A “cambalhota triste” do PS e a agonia da geringonça
António Louçã — 6 Dezembro 2017
No que aos factos se refere, a história está bem contada pelo BE. No que diz respeito às soluções, elas nunca poderiam ser encontradas no ambiente viciado e claustrofóbico das negociações parlamentares.
Os factos resumem-se em poucas palavras. Entre tantos cortes que a troika mandou fazer, contra salários e pensões, havia só dois que vinham refrear, timidamente, as negociatas dos “interesses instalados”. Um, era o que apontava aos contratos de associação com colégios privados, em nome de uma cruzada contra o “monopólio” estatal do ensino (assim se vilipendiava o serviço público de educação). Outro, era o que punha em causa as rendas da EDP Renováveis (ela sim, a abusar de uma posição monopolista ou quase).
Claro que o Governo PSD/CDS fez fogo à peça contra assalariados e pensionistas, mas não tocou, nem com uma flor, nas duas negociatas em causa. Tocar nelas era, pelo contrário, uma das primeiras mudanças que parecia prometer a “primavera geringoncista”. E, com efeito, nos primeiros tempos, a “Geringonça” não pôde senão cortar as rendas dos tais colégios privados, apesar da Fronda de carpideiras que logo lhe saiu ao passo.
Mas, entretanto, a primavera deu lugar a um verão de fogos descontrolados e este a um outono de cinzas e borralha. Nas negociações para o OE 2018, o BE já teria notado a mudança de estação e, conhecedor dos humores do Governo, limitou-se a apresentar a proposta de uma “contribuição de solidariedade” que os próprios dirigentes bloquistas descrevem como “muito parcial e moderada”.
À fundamentação da proposta não faltavam argumentos sólidos e contundentes: a EDP Renováveis, com 12 por cento da sua produção em Portugal, realiza aqui 27 por cento dos seus lucros. E os sobrelucros conseguem-se à custa de uma factura, paga pelo consumidor, 400 milhões de euros mais cara do que seria com os preços normalmente cobrados pela EDP Renováveis em países civilizados.
O PS comprometeu-se nesse sentido mas, no último instante, roeu a corda. O BE sentiu-se traído e lembrou que a aldrabice do PS constituía um atentado contra o interesse do público consumidor. Simultaneamente, acusou o PS de ter “obedecido” ao que mandaram os lóbis e os “interesses instalados” — acusação certamente grave, na boca de um partido da maioria parlamentar, de quem o PS dependia para aprovar o Orçamento.
Tudo isto é verdade, mas não é tudo. De facto, o PS espezinhou o interesse dos utentes, mas não só: ao fazê-lo, praticamente na véspera da votação do OE 2018, ele tomou o pulso ao BE, apostando que não seria isso a impedi-lo de votar favoravelmente. Apostou que não, e viu a sua aposta confirmada. Daqui em diante, no Outono da “Geringonça”, quantas mais vezes irá o PS trair os seus parceiros e os seus compromissos, agora que experimentou fazê-lo no momento mais crítico e saiu a rir-se, na maior impunidade?
E com isto não fica dito que existisse alguma receita mágica, para vingar com uma inversão de voto no último minuto, e portanto com um chumbo ao OE, aquilo que fora a traição do PS no penúltimo minuto. A discussão das tácticas parlamentares tem o seu ritmo próprio e, por muito bem orientada que esteja, será sempre incapaz de produzir receitas mágicas. Quem chegasse ao penúltimo minuto sem primeiro ter feito sentir fora do parlamento o roubo milionário das rendas energéticas, sem ter agitado pela acção de massas contra esse roubo, provavelmente estaria no último minuto atado a um voto favorável demasiado estruturante para a sua política.
Mas, precisamente, se não se alarga os termos da equação até à rua, o PS irá doravante fazer outras destas, porque o crime compensou e a experiência lhe incute cada vez mais audácia e uma chantagem cada vez mais arrogante contra os seus parceiros.
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgonçalves 8/12/2017, 15:10
Alargar os termos da equação à rua para contestar os termos equacionados expostos no artigo, supra citado, é obviamente uma necessidade política inultrapassável. Porém poe-se o problema de saber qual o propósito e finalidade desse movimento. Qual a direcção que o propoe? Se forem as redes sociais, isso não passará de um folclore alegórico da pequena burguesia que aí encontrou um meio para exprimir o seu "protesto". Esta forma de luta já está esgotada desde as célebres aventuras folclóricas de 1968 ocorridas pela juventude irreverente estudantil francesa que queria imitar "a Longa Marcha" chinesa. Como Lenine não existe nestes dias monótonos e cinzentos, a pequena burguesia mais radical lá vai desfiando os seus infortúnios na esperança utópica de um milagre renascentista espontâneo. O Belmiro, um dos maiores exploradores dos trabalhadores portugueses, foi suficientemente santificado por Carvalho da Silva numa entrevista à TSF no dia do seu velório a caminho do inferno. Como vemos nem o gólgota rumo ao paraíso liberta da exploração, sine die, quem trabalha e produz mais valia para a acumulação de riqueza de uma burguesia parasitária e inútil.