Repressão e xenofobia avançam na Europa
Por cá, o tema é a delação premiada
Carlos Completo — 23 Junho 2017
A grave crise económica que atinge o capitalismo a nível mundial, os problemas criados pelas muitas centenas de milhares de imigrantes que aportaram e aportam ao continente europeu (em grande parte fugidos das guerras desencadeadas e alimentadas pelo imperialismo ocidental), assim como as acções terroristas do chamado Estado Islâmico, são factores poderosos que servem de pretexto aos governos europeus para a adopção de medidas securitárias que afectam grave e diariamente o campo dos direitos sociais e humanos dos cidadãos.
Ainda recentemente, no Reino Unido, num comício que precedeu as eleições antecipadas, e a pretexto do terrorismo, a primeira-ministra britânica afirmou poder vir a alterar a Convenção dos Direitos Humanos se esta significasse um impedimento para a entrada em vigor de uma nova legislação sobre o assunto. Theresa May disse que as autoridades policiais ficam muitas vezes impedidas de deter suspeitos de terrorismo por não reunirem “provas suficientes” para os levar a tribunal, dada a legislação que protege os direitos humanos. E acrescentou que quer “implementar mais penas de prisão para as pessoas condenadas por crimes terroristas e tornar mais fácil para as autoridades deportar suspeitos de terrorismo estrangeiro para os países de origem”. É todo um programa de mais terror de estado que a senhora May pretende levar a cabo, particularmente contra os imigrantes e seus descendentes.
Já anteriomente, na Turquia, e após uma tentativa falhada (fabricada?) de golpe de estado em 2016 , agravou-se de forma esmagadora a repressão habitualmente imposta pelo regime autoritário turco sobre o povo. Foram despedidos cerca de 150 mil funcionários públicos , incluindo médicos, polícias, professores, académicos, jornalistas e soldados. Todos estariam envolvidos, segundo os governantes turcos, na tentativa de um golpe de estado. Vários outras dezenas de milhares foram detidos, sobretudo por supostas ligações com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), com o clérigo muçulmano Fethullah Gulen (indicado pelo presidente turco, Recept Erdogan, como fomentador do golpe fracassado) ou com o Estado Islâmico (EI).
Em França, é previsível que o actual presidente Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia de François Hollande, continue a política do seu antecessor quanto às questões relacionadas com a orientação imperialista do estado francês e o terrorismo que assola o país. Mas também é previsível que intensifique a repressão relacionada com as questões laborais, dada a sua prática no governo de Hollande, que favoreceu uma política de trabalho sem direitos (traduzindo-se em repressão de manifestantes e detenção de activistas), assim como a sua declarada intenção de prosseguir e aprofundar a flexibilização das leis laborais e diminuir os impostos sobre os capitalistas.
E seria possível continuar a apresentar uma longa lista de arbitrariedades, repressão, xenofobia e racismo que se têm desenvolvido por essa Europa fora (Dinamarca, Hungria, Polónia, etc.), não só contra as classes trabalhadoras, mas intensificando-se a partir do momento em que começaram a aportar a este continente as numerosas levas de imigrantes fugidos da miséria e das várias guerras espalhadas pelo mundo.
E em Portugal?
Entre nós, não se pode falar actualmente de agravamento visível da repressão social e política. A solução governativa encontrada na esquerda parlamentar (a que tem correspondido uma actividade reivindicativa laboral bastante mais fraca), assim como a inexistência de actividade terrorista do Estado Islâmico, podem justificar, até certo ponto, esta situação. Contudo, o tema da delação premiada em relação aos chamados crimes de colarinho branco, aparece aqui como bastante actual, dados os numerosos casos de corrupção existentes em Portugal.
Nas recentes conferências do Estoril falaram quatro magistrados sobre o tema: Carlos Alexandre (juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal e de vários casos conhecidos, como o da Operação Marquês), Baltazar Garzón (conhecido verdugo do povo basco) António Di Pietro (promotor público da Operação Mãos Limpas, em Itália) e Sérgio Moro (da Operação Lava Jato, no Brasil). Os quatro defendendo a delação premiada. Na sua intervenção, o juiz Carlos Alexandre sublinhava : “Identifico-me com a ideia de que a clarificação das leis de combate à corrupção beneficiaria com o instituto de colaboração premiada“, considerando que “é um instrumento jurídico típico de democracias maduras, reputadas e desenvolvidas como Alemanha, França, Itália e Estados Unidos”, utilizado para combater o terrorismo, o tráfico de droga e o crime organizado. Pela intervenção deste magistrado, tão benquisto para alguns sectores da sociedade, podemos ver alguns princípios, assim como o modelo de justiça, que enformam a orientação de parte significativa da magistratura portuguesa.
A delação premiada surge entre nós importada dos EUA e do Brasil. E é apoiada pela associação sindical dos juízes e pelo sindicato dos magistrados do Ministério Público. Assim como pelo PSD. Alguns comentadores argumentam que ela traria maior eficácia (facilitando, na prática, a inversão do ónus da prova) e celeridade aos processos. Mas a Ordem dos Advogados está contra. A delação premiada (a bufaria paga) facilita a investigação dos crimes de colarinho branco, mas dificulta as estratégias de defesa. Embora a delação premiada já exista no Direito português em matéria de terrorismo e tráfico de droga. Pretende-se agora, numa primeira fase, é estendê-la em relação aos crimes de colarinho branco, visto ser popular o ataque à corrupção. Embora introduzindo uma contradição no seio das classes dominantes, dado que a corrupção geralmente é aí que a vamos encontrar. E tornando ainda mais difícil o equilíbrio entre as diversas camadas da burguesia deste capitalismo senil, que ainda se arrasta na Europa.
Mas o mais grave é que o método da delação premiada se venha sucessivamente a estender a outros ramos do direito, a todos os tipos de “crimes”, incluindo os movimentos sociais contra o poder. Isso agradaria bastante às classes dominantes e traria uma maior fascização da sociedade, desaparecendo, de facto, os restos dos direitos humanos habitualmente tão endeusados pelos nossos democratas burgueses.