Barbárie sob bandeira democrática IV
A gaffe nuclear da NATO
Manlio Dinucci (*) — 19 Outubro 2019
É um segredo de Polichinelo. Mas é também um dos desmentidos mais formidáveis da Aliança Atlântica: bombas nucleares estão armazenadas, violando o Direito Internacional, em Itália, na Alemanha, na Bélgica, na Holanda e na Turquia. Por lapso, um membro da Assembleia Parlamentar da NATO reproduziu-o num relatório, prontamente retirado.
Que os EUA mantêm bombas nucleares naqueles cinco países da NATO está há muito comprovado, em especial pela Federação dos Cientistas Americanos (1). No entanto, a NATO nunca o admitiu oficialmente. Mas algo deu para o torto.
No documento intitulado Uma nova era para a dissuasão nuclear? Modernização, controle de armas e forças nucleares aliadas, publicado pelo senador canadiano Joseph Day, em nome da Comissão de Defesa e Segurança da Assembleia de Defesa da NATO, o “segredo” veio a público. Através da função “copiar/colar”, o senador mencionou, inadvertidamente, nesse documento o seguinte parágrafo (número 5), extraído de um relatório confidencial da NATO:
“No contexto da NATO, os Estados Unidos instalaram em posições avançadas, na Europa, cerca de 150 armas nucleares, especificamente bombas gravitacionais B61. Estas bombas estão armazenadas em seis bases dos EUA e europeias: Kleine Brogel, na Bélgica, Buchel, na Alemanha, Aviano e Ghedi-Torre, na Itália, Voikel, na Holanda, Incirlik, na Turquia. No cenário hipotético de serem necessárias, as bombas B61 podem ser transportadas por aviões de dupla capacidade, dos EUA ou da Europa”.
Ao acusar a Rússia de manter muitas armas nucleares tácticas no seu arsenal, o documento afirma que as armas nucleares instaladas pelos EUA em posições avançadas na Europa e na Anatólia (ou seja, perto do território russo) servem para “garantir o amplo envolvimento dos Aliados na missão nuclear da NATO e como confirmação concreta do compromisso nuclear dos EUA com a segurança dos aliados europeus da NATO”.
Assim que o documento do senador Joseph Day foi publicado online, a NATO interveio, excluindo-o e tornando a publicá-lo numa versão corrigida. No entanto, foi tarde demais. Alguns sites (sobretudo, o belga De Morgen) já o tinham registado na versão original completa (2). Nesta altura, o autor descuidado correu a proteger-se, escrevendo no The Washington Post que se tratava, simplesmente, de um rascunho para a preparação de um relatório da Assembleia Parlamentar NATO, que será publicado em Novembro (3). No entanto, não pode negar o que estava escrito no parágrafo mencionado no relatório confidencial da NATO.
Isto confirma o que, desde há anos, temos documentado (4): em Aviano, os caças F-16C/D estão prontos para um ataque nuclear com 50 bombas B61 (número estimado pela Federação de Cientistas Americanos); em Ghedi-Torre, os Tornado PA-200 italianos estão prontos para o ataque nuclear sob comando EUA, com 20 bombas B61. A partir de 2020, as B61 serão substituídos pelas B61-12, destinadas especialmente aos novos caças F-35.
Tudo isto violando o Tratado de Não-Proliferação, ratificado quer pelos EUA, quer pela Itália — enquanto o Parlamento [italiano] se divide sobre o TAV [comboio de alta velocidade], mas não sobre a Bomba, que tacitamente aprova por unanimidade.
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(*) Geógrafo e analista geopolítico. Escreve no jornal italiano Il Manifesto. Artigo publicado em 26 Agosto 2019
(1) “MFA State Minister Hoyer Defends Withdrawal of Tactical Nukes, New CFE Initiatives”, ambassador Philip Murphy, November 12, 2009, source Wikileaks. “Non-Strategic Nuclear Weapons”, Hans Kristensen, FAS, May 2012.
(2) De Morgen, Juni-juli 2019.
(3) “Secret locations of U.S. nuclear weapons in Europe accidentally included in report from NATO parliament”, Adam Taylor, Washington Post, July 16, 2019.
(4) “As 300 Hiroshimas da Itália”, Manlio Dinucci, Il Manifesto, Dezembro 2015