As pressões do capital sobre o governo de António Costa e a luta de classes

Pedro Goulart — 24 Outubro 2016

patroesDesde o início da actual solução governamental do PS (com o apoio do PCP, do BE e do PEV) e, sobretudo, a propósito do OE 2016 e do OE 2017, surgiram continuamente nos média mensagens e pressões várias provenientes de diversas instituições nacionais e internacionais do capitalismo, empenhadas na continuação de uma política de total submissão do País aos ditames do patronato e do imperialismo. Isto porque, com a actual solução governamental, que não agrada à direita, se tem vindo a verificar a reversão de algumas das nefandas medidas do anterior governo do PSD/CDS, nomeadamente das transferências efectuadas para o capital de rendimentos extorquidos às classes trabalhadoras e aos pobres.

A matilha interna

O chamado Fórum para a Competitividade, onde pontificam, entre outros, alguns dos mais zelosos (e raivosos) defensores do capital (Pedro Ferraz da Costa, Daniel Bessa, Henrique Medina Carreira, António Nogueira Leite, João Salgueiro, João Machado, António Saraiva, Vítor Bento, João Moreira Rato, Pedro Braz Teixeira, etc.), na sua nota de conjuntura de Setembro de 2016, e numa crítica ao baixo investimento público realizado pelo actual governo, afirma que “não se pode dizer que isto é fruto da pressão de Bruxelas, porque é a escolha política do governo, que preferiu a reposição de salários e, no 2.º semestre, também aplicar a semana das 35 horas e reduzir o IVA da restauração” e, “mais grave do que isso, esta queda do investimento público corresponde também a uma não utilização de fundos comunitários, sendo duplamente penalizadora da economia”.

Este espumar de raiva do patronato sobre a reversão de algumas medidas do governo PSD/CDS expressa claramente o seu profundo ódio de classe aos trabalhadores, assim como revela a utilidade (para eles) do investimento público, desde que este surja como suporte ao desenvolvimento dos seus negócios. A fúria das classes dominantes tem sido diariamente veiculada nos média, de forma mais ou menos inflamada, pela generalidade dos “analistas” assalariados do capital, assim como pelos porta-vozes do PSD e do CDS. E não admira o histerismo de alguns, pois acham que com a actual solução governamental fica eminente a vinda do diabo ou a alvorada da revolução bolchevique!

Também, em recente entrevista à Renascença, Vítor Bento, homem de muitos afazeres (e tempos de antena) e actual administrador da SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços SA), criticou o governo de António Costa pela mensagem errada que estaria a dar aos investidores, considerando mesmo que “teria dificuldade em imaginar uma política mais agressiva contra o investimento”. E afirmou, igualmente, que subir as pensões sem ter a garantia de que iríamos poder pagar esse aumento no tempo é um erro, “porque estamos a criar expectativas que não vamos poder cumprir”. Este serviçal bem remunerado do patronato tem um longo e bem conhecido historial, em entrevistas, escritos e livros, na defesa intransigente de quem lhe paga!

A matilha internacional

Enquanto na Comissão Europeia (CE) prossegue a miserável chantagem de uma eventual suspensão de parte dos fundos comunitários a Portugal, o Fundo Monetário Internacional (FMI) que, juntamente com a CE, foi um dos elementos da troika que durante anos infernizou a vida da maioria dos portugueses, nos seus relatórios de finais de Setembro último recomenda que o Governo aplique medidas de austeridade de 0,5% do PIB (cerca de 900 milhões de euros) em 2017, focando-se na saúde, nos salários e pensões da função pública. Além disso, o FMI sublinha que “a política fiscal deve ser mais estável e previsível e ter como objectivo impulsionar a competitividade e o crescimento, em vez do consumo”.

O FMI também revê o crescimento do PIB português para 1% este ano e para 1,1% em 2017. Segundo o FMI, o défice deverá ficar nos 3% do PIB este ano e no próximo. E, em entrevista ao IMF News, o chefe da missão a Portugal, Subir Lall, sublinha: “Com um baixo crescimento e um investimento reduzido, mas com uma dívida soberana elevada, o que Portugal necessita neste momento é de uma consolidação orçamental acumulada de 1% do PIB ao longo de dois anos. Tal compensaria o relaxamento orçamental de 2015 e a evolução projectada pelos técnicos para este ano”. Estas “previsões pessimistas” e conselhos do FMI são propaladas aos quatro ventos e divulgadas sobretudo com o objectivo de justificar medidas de maior austeridade para as classes trabalhadoras e o povo, habitualmente preconizadas por esta instituição do capitalismo internacional.

A necessidade de luta e organização

Apesar de actualmente existir uma maioria da esquerda parlamentar na Assembleia da República e um governo apoiado por essa maioria, que tem estado a reverter parte daquilo (nomeadamente salários e pensões) que nos últimos anos foi violentamente subtraído às classes trabalhadoras e ao povo pelo governo do PSD/CDS, não se pode pensar que tal processo vai prosseguir e, muito menos, conduzir a uma profunda alteração da relação de forças por via parlamentar. Por um lado, o governo de António Costa, por idiossincrasia do PS, não será capaz de romper com as baias impostas pela CE e pela NATO, por outro lado, as constantes pressões de ordem externa (UE, FMI, agências de rating) e de ordem interna (organizações patronais, divergências no interior do próprio PS ou os tão almejados “consensos” de classe do PR) vão fazendo o seu caminho. Até quando a actual direcção do Partido Socialista conseguirá aguentar estas pressões?

A luta e a organização das classes trabalhadoras não se podem descurar num contexto em que é mais fácil para muitos pensar que as coisas se irão resolvendo na AR e com um governo de maioria parlamentar de esquerda. Tal ilusão leva à desmobilização dos trabalhadores e à queda num beco sem saída. Não se pode esquecer nunca que o fundamental da luta de classes não é a luta parlamentar e que só um amplo movimento social e uma forte luta de massas são capazes de impor uma alteração profunda da actual relação de forças burguesia-proletariado, assim como operar, no futuro, uma transformação da “classe em si” numa “classe para si”, numa perspectiva da tomada do poder pelos trabalhadores.


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