Londres e Pedrógão Grande
Urbano de Campos — 30 Junho 2017
No incêndio em Londres que fez arder como uma tocha um prédio de apartamentos com 24 andares, morreram quase 80 pessoas. Em Pedrógão Grande, num dos maiores fogos florestais de que há registo, morreram mais de 60 pessoas. Em Londres, os 600 habitantes atingidos eram quase todos imigrantes e descendentes de imigrantes e ficaram sem nada. Em Pedrógão, as centenas de pessoas das aldeias isoladas, onde os bombeiros mal podem chegar, não eram ricas e muitas perderam tudo.
Num caso como noutro as causas dos fogos terão sido naturais: um curto-circuito num frigorífico, e um raio que incendiou uma árvore. Não há portanto a desculpa útil da “mão criminosa”.
O prédio de Londres era de habitação social, mas fora entregue pelo Estado à “gestão privada”. Sofrera obras de “melhoramento” em que foi aplicado um isolamento térmico no exterior facilmente combustível, responsável pela propagação do fogo a todo o imóvel e pela emissão de fumos tóxicos.
Para tornar mais rentável (e apetecível) a gestão privada, tinha sido aumentado o número de apartamentos (seis por piso) suprimindo uma escada de serviço. Foram eliminados os detectores de incêndio e não havia sistema de combate ao fogo, apesar dos alertas repetidos dos moradores. Tudo dentro da lei: as normas de segurança mais apertadas foram revogadas a fim de facilitar o negócio aos gestores privados.
Casa roubada, trancas à porta: nos últimos dias, mais de 70 prédios de Londres em condições semelhantes foram evacuados e vão ser sujeitos a “medidas correctivas”.
Em Pedrógão e arredores, faltaram os meios adequados de combate ao fogo. Falhou o sistema de comunicações (Siresp) que devia pôr em contacto os diversos órgãos de intervenção. O Siresp, que custou 500 milhões de euros, foi negociado pelos mesmos bandidos que tiraram proveito do BPN e da Sociedade Lusa de Negócios, sem que ninguém os tenha chamado à pedra. E depois foi adjudicado pelo PS. É legítimo pensar que os 47 mortos na fatídica estrada 236-1 podiam estar vivos se as comunicações funcionassem e a GNR soubesse a tempo que tinha de cortar a via.
Antes desta aflição toda, havia e continua por resolver o caos da floresta e do ordenamento do território, em grande parte responsável pela propagação fácil dos fogos e pelo isolamento das populações.
A propriedade florestal, esmagadoramente de pequena dimensão, não está tratada nem devidamente cadastrada. Muita dela está ao abandono. O Estado detém escassos 3% da floresta, quando na União Europeia a média é de 40%. Na Grécia, Espanha e Itália, países com clima idêntico ao nosso, a floresta tem aumentado, e por cá diminuído.
Para “economizarem” e “racionalizarem”, os governos extinguiram os guardas florestais (PS) e os serviços florestais (PSD-CDS) e acabaram com as normas que restringiam a propagação do eucalipto (PSD-CDS), facilitando a vida à indústria da pasta de papel. E em cima disto o PS apresentou em Março uma lei que atribui a gestão das terras abandonadas, não ao sector público, mas a empresas financeiras. Virão depois, nesta lógica, as medidas que tornem “atractiva” a gestão privada.
Um colunista, involuntariamente cómico, dizia sobre a desgraça de Pedrógão que a chave para acabar com os fogos é “desenvolvermo-nos” como país — passará então a haver menos fogos incontrolados, tal como diminuíram os mortos em acidentes de automóvel graças ao cinto de segurança e aos testes de alcoolemia. É uma fé, pelo menos, duvidosa: basta atentar no fogo de Londres, capital de um país “desenvolvido”.
Esta fé no “desenvolvimento” esquece deliberadamente que o progresso se opera sempre dentro de limites estreitos, e agora cada vez mais estreitos. O “desenvolvimento” tem por condição — render. E não rende dar condições de vida seguras às pessoas, não rende prevenir os fogos. Mas rende a gestão privada dos bens sociais, rende o negócio de apagar incêndios todos os anos. Tal como não rende a medicina preventiva, comparada com a medicina curativa.
Alguém lembrou em tempos que o capital desenvolvido não precisa de falsificar a mercadoria ou roubar no peso como o industrial ou o comerciante de vão-de-escada — porque os seus processos de acumulação o colocam acima disso. Mas é assim quando o capital se expande e progride. Agora que chegou à velhice e decai, parece tender a voltar aos velhos métodos; simplesmente, à escala dos grandes potentados económicos. É que à falta de vontade de sempre soma-se hoje a sua incapacidade para acorrer às necessidades, muito mais vastas e complexas, da colectividade humana — com efeitos de crime social.
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgonçalves 1/7/2017, 15:16
Marx afirmou com inteira certeza científica que no capitalismo cada progresso corresponde a um retrocesso. No séc. XX esta expressão não era tomada muito a sério, dado que o capitalismo transformava a natureza e a sociedade de forma que impressionava quase todos os povos do mundo inteiro. O capitalismo dominava o planeta através da sua última fase de existência, isto é. o Imperialismo e nesta política de rapina e saque os países beneficiários desta voragem acumulavam uma riqueza colossal capaz de embriagar os "marxistas" mais esfuziantes. A literatura marxista francesa tornou-se pela mão dos intelectuais trotskistas uma literatura pedante, pobre de ideias e o proletariado Europeu caiu de joelhos nos braços do revisionismo ao ponto de odiar mais Mao-Tsé-Tung que Caetano ou Franco. Não admira que chegado o tempo da agonia do cisne a classe trabalhadora se encontre num ponto sem norte nem retorno. A obra de Hegel « A Razão na História" acompanha a frase de Marx (supra citada) com uma evidência que nos assombra indiscutivelmente.
•leonel clérigo 2/7/2017, 12:50
ELEIÇÕES À VISTA… RASTEIRAS NA COSTA…
Qualquer organização partidária e entre muitas outras coisas, necessita prioritariamente de “dinheiro com alguma abundância” (não são os seus "homens de confiança" que ocupam cargos “chorudos” que ficam com a “massa” toda…), de um “quartel general” (feito de gente “dura”, "coesa" e com razoável inteligência), que seja capaz de desencadear um “plano de acção” e atingir seu objectivo máximo: a conquista do poder através da governação. E quando o perde, tem o “dever” de deixar o caminho “armadilhado” para quem vem depois.
1 - Em geral tudo isto é fácil de compreender e não serve de nada perder-se com ele muito tempo: a luta de classes exige “meios” e não se descobriu ainda nada melhor que os Partidos de Classe (ou “fracção de classe”). O resto é conversa fiada. Contudo, a coisa “desvirtua-se” um pouco quando a mesma classe social - ao caso a Burguesia - “arranja” uma floresta de partidos para a “representar”, incluindo “partidos” que procuram representar “quem não são ela”. Isto expressa uma “necessidade”: preencher todos os “campos” das “aspirações” das gentes, apresentando o sistema todas as “alternativas possíveis” o que evita “deixar-se gente de fora” sem controlo. É uma espécie de “Mercado partidário”, o que não deixa de ter a sua “lógica”. E assim a população dum país consegue não andar “preocupada” a partir a cabeça em quem “votar” nas próximas eleições, dado que tem a “papinha” toda feita pelos “patrões“ da comunicação social - sobretudo das “poderosas” TVs - que já elegem Presidentes - como no nosso caso - preparando-se para transformar isso num “hábito”.
2 - Estava-se mesmo a ver que a “Geringonça” ia ser objecto de um “Plano de acção” do “Quartel General” da “Oposição”, quando chegasse o “tempo quente” do Estio “pré-eleitoral. E se a Economia anda a apresentar “bons resultados” (?) então o plano tem que obedecer a outras “variáveis” para “desacreditar” a governança: a “Segurança” - coisa sensível - é uma delas, um “calcanhar de Aquiles” de qualquer Governo com “dificuldades orçamentais” às costas, como foi o caso da “desgraça do incêndio do edifício” que afectou o governo da inglesa T. May.
É claro que um qualquer “Quartel General” necessita de “tropas” no terreno e aí é que bate o ponto: a coisa tem que ser feita sem deixar rasto e ao contrário do gato, não deixar o "rabo de fora” o que é difícil, já que um rabo é sempre um rabo, coisa “material”. Até aqui, quer o “incêndio” quer o “roubo das armas” parecem ter “causas naturais”: o relâmpago” (apesar de alguém dizer que "não se viu relâmpago nenhum…") e o “terrorismo”, que Angelo Correia - um verdadeiro sábio em “inventonas” - já nos afiança ser coisa “muito séria” e “pôr em causa o país” (!?).
3 - Mas todas as coisas têm sempre “dois lados”: e um deles reside no facto de qualquer “acção” poder pôr a nu o “agente” que a praticou assim como suas “ligações” ou seja, a “mando de quem” a praticou. Como fã da “teoria da conspiração”, posso dizer que se o “poderoso” e “republicano” Nixon foi “apanhado nas curvas” da sua “negação” no Watergate, não vejo razão para que no “subdesenvolvido” Portugal “a dimensão séria” de um dramático “incêndio” no "cavaquistão" da Beira e de um “roubo de armas”, não sejam objecto de esclarecimento…Só se saírem das “malhas” do Parlamento - como propõe Ângelo Correia - e forem “negociados” na “calada da noite” duma “Comissão Independente” (de quem?)…