Mulheres espanholas mostram o caminho

Urbano de Campos — 9 Março 2018

8MarçoEspanhaCentenas de protestos e manifestações por toda a Espanha assinalaram o Dia Internacional da Mulher, 8 de Março. Numa iniciativa praticamente inédita (antes, só em 1975 as mulheres islandesas fizeram o mesmo), foi lançada a ideia de uma greve das mulheres em protesto contra a desigualdade de salários e de acesso ao trabalho, contra a violência de que são alvo, por iguais direitos. A adesão foi maciça. Mais de 5 milhões de pessoas paralisaram o trabalho por 24 horas.

A greve atingiu todas as actividades, fossem quais fossem, incluindo o trabalho doméstico. As organizadoras desafiaram ainda as mulheres a não fazer compras. Uma sondagem mostrava um apoio de 82% dos espanhóis ao protesto. Mais de 30% dos comboios das regiões metropolitanas e 75% dos de longa distância não circularam. Sindicatos e partidos à esquerda apoiaram a iniciativa.

O que merece mais destaque nesta iniciativa das mulheres espanholas é o facto de conseguir fugir ao ritual das evocações que não alteram nada e pouco mobilizam. Se algo de substancial vai mudar ou não, é cedo para saber — mas pelo menos está lançada uma via de protesto que pode abrir novos campos de luta.

É bem sintomático que os partidos espanhóis mais à direita, o PP e o Ciudadanos, tenham vindo com conversa mole a dizer que concordavam com as reivindicações mas não participavam. Foi um favor que fizeram ao movimento. A desculpa foi a de que as beneficiadas com este protesto não serão as mulheres socialmente mais desfavorecidas.
Pode ser verdade, mas o que atemoriza a direita é o rastilho que a iniciativa pode constituir no sentido de acordar para a luta precisamente as mulheres das classes operárias e populares. Assim os sindicatos adiram de uma próxima vez, não apenas com duas horas de paralisação simbólica, como agora fizeram; e as forças políticas da esquerda apostem na mobilização a sério para a luta.

Por cá, o governo de António Costa festejou a data avançando com uma proposta legislativa que altera a Lei da Paridade, passando as listas eleitorais dos partidos a ter de incluir 40% de mulheres, a meta “aconselhada pelas Nações Unidas”. É uma forma de marcar o ponto, com uma “igualdade” a 2/3.
Lá mais para o verão fica a proposta de lei para que as empresas sejam obrigadas a ter 33% de mulheres nas administrações e órgãos de fiscalização, no caso das empresas públicas, e 20% no caso das empresas cotadas em Bolsa, ou seja, as grandes privadas.

Se a igualdade, nestes casos mais fáceis — em que se trata de grandes empresas e de mulheres de camadas dirigentes — fica por 1/3 e 1/5, o que não será nos casos em que está em causa a igualdade da massa trabalhadora.

A igualdade salarial continua de facto a ser ficção. As mulheres portuguesas recebem em média menos 16,7% do que os homens em iguais funções, como se trabalhassem por ano (por cada 250 dias trabalhados) mais mês e meio do que eles, sem remuneração. Acrescem as tarefas domésticas em que trabalham o dobro dos homens. E se os números apontassem apenas para as mulheres das classes populares e operárias as diferenças seriam ainda maiores.

Contra isto, a lei é muito mais frouxa. E é aqui que fica patente o sentido de classe das medidas do governo. No final do ano passado, o governo preparou disposições que obrigam as empresas com mais de 250 assalariados a … “corrigir ou explicar” (!) desigualdades salariais. Isto num plano a prazo de 2 anos. Só depois se seguirão as empresas com mais de 100 assalariados. Sabendo-se que as pequenas e médias empresas somam perto de 3 milhões de trabalhadores e as grandes pouco mais de 800 mil, vê-se o efeito prático que medidas tão “cautelosas” terão na promoção da igualdade.

Este gradualismo reformista — que o capital agradece — nunca chegará a estabelecer a igualdade, porque não toca na origem da desigualdade: a exploração do trabalho. Dentro dessa exploração o capital precisa que haja quem seja mais desigual para ser mais explorado, no caso as mulheres.
É por isto que a iniciativa das mulheres espanholas pode constituir um abanão capaz de mudar o rumo das coisas.


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