EUA e UE perdem primeiro assalto

Manuel Raposo — 1 Março 2019

Se a manobra montada pelos EUA em 23 de Fevereiro, na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia, pretendia ser o golpe final contra o regime venezuelano, a coisa fracassou. Contrariamente à dramatização que os meios de propaganda fizeram do caso, entre eles a “nossa” RTP, nem os militares venezuelanos desertaram, nem os confrontos chegaram para justificar no imediato uma acção militar externa. O cavalo de Tróia não atravessou a fronteira.

O insuspeito New York Times acabou por designar a cena como “caótica e inconclusiva”, acrescentando que “embora alguns membros das forças de segurança tenham desertado, a esperança do sr. Guaidó de que as forças armadas se pusessem de parte e até se juntassem aos seus apoiantes que agitavam bandeiras não se concretizou”.

Mas o que se passou foi apenas um acto do cerco do imperialismo norte-americano à Venezuela, não o último. Tudo dependerá das forças populares que Nicolás Maduro conseguir reunir e do apoio internacional que receber.

Contra o que diz a campanha mediática oficial, a Venezuela não está isolada. Tem contra si a força poderosa dos EUA e dos seus mais directos lacaios na América Latina (nomeadamente a Colômbia e o Brasil) e parte da subserviente União Europeia. Mas tem por si, além da Rússia e da China, o México e a Nicarágua, a maioria do países da ONU e da União Africana.

No próprio dia 23, acções de solidariedade foram levadas a cabo em mais de 150 cidades de todo o mundo (incluindo Lisboa, numa iniciativa promovida pelo Conselho da Paz). Nos EUA houve manifestações em diversas cidades de 35 estados convocadas pela coligação No War on Venezuela.
Também em Caracas o regime fez uma prova de força com um comício participado por dezenas de milhares de pessoas, que deixou na sombra o concerto promovido pelo magnata Branson — esse piedoso aliado dos venezuelanos pobres…

Maduro apelou à mobilização popular: “Sejamos orgulhosos da nossa coragem, do nosso poder popular. Esta é uma batalha pela dignidade diante daqueles que querem que nos ajoelhemos diante do imperialismo”.
Uma declaração de partidos e organizações de esquerda, incluindo o Partido Comunista da Venezuela e o Partido Pátria para Todos, exortou os trabalhadores e o povo a defenderem o governo, mas acrescentava: “Pedimos o estabelecimento de um controle operário-camponês-comunal e popular sobre os processos de produção, comercialização e distribuição e a promoção de um plano de industrialização nacional e de uma verdadeira revolução agrária que nos retire definitivamente da dependência, exploração e extorsão antipatriótica impiedosa dos grandes inimigos históricos do povo venezuelano e do mundo”.

Os dirigentes norte-americanos, logo depois dos fracos resultados de dia 23, reafirmaram o propósito de derrubar o regime, insistindo na ameaça da intervenção militar. Os generais brasileiros parecem ser agora os protagonistas de um segundo acto da operação. Guaidó, em vez de regressar à Venezuela, dirigiu-se a Brasília para contactos com Bolsonaro, no que parece ser o acerto de uma nova ofensiva fronteiriça sob a capa da “ajuda humanitária”.

Mas também a hipótese de intervenção militar externa tem os seus obstáculos. Desde logo, a resistência das Forças Armadas e das milícias populares venezuelanas. E também o facto de nem a UE nem os aliados sul-americanos de Trump se quererem comprometer num banho de sangue. Sabe-se, pela experiência do Iraque, por exemplo, como isso não é óbice para o imperialismo ianque, sobretudo estando em jogo as maiores reserva de petróleo do mundo — mas o caminho não se lhe apresenta livre de escolhos.

O que toda esta situação revela é um impasse no balanço de forças, apesar da enorme pressão imperialista e dos acólitos. E isso decorre de um facto crónico: a incapacidade política da chamada oposição venezuelana, concretamente as classes burguesas, em chamarem para o seu lado de modo concludente as massas populares. A pressão imperialista a partir de fora torna-se assim mais premente para suprir a debilidade das forças reaccionárias internas.

Um investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (1), igualmente insuspeito de simpatias por Maduro, sublinhava o “profundo impasse” da situação, dava como “inconclusivos” os acontecimentos de 23 de Fevereiro, e diagnosticava diante disso: “não significa que a solução para o conflito irá ocorrer num prazo curto, nem que Nicolás Maduro esteja próximo de se afastar, ou ser afastado, do poder”.
Também as respeito de Guaidó lançava dúvidas: a sua “dependência dos EUA, seja do governo de Donald Trump ou de Marco Rubio (2), não é a melhor opção para a causa democrática”.
E, mais significativo, avançava esta explicação para o apoio popular (obviamente das camadas mais pobres) ao regime: “Nicolás Maduro parece ter ainda o apoio das Forças Armadas e da população que mais terá beneficiado com o regime iniciado por Hugo Chávez” porque “para os seus apoiantes mais convictos, foram corrigidas as profundas injustiças da oligarquia governante do passado”.

Ora, é essa mesma oligarquia do passado que os EUA e a UE querem fazer regressar ao poder, erigindo-a como legítima representante do povo venezuelano na figura de Guaidó.

(1) José Pedro Teixeira Fernandes, Público 27 Fevereiro.
(2) Senador pelo estado da Florida, de ascendência cubana, um dos falcões da campanha contra a Venezuela. Publicou no tweeter uma foto do líder líbio Muamar Kadafi, morto, para intimidar Maduro.


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