O internacionalismo deles

António Louçã — 5 Outubro 2019

Donald Trump é um chauvinista furioso, que sonha em voz alta com fossos cheios de crocodilos para deter os migrantes latino-americanos na fronteira dos Estados Unidos, que arranca as crianças migrantes dos braços das suas mães e que manda abrir fogo para as pernas de quem pede para entrar. Tudo isto não é apenas retórica: o chauvinismo de Trump mata.

A realidade palpável do chauvinismo trumpiano não deve, por outro lado, toldar-nos a visão para um outro aspecto da sua orientação política: o inquilino da Casa Branca tem uma agenda de luta de classes – contra os pobres, contra os marginalizados, contra os negros, contra as mulheres, e, em última análise, contra o proletariado norte-americano que hoje ainda vota nele.

Por agora, as lutas desse proletariado são ainda atomizadas. Dezenas de milhares de trabalhadores da General Motors estão em greve há três semanas. Os e as docentes de Chicago irão para greve ainda neste mês.

Mas, em toda a sua ignorância, Trump tem um sábio instinto de classe a avisá-lo do perigo mortal que pode correr, assim que o proteccionismo anti-chinês fizer ricochete, assim que a recessão agarrar pela garganta o eleitorado mais simplório e assim que as lutas atomizadas irradiarem o seu exemplo, com o vento favorável da crise económica.

Por ter esse sábio instinto, o presidente ianque põe sempre de lado o chauvinismo quando se trata de minar algum compatriota que, na sua mente paranóica, possa tornar-se um polo aglutinador da oposição. Tal como beneficiou da ajuda de Putin para derrotar a dondoca democrata nas eleições de 2016, empreendeu agora chantagear o presidente ucraniano para desacreditar Joe Biden, um dos democratas que poderão vir a enfrentá-lo nas eleições de 2020. E, depois de ser apanhado em flagrante nessa chantagem, ainda veio reclamar em público que a Ucrânia e a China (!) investigassem os negócios do clã Biden.

Do mesmo modo, foi Trump quem encorajou Netanyahu a proibir a visita da deputada democrata Rashida Tlaib, argumentando que ela iria manifestar a sua solidariedade com o povo palestiniano. Até aí, não passaria pela cabeça a Netanyahu impedir a visita de uma representante eleita do povo americano. Foi Trump quem lhe deu a ideia, porque considera a inimiga interna mais detestável do que a humilhação imposta ao Capitólio por um governo estrangeiro.

Enfim, apesar do mal-estar que lhe causou o assassínio e esquartejamento de um jornalista do Washington Post pelos sicários do príncipe herdeiro saudita, Trump continua a apoiar esse príncipe contra qualquer rival regional: contra o Irão, porque os rebeldes huthis seus aliados retaliam contra o genocídio saudita no Iémen; e mesmo contra o Qatar, porque a Al Jazeera difunde os podres do regime de Riade.

Significa isto que Biden, Khashoggi ou mesmo Rashida Tlaib, pudessem ter-se tornado arautos de uma indignação popular contra as ambições autocráticas de Trump e contra a falsidade das suas pseudo-soluções económicas? Longe disso. O que significa é que esta burguesia representada pelo inquilino da Casa Branca conservou o mesmo “internacionalismo” dos Thiers e Gallifets, que pregavam a defesa da pátria para depois fazerem massacrar a Comuna de Paris com a ajuda dos invasores prussianos. E significa, por outro lado, que perdeu o discernimento desses seus antepassados, que cai facilmente presa do pânico, que dispara em todas as direcções e que vê em todo o lado o fantasma do proletariado revolucionário mesmo sem ele se fazer presente em carne e osso.


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