Movimento sindical debaixo de fogo

Urbano de Campos — 3 Agosto 2019

A postura arbitral que o Governo assumiu, em Abril, para mediar o conflito entre os camionistas de matérias perigosas e a associação patronal, caiu de forma flagrante. Em tudo, para efeitos práticos, o Governo colocou-se agora do lado da ANTRAM e contra os sindicatos (SNMMP e SIMM) que lançaram o pré-aviso de greve para 12 de Agosto.

Pode discutir-se a oportunidade ou o tacto dos sindicatos ao anunciarem esta nova greve, mas não se pode com isso esconder o facto de o Governo se ter bandeado para o lado dos patrões dos transportes, escudado no pretexto de defender o interesse “do país”.

Alinhados com os patrões directamente visados pela greve, estão muitos outros patrões que levantam vozes em uníssono dizendo-se prejudicados e exigindo medidas contra os grevistas: táxis, agricultores, indústria, agentes turísticos, hotelaria, comércio em geral, etc. etc. Uma verdadeira união patronal está conjugada na condenação da anunciada greve, com propósitos que vão muito além da resposta à presente luta.

Invocando razões “de segurança”, o Governo não apenas ampliou consideravelmente os serviços mínimos, como mobilizou centenas de agentes da polícia com carta de pesados para substituir os camionistas. O ministro das Infraestruturas, que em Abril mediou o acordo entre patrões e trabalhadores, aconselhou agora a população a acautelar os seus abastecimentos, dando ares de drama à situação. O ministro da Economia, por sua vez, aproveitou para lançar o mote da revisão da lei da greve, no sentido de a restringir, obviamente, dado o contexto em que o anuncia.

Em cima de tudo isto, o primeiro-ministro, à saída de uma reunião com o presidente da República, tratou de desacreditar as motivações da greve, dando-a como “incompreensível” e “sem senso”, e falando repetidamente num “sentimento de revolta” da população, de que ele se julga intérprete — no que só pode ser entendido como um modo de atear o fogo da opinião pública contra os camionistas.

Veremos o que dão as reuniões (“as derradeiras”, disse António Costa) marcadas para a próxima segunda-feira. Mas com o que se viu até agora já se pode fazer um retrato.

Tudo junto, dá para entender que está montada uma operação que, contra o que o Governo anuncia, não visa apenas “mitigar” os efeitos da paralisação — mas sim derrotar a greve e esmagar a luta dos camionistas. Com isso, desenha-se um propósito: dar uma lição aos trabalhadores que ousem levantar exigências consideradas “incomportáveis” pelo patronato, e pôr na ordem sindicatos que não se conformem com promessas e façam uso da força que lhes assiste.

De caminho, está na agenda do poder coarctar o direito de greve, correspondendo a uma exigência de longa data do patronato. E, assim, é o movimento sindical e a sua capacidade reivindicativa que estão debaixo de fogo.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgoncalves 3/8/2019, 22:47

Apesar de Urbano de Campos denunciar uma manobra repressiva e ilegal pelo governo contra a greve dos camionistas agendada para 12 de Agosto e ao mesmo tempo questionar a sua pertinência acaba por limitar um pouco a sua análise, que no caso concreto merece uma reflexão crítica sobre o que tem acontecido com um conjunto de outras greves realizadas nos últimos tempos e compará-las com a prática geral ocorrida noutros tempos. Parece-me pois, que esta matéria poderia ser tratada com maior desenvolvimento e minúcia. Assim fica muita coisa por dizer em relação à vida sindical e dobretudo ao modo como tem sido conduzida pelos diversos sindicatos.

aov 5/8/2019, 16:08

Ontem fui meter gasolina numa dada bomba e estava esgotada. É muito natural que os camionistas já tenham começada a greve não reabastecendo os postos. O governo/antram e a FECTRANS/CGTP diz é o maior sindicato do sector estão a negociar o CCT. A FECTRANS tem um grande historial de traições. É muito natural que a mesma acabe por trair mais uma vez. Alguns sectores estão a fazer pressão com o governo sobre a greve.É possível que policias, militares, etc se metam ao caminho para o reabastecimento dos combustíveis, mas esperamos que os mesmos não provoquem acidentes. Por que conduzir camiões não é a mesma coisa que conduzir camiões carregados de combustível e gás. Isso seria pior a emenda que o soneto.

leonel clérigo 8/8/2019, 13:18

SOLIDARIEDADE
Refere-se, com alguma frequência, que “o poeta é um fingidor…” E, como nós, portugueses, temos “um país de poetas” não é descabido dizer-se que somos bons fingidores: fingimos a torto e a direito e hoje muito mais a torto que a direito.
Mas por azar nosso, a LUTA de CLASSES não é nenhum “fingimento”: é coisa bem real. E assume várias formas, mais ou menos “pacíficas”, mais ou menos “violentas” e até, por vezes, “de vida ou de morte”.
Tudo isto é função da “dimensão” das ROUBALHEIRAS que se faz a quem trabalha e que, por sua vez, procura responder conforme o “tamanho” do seu desagrado.
1 - As GREVES, estão hoje geralmente na “categoria” das “respostas pacíficas” do mundo do trabalho à "roubalheira" de que é vitima, fazendo parte do que se designa por “luta económica” dos trabalhadores contra a eterna “tentação” do burguês capitalista em sacar o máximo do lucro. Nesta tentação, o capitalista procura transformar o “seu” trabalhador num indigente. Seu “ideal” será fazer este não comer, andar nu, viver ao relento, nunca adoecer, constituir família "só depois de velho reformado" e ser órfão de pais desde que começa a trabalhar. Assim, a única "despesa" do “empregador” - e por razões óbvias - seria apenas levar a "carreta" a depositá-lo na vala comum. Tudo o "resto", entrava na “categoria económica” do “lucro”. Ao pôr tudo isto em causa, o Governo anunciou sua intenção em "extinguir" a "figura" da "greve", mostrando claramente a sua "independente" aliança com o capital.
2 - A História regista (animada pelos profundos “erros” da Teleologia) que o Trabalhador já teve várias “caras” cá no nosso Ocidente: já foi Escravo, já foi Servo da Gleba e é agora Assalariado, “saltos” que fizeram três épocas de Modos de Produção.
Mas hoje, com tanta “capacidade produtiva”, é justo antever que a “exploração do trabalho” termine por aqui e a “mão invisível” sofra uma irremediável trombose. Aguarda-se então que a sucessora da “Revolução Francesa” cumpra a sua tarefa e dê, finalmente, um pouco de sossego e razão às nossas cabeças.
3 - Hoje, entre nós, a LUTA de CLASSES resolveu, sem dizer “água vai”, sair à rua.
Para a nossa Pequena-Burguesia “esparvecida” isto é um descalabro: estava tudo tão “sossegadinho”, tão bem comportado, de quem aceita a sorte que Deus lhe deu e vieram uns rafeiros e mal-cheirosos “motoristas” estragar o “arranjinho” e as férias que só acontecem uma vez por ano. Porrada p’ra cima deles! É para isso que servem os governos: para “meter as coisas na ordem”.
É certo que se pode ir a Espanha meter gasolina como se vai a Badajoz comprar “caramelos”: até serve de passeio, entrar em Espanha por Ayamonte e reentrar em Trás-os-Montes. E como não “industrializámos” o País - nem, aqui para nós, é intenção fazê-lo… - coitados dos capitalistas “tugas” que não podem pagar ordenados à “welfare state” do norte europeu: só do “terceiro mundo”.
4 - O nosso Governo foi hoje forçado a “borrar a pintura”: mostrou - na Luta de Classes - qual é a "equipa" da sua larga “preferência”, em que "camarote" é que ele abanca. E isso é um mérito dos motoristas que já ninguém lhes tira. Daí, toda a minha solidariedade para com a sua luta.


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