25 de Abril e unidades balofas
António Louçã — 28 Abril 2017
“É preciso mudar alguma coisa para tudo continuar na mesma” era um lema fundamental do velho reformismo. Havia também quem o traduzisse popularmente numa outra fórmula: “Vamos dar-lhe [ao proletariado] os anéis, para conservarmos os dedos”.
Hoje, tudo isto mudou. Quando ouvimos um governo social-democrata falar em “reformas”, devemos traduzir o calão críptico para a linguagem mais chã que falamos todos os dias: esse governo está, na realidade, a falar em contra-reformas.
O “reformismo” dos nossos tempos é um frenesi de invenções neo-liberais como o restabelecimento das jornadas de 10, 12 e mais horas diárias, o aumento da idade da reforma, o aumento de propinas e taxas moderadoras, o pagamento de cada vez mais TSU dos patrões pelos trabalhadores e outras “novidades” que no limite deveriam levar-nos de volta ao tempo da escravatura.
A cassette neo-liberal martela todos os dias a opinião pública com o famoso slogan TINA: There Is No Alternative, não há alternativa. E, como é suposto não haver alternativa, todo o debate político se esvazia e todas as formas democráticas se tornam simples acessório cosmético para caucionar decisões já tomadas. Quando a democracia é abolida, como no caso da Turquia, não faz falta nenhuma (quem daria pela falta de algo que já foi deixando de existir?), e Erdogan é felicitado publicamente pelo líder do “mundo livre”, Donald Trump, por se ter desembaraçado desse estropício.
Quando falam em reformas, os eurocratas neoliberais do jaez de Dijsselbloem ou os seus sátrapas ibéricos referem-se a medidas para proporcionar ao capitalismo condições mais lucrativas — antítese absoluta das reformas sociais da velha social-democracia. Eles tornaram-se incapazes de mudar seja o que for para preservar o essencial e não lhes passa pela cabeça sacrificarem algum anel a pensarem nos dedos. A ganância é mãe da cegueira.
Depois, a realidade vinga-se cruelmente da cegueira. Subitamente, os nababos de Bruxelas descobrem que já quase ninguém os quer. Na Grécia, pulverizou-se o PASOK europeísta e corrupto, milhões votaram à esquerda (depois traídos pelo Syriza) e em qualquer momento milhões poderão virar à direita, para a “Aurora dourada”. Na Hungria, o Governo de Órban todos os dias humilha a União Europeia, seguro da sua impunidade. Na Áustria, a extrema-direita perdeu por uma unha negra a eleição presidencial. Na Holanda, Geert Wilders não chegou ao poder, mas andou perto e pulverizou o partido (“trabalhista”!) de Dijsselbloem. Em Inglaterra, Nigel Farrage não é preciso no poder, porque Theresa May trata de aplicar o seu programa racista e xenófobo. E os exemplos poderiam multiplicar-se ad infinitum.
Despertados em sobressalto pelas sirenes do fascismo, os nababos põem-se então a clamar “unidade, unidade”. Em França, o espantalho de Marine Le Pen serve-lhes para pedirem uma grande fraternidade republicana a votar por Macron, mas também lhes teria servido para pedirem a eleição de Fillon, gatuno e nepotista, drástico apertador dos cintos alheios. A receita é “mais do mesmo” – uma receita infalível para continuar a amamentar o populismo, a xenofobia e o fascismo.
Em Portugal, comemoramos no 25 de Abril a ruptura revolucionária. Mas não devemos comemorar a unidade balofa em torno desta democracia galinácea, que choca na sua capoeira os ovos da serpente fascista. As lutas de massas que podem salvar os últimos restos de democracia real precisam de clareza e divisão de águas.
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgonçalves 29/4/2017, 14:59
Sem dúvida que o texto coloca o dedo na ferida e atira uma pedra ao charco que afoga os trabalhadores portugueses desde há vários anos sem que consigam agarrar uma bóia para se salvarem, no entanto acontece que historicamente o proletariado português e restantes assalariados de outras camadas sociais ainda se encontram no tempo da Liga dos Justos (1847) e não conseguiram dar o salto que Marx e Engels suscitaram quando conseguiram por maioria romper com a ideologia de Ruga e Wheitling profundamente filantrópica e extinguiram de forma definitiva a organização substituindo-a pela Liga Comunista. Este passo gigantesco alterou completamente a ideologia da luta de classes que permanecia piedosamente até então. Foi, parece-me, de facto o ponto de partida para o sucesso de todas as revoluções realizadas até aos nossos dias.
Portugal, porém, continua ainda sob a batuta da Liga dos justos e daí não sairá tão cedo.
•António Alvão 29/4/2017, 22:28
O operariado está a sofrer na pele a grande traição dos partidos pseudo-socialistas; pseudo-comunistas e pseudo-sociais-democratas, desde há muitas décadas. O PSF e PCF formaram governo e governaram a França vários anos seguidos - mas foi para dar continuidade ao sistema capitalista. Ora, os votantes nestas forças políticas sentiram-se frustrados e começaram a abster-se. Porque não adianta votar assim ou assado.
Para vermos como estas traições foram requintadas e continuam a ser um pouco por todo o Planeta, é lermos o "Manifesto Comunista" - Marx, nunca lhe passaria pela cabeça de que o seu comunismo, de que tanto gostava, iria mais tarde massacrar trabalhadores só por estes crerem o socialismo e a sua emancipação! O revisionismo, ideologia oculta, teve como fundadores e seguidores burgueses e alguns "intelectuais" de esquerda, fazendo-se passar por socialistas, comunistas e sociais-democratas, precisamente para impedir a socialização e emancipação dos trabalhadores. Ou seja, criaram a ideologia 2 para anular a ideologia 1 - Por estas e por muito mais... há muito que deixei de ser de "esquerda", mas não fui para a direita nem para o centro; fui para os debaixo contra os de cima, é na base da pirâmide onde um o revolucionário deve estar, para destruir a pirâmide e criar uma sociedade justa - nesta sociedade dá-se o que se pode e só se pega no que se precisa. Este é o principio onde a Humanidade deve assentar, para evitar a crueldade de uns contra outros, por interesses pessoais e outros, etc.
•leonel clérigo 5/5/2017, 17:06
PALAVRAS SÁBIAS
1 - Dizem que a “velhice” tem o condão de nos trazer à memória “coisas antigas”. Talvez por isso me veio recentemente à memória um acontecimento passado em 1962, durante a “crise académica”. Estava eu sentado numa mesa da cantina da “velha” Faculdade de Ciências com mais “alguns”, chega um outro “conhecido”, sentou-se e passado pouco tempo disparava:
"A Europa está velha..., pior que isso, decadente; …e o que é ainda pior, já não tem conserto. Tinha na mão o socialismo e perde-o. Podia assim ter reposto o prestígio e a autoridade no mundo, apontando a este um caminho decente”.
Nunca mais me esqueci disso, aparte o descair “oportunista” da frase final. Naquela altura, os meus ouvidos, repletos de “cera” provinciana pequeno-burguesa, fizeram “barreira” para não acreditar no que ouvia. Mas, se ouvisse de novo essas palavras, não duvidaria que eram sábias.
2 - O texto de A. Louça assim como os dois comentários (ainda tardiamente aparecidos), parecem referir algo em comum: uma consciência clara da decadência acelerada da Sociedade Portuguesa e do “motor” Europeu, dos quais, bem ou mal, o "destino" nos impôs a deles fazermos parte. As sociedades têm “vida própria”: não são um amontoado de indivíduos onde o “voto” oco aponta o “rumo”, como querem fazer acreditar os descabelados “liberais”. Por isso, as Sociedades “nascem”, “desenvolvem-se” e “morrem”. Dizia Engels que - se interpretei bem - da “acção dos indivíduos”, das “classes”… enfim, deste atrito social e da luta de classes, nasce uma “resultante” - como se fosse feita de infinitos “paralelogramos” de forças - que quase sempre ninguém quer nem espera. É ainda, por isso, um “processo natural”. E o que acontece hoje na nossa Sociedade - só os cegos não vêm e há milhões deles - é que essa “resultante” até já é difícil de vislumbrar: é o amorfismo mais completo, o andar guiado por “leis” cegas e obscuras ditadas sabe-se lá por quem, sem objectivos, sem plano, ao sabor da famosa “conjuntura”, sinal inequívoco de decadência encoberta por umas ilusórias “estatísticas” de merda.
3 - Deu-me a curiosidade, não há muito tempo, em saber o que pensa de tudo isto a nossa “excelsa” burguesia capitalista e a outra, “menos” capitalista, mas igualmente burguesa. E para isso, não há melhor do que saber o que pensam elas da “economia” e do “papel” que a faz mover e com que compram os melões. Para isso, fui a dois “encontros/conferências”: um no Montijo, outro na Gulbenkian. À vista, procuravam-se ideias de “saída do atoleiro”: quanto a isso, nem vê-las. A nossa “dinâmica” classe capitalista apenas se preocupa em saber “se há dinheiro em caixa para distribuir”. (Dijsselbloem, não percebe nada de truques de “ocultação” e por isso confunde “copos” com Porsches.) Com esta visão “desenvolvimentista”, não está longe o dia do funeral, apesar do incansável “dinamismo” do PR (que me deixou a dúvida porque não organizou ele um “grupo de sábios” plural, deixando tudo “dissolvido” por meia dúzia de balofos “Universitários” da “Economia” e associações do patronato.)
4 - Resta agora uma questão: como deitar no lixo a inoperante “visão do mundo” burguesa - com a sua “prática” apodrecida - já incapaz de fazer o que quer que seja e pôr em movimento uma nova?