Libertar Lula: um passo para derrubar Bolsonaro

António Louçã — 8 Novembro 2019

Sejam quais forem as sequelas da decisão anunciada pelo Supremo Tribunal brasileiro, uma certeza se impõe: a questão de libertar Lula tem sido única e exclusivamente uma questão política, como o foi também a questão de condená-lo e prendê-lo.
Com a condenação de Lula em ritmo turbo e em tempo recorde garantiu-se que ele não pudesse disputar uma eleição em que todas as sondagens o apontavam como folgado vencedor. Lula tinha de ser condenado para Bolsonaro ser eleito. Agora, era preciso que Lula fosse libertado para o poder da quadrilha Bolsonaro começar a ser seriamente posto em causa.

Durante o processo contra Lula, pouco importava apurar os factos e prová-los: os factos eram, como admitiu o juiz de instrução Sergio Moro, “indeterminados”. O que importava era montar um espectáculo que promovesse o linchamento público de Lula e consolidasse os efeitos da destituição de Dilma Rousseff. Por isso, o processo que se dizia exemplar no empenhamento contra a corrupção esteve desde sempre inquinado por atropelos formais, como esse de o procurador e o juiz de instrução conspirarem para urdir a estratégia que garantisse a condenação, em telefonemas secretos que depois vieram a público.

Os atropelos formais eram a ponta de um iceberg de interesses de classe: a burguesia, olhando também o contexto internacional, virara de bordo. Depois de anos a consolidar a sua posição e a alargar os seus negócios sob a asa protectora de Lula e Dilma, essa burguesia sôfrega e ingrata decidira que era tempo de subir a parada. Tratava-se agora de criar um novo quadro político em que tais negócios passassem a fazer-se com uma liberdade ainda maior: a liberdade neo-liberal de um Pinochet, com luz verde para matar opositores como Marielle Franco e activistas indígenas como Paulo Paulino, para aterrorizar a classe trabalhadora e para incinerar a Amazónia a bem da cultura da soja, da exportação da carne, da mineração e do corte de madeiras.

A burguesia brasileira, com o apoio do imperialismo norte-americano, só pôde atrever-se a esta viragem porque os governos e os presidentes do PT durante anos lhe permitiram acumular forças. Ao mesmo tempo que encorajava a arrogância da burguesia, o poder pêtista sufocava além disso as reivindicações dos trabalhadores e agravava o ressentimento dos excluídos. Projectos como a barragem de Brumadinho tornaram-se símbolos da irresponsável megalomania e do novo-riquismo desse poder pêtista. A corrupção, que vinha de trás, e agora prossegue desembestada, prosperou sem limites nem vergonha sob a égide do PT.

Mesmo se se admite que Dilma tem as mãos limpas, e mesmo se ninguém provou que Lula as tenha sujas, o facto é que o poder pêtista tem uma responsabilidade política nos flancos que ofereceu a esta quadrilha aprendiza de fascista, agora instalada no governo. A campanha para libertar e manter Lula livre não tem de ser uma campanha para endeusá-lo nem pode transformar num conto de fadas a narrativa sobre a sua governação.

Impedir que volte a haver presos políticos, impedir que Lula volte a ser um preso político, é barrar o caminho a uma nova ditadura. Como caiu Color de Mello, assim terá de cair a quadrilha Bolsonaro: com as mobilizações de rua que só ganharão ímpeto se tiverem um horizonte mais prometedor que o dum regresso aos arranjos de secretaria e ao negocismo mesquinho dos burocratas pêtistas.

———

Texto actualizado em 9.11.2019


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar