Até à vitória, sempre!

Manuel Raposo — 27 Novembro 2016

FidelNum exercício de jornalismo cínico, a comunicação social (nacional e estrangeira) está a fazer da morte de Fidel Castro um espectáculo de audiência garantida — temperando, claro, a imagem de ídolo popular e de revolucionário (a que não podem fugir) com a de “ditador”. Neste jogo, valem mais os festejos boçais dos imigrados cubanos nos EUA e os comentários rançosos dos “dissidentes” pró-americanos do que o apreço da maioria da população cubana pelo papel de Fidel na revolução de 1959 e na transformação de Cuba desde então. É mais uma tentativa de enterrar a ideia de revolução social com um dos últimos revolucionários do século XX.

O certo, porém, é que os revolucionários de 59 despertaram e puseram em movimento as forças transformadoras do povo cubano, que pareciam inexistentes sob uma ditadura degradante. É isso que explica a duração do regime, as transformações que produziu, os sucessos (possíveis) que alcançou, e o apoio que, apesar de todas as vicissitudes, mantém. Ao contrário da estupidez burguesa que, vendo-se ao espelho, tenta explicar tudo isso pela “ditadura” e pela “repressão” — que são efectivamente os seus métodos para escravizar e dobrar a vontade das populações.

Cuba, em 1959, estava praticamente colonizada pelos EUA desde que no final do século XIX saíra do domínio espanhol para cair sob domínio norte-americano, na sequência da guerra hispano-americana. Havana era um casino e um bordel para os milionários ianques — que mantinham por isso o inqualificável ditador Fulgêncio Batista no poder, sem qualquer apoio popular.
Nos quase 58 anos decorridos, Cuba passou por altos e baixos. Mesmo assim, melhorou de forma inédita as condições de vida da população (com destaque especial para a instrução e a saúde), conseguindo, como Fidel chegou a dizer, sem embandeirar em arco, “um pouco mais de igualdade”. E sobretudo devolveu ao povo a dignidade e a noção de que tudo depende das suas forças. Só assim se entendem os sacrifícios de várias gerações e o empenho em defender a independência do país — mais ainda se se pensar no bloqueio imposto pelos EUA desde 1961 e na proximidade geográfica em relação ao gigante imperialista.

Mas a experiência da revolução cubana sugere outras reflexões.

Desde logo, sobre a forma como os revolucionários castristas encararam a luta para pôr fim à ditadura. A via da mobilização das camadas populares mais pobres e da acção armada, iniciada em 1956, deu ar fresco e apontou um caminho de vitória à intervenção das massas; e abriu uma crise no Partido Socialista Popular (ex-Partido Comunista Cubano), alinhado pelas teses da coexistência pacífica de Kruschov, e por isso refractário à luta armada e adepto da chegada ao poder por via eleitoral.
Os êxitos rápidos da guerrilha provaram desde cedo qual era a linha política adequada, pondo em xeque a ineficácia revolucionária do PSP e acabando por arrastar os comunistas, em 1958, para o movimento que entraria vitorioso em Havana em Janeiro de 1959.
Não admira, pois, que, nos anos imediatos, o exemplo de Cuba estivesse na origem de um novo impulso na acção revolucionária em todo o mundo, criando novas esperanças e mobilizando novos militantes. Sobretudo por re-demonstrar a força de mudança das massas e por provar que o imperialismo não era imbatível.

Um segundo aspecto tem a ver com o internacionalismo que acompanhou a acção de Fidel e de Cuba, antes e depois da revolução. Talvez, também, pela posição do país nas barbas dos EUA, os castristas e os cubanos perceberam a importância dos apoios externos e a importância de apoiarem as acções revolucionárias e de libertação em outros países. Incorporaram nas fileiras da guerrilha homens e mulheres de várias nacionalidades, tentaram levar a luta armada a outros países da América Latina e de África, apoiaram como ninguém Angola contra a África do Sul e os EUA — acabando por ter um papel decisivo também na libertação da Namíbia e no fim do apartheid sul-africano. Em 1967, no auge da guerra do Vietname, Che Guevara lança aos povos de todo o mundo o desafio “Criar dois, três, muitos Vietname”, num claro apelo a enfrentar o imperialismo norte-americano. Voluntários cubanos, nomeadamente milhares de médicos, ajudam a melhorar as condições de vida de populações de África e da América Latina.

Estes dois aspectos da revolução cubana — a mobilização revolucionária das massas populares e o internacionalismo militante, prático — são talvez os que mais merecem ser destacados como património dos povos de hoje, quando a acção global do capital e do imperialismo assume graus de violência inaudita e de verdadeiro internacionalismo reaccionário.

Uma revolução popular num país atrasado, como era e ainda é Cuba, não pode, só por si, alcançar o socialismo — sem que outros países mais desenvolvidos avancem no mesmo sentido e liderem o caminho puxando pelos mais atrasados. Mas pode fazer transformações colossais através da mobilização da vontade popular, quando quebra os sustentáculos do poder do capital — transformações essas que formam a base das revoluções de amanhã. É isso que a burguesia de todos os países quer esconder.

As revoluções do século XX cumpriram a sua missão — limitada pelas circunstâncias históricas em que ocorreram: levar tão longe quanto possível a mobilização popular e o desenvolvimento material em países até aí atrasados e/ou dominados pela camisa de forças do imperialismo e do colonialismo. As revoluções do século XXI estão por vir, mas seguramente acontecerão num patamar de desenvolvimento material e espiritual do proletariado que lhe permitirá evitar as etapas dolorosas, e mesmo fatais, por que passaram os seus camaradas de ontem. É esse o sentido que vemos na consigna “Até à vitória, sempre!”


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 29/11/2016, 14:42

O espírito revolucionário de todo o Mundo está de luto pela morte de Fidel Castro.

jml 5/12/2016, 20:56

Um texto muito bom.
Viva a revolução!
"até à vitória, sempre!

António Alvão 8/12/2016, 18:15

"Amigo Marx, o teu socialismo é a maior mentira do século, tu queres sentá-los no cadeirão do poder, uma vez sentados nunca mais de lá sairão"... Bakunine.
O revisionismo a Marx e a Lenine, a partir de meados da década 20 do sec.XX, até aos dias de hoje, não foi feito pela classe operária, nem por camponeses, mas sim por uma classe dirigente sedenta de poder, que, em vez de fazerem a transição da sociedade capitalista para a socialista, foi feita para o capitalismo de Estado, sobre ditadura de cima para baixo. Os revisionistas são os responsáveis pela derrocada de Leste! O revisionismo foi criado precisamente para impedir a emancipação dos trabalhadores e o socialismo em todo o Mundo, onde os ditos marxistas tomaram o poder. Quando Lenine chamava aos revisionistas "corrupção burguesa" - o que é que ele chamaria hoje? E agora, lutemos pelo socialismo com todo este revisionismo de esquerda um pouco por todo o Mundo. Não há mentira mais repugnante que é o político não querer aquilo que diz que é - como: socialistas, sociais/democratas, etc. Contra tudo isto e muito mais ..., só a luta e mais luta e sempre luta, por uma sociedade sem corrupção ideológica e económica, etc.


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