Fazer da revolução uma caricatura

António Louçã — 24 Fevereiro 2019

Porque é que uma grosseira campanha demagógica contra a Venezuela é tão difícil de desmascarar?
Sim, é sem dúvida a superpotência norte-americana a mandar no seu “pátio traseiro” latino-americano com todos os decibéis dos seus altifalantes, da imprensa escrita e audiovisual.
Sim, é também o consenso alargado dos protofascistas trumpianos como Mike Pompeo e John Bolton até aos neoliberais como Richard Branson, que mostra o imperialismo unido em questões decisivas, como é o petróleo.

Mas tudo isso são problemas velhos como o capitalismo. E a dificuldade em desmascarar a demagogia está aqui e agora potenciada pela incomensurável estupidez do madurismo.

Emblema antológico desta estupidez foi a intimação do presidente venezuelano às suas hostes na tarde em que as caravanas de “ajuda humanitária” montaram o seu show junto às fronteiras: “É uma ordem que dou ao povo, é uma ordem que dou aos militares patriotas, a todas as forças armadas nacionais bolivarianas: se algum dia acordarem com a notícia de que fizeram algo a Nicolás Maduro, saiam para a rua numa união civil e militar, para fazerem uma grande revolução proletária e socialista!”

Ou seja: se o imperialismo não matar Maduro, como matou Chávez, como tentou matar Fidel, então podem abster-se de fazer a tal grande revolução. Mas, se conseguir matá-lo, então “saiam para a rua” e façam a revolução como vingança.

E não haverá outras justificações melhores para militar obstinadamente pela revolução, não só no dia de mais um atentado imperialista, mas em todos os dias das nossas vidas?!


Comentários dos leitores

leonel clérigo 24/2/2019, 18:57

“CHAPÉUS HÁ MUITOS”… MAS REVOLUÇÕES CONTAM-SE PELOS DEDOS.
Quando se fala em “Revolução”, toma-se e não raras vezes, como “sinónimo” de “Tomada do Poder”. Em minha modesta opinião, há que marcar bem a diferença.
Uma Sociedade que realize uma Revolução está a produzir uma transformação complexa e ampla das suas diferentes estruturas ou seja, está a mudar de Modo de Produção. Naturalmente que terá - a nova “classe” revolucionária” - que “apear” a velha classe dominante, desalojando-a do poder que detém no Estado ou seja, terá ela que “Tomar o poder”. Como respondeu Gramsci a Mussolini “Só é Revolução quando se substitui uma classe por outra”.
Já a “tomada do Poder”, além de por si só não implicar necessariamente Revolução alguma - a “Revolução do 28 de Maio” só por paródia ganhou o nome de “Revolução” - como ela é apenas uma parte da Revolução, um marco do "antes e depois", caso a Revolução em marcha saia “vencedora”.
1 - Uma REVOLUÇÃO não é assim “pêra doce”, não é coisa que se encomende, “se regue e se ponha ao luar”. Se olharmos a História, ficamos admirados como tão poucas Revoluções foram decisivas para a marcha das sociedades e saíram vitoriosas. A própria Burguesia - falo aqui da classe burguesa como um todo - sabe isso muito bem.
Muita coisa é preciso fazer - às vezes com o contributo de várias gerações - e “coisas duras”. Mais: há certa tendência para surgirem apressados “treinadores de bancada”, sobretudo nas Revoluções… dos outros. Alguém já disse que a melhor “ajuda internacional” …é trabalharmos nós mesmos em prol da nossa própria luta Revolucionária.
2 - Também é verdade que a História nos demonstra que existe o “revisionismo” ou seja, que a coberto das “dificuldades naturais das Revoluções” surge (frequentemente contra os “esquerdistas”) a boa “prudência” e a “divergência sobre a oportunidade facilitada ou não pela análise da situação concreta” - coisa aliás necessária - mas que, por vezes, pode esconder outros “objectivos”.
3 - Deitar abaixo o Capitalismo na sua última fase Imperialista/Rentista, vai exigir tempo e muito sacrifício e luta da grande maioria da população do Planeta onde o Imperialismo euro/estadunidense “meteu o seu pé colonial”. Mas vai ser inevitável, a não ser que os Capitalistas resolvam - para não perderem a “face” - mandar todo o Planeta às “urtigas”. E capazes disso são eles: com o treino de vários séculos de guerras de classe que já têm, ninguém pode ficar descansado.
4 - Na Venezuela (1) não há uma situação "nova": os "globalistas" devem saber que alguns países têm conseguido libertar-se da Dependência Imperialista - URSS, China, Coreia do Norte, Cuba, Vietname - que, além do mais, impede os países de se Desenvolverem e saírem da condição de Subdesenvolvidos - como Portugal. E há sempre uma tendência para “copiar” o (último) “modelo” utilizado para a “tomada do poder” e que deu “bons resultados”. Mas esquece-se que a História não é como o “carteiro”: nunca toca duas vezes. Há que inventar.
A Venezuela já iniciou a sua marcha para encontrar seu “próprio caminho”, tentando “sacudir” o Imperialismo Ocidental: neste momento é ela uma das “guardas avançadas” da luta contra a exploração do trabalho mundial que tem seu “Centro” nos USA e na UE. Pessoalmente, confesso que não me “sinto nada bem” na condição de “cidadão europeu”, comprometido com a "sobreexploração do trabalho" (2) e da rapinagem das “riquezas” naturais dos povos Subdesenvolvidos. Além do mais e por ironia, eu até pertenço a um deles.
Desejo que a Venezuela encontre o seu próprio caminho de libertação assim como desejo, como português, que encontrássemos o nosso.
(1) - O Senhor Marques de Almeida (MA), que escreve regularmente no “Observador”, refere que “Chavez mostrou como manter formalmente a democracia sem deixar o poder. Basta controlar os recursos económicos, a justiça e a comunicação social”.
Com as minhas distrações habituais pensei, inicialmente, que o Sr. MA estava fazendo uma análise à “Democracia Portuguesa” mas, vendo melhor a coisa, verifiquei que era sobre a Venezuela. Contudo não deixo de expressar a minha surpresa ao ver compatriotas meus - “pindéricos” dependentes subdesenvolvidos como eu - estarem do “lado” dos “exploradores” do seu próprio País e do seu atraso económico-social.
(2) Clara Ferreira Alves fez sair na Revista Expresso um trabalho sobre isso.


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