tornado, pelo contrário, factor de decomposição social. Como um par de sapatos velhos que já não servem para nada e só nos magoam o andar — mas que hesitamos em deitar fora.

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(*) Frases de um discurso de António Guterres para a Fundação Nelson Mandela (18 Julho 2020) e de um artigo de António Costa Silva no Público (21 Abril 2020)


Comentários dos leitores

afonsomanuelgoncalves 10/8/2020, 16:51

Se em 1848 um espectro percorria a Europa, em 2020 outro de cariz contrário percorre todo o Mundo. O 1° estava no início de uma nova civilização, este está no fim da velha civilização. Apanhado de surpresa o gigante adormecido e embriegado pelo triunfo exuberante da sua superioridade perante um adversário que reconhecia a sua incapacidade para levar a cabo a realizaçào do espectro de 1848 não recuou e agora aparece complacente e determinado a corrigir as feridas criadas pelos vampiros que assolaram a segunda metade do séc. XX e reforçaram sem tibiezas o séc. XXI. Neste estado de perturbação irremediável aguarda-se serenamente o desfecho deste último capítulo.


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