O papel das classes médias

Manuel Raposo — 30 Agosto 2016

bandeiranacional_reduzO que está no centro dos nacionalismos, de direita ou “de esquerda”? — a mobilização das classes médias. A concentração do capital na Europa, sobretudo desde que passou a fazer-se num ambiente de crise mundial, alienou as classes médias, afastando parte delas da sua aliança natural com a burguesia capitalista. Isso está bem sinalizado na perda de apoio dos tradicionais partidos do centro.

Numa Europa economicamente unificada (à força, evidentemente, e sob a hegemonia dos grandes potentados, que é a única maneira de o capital se concentrar) o conteúdo da política nacionalista já não pode estar (a não ser idealmente e utopicamente) na defesa da independência nacional, cada vez mais impossibilitada precisamente por um capitalismo largamente europeizado. O seu conteúdo é sim o de evitar os riscos de desagregação social criados por esse mesmo processo de concentração capitalista — ou seja, re-agregar as classes médias e arrastar atrás delas as massas trabalhadoras.

O apelo nacionalista tem por função motivar as camadas pequeno e médio burguesas fazendo-lhes crer que podem ter um papel político nos destinos do país, e portanto nos seus próprios destinos. Com a ideia aliciante de que podem (pela seriedade, a justiça, a escolha dos homens certos, etc.) corrigir os “desvios” perniciosos do sistema social, o apelo nacionalista tem por efeito manter as classes médias — descontentes e descrentes das virtudes deste capitalismo — no quadro de um capitalismo mirífico, supostamente expurgado daqueles que o “corrompem”. E, em última análise, recolocá-las de novo na esteira do grande capital e da grande burguesia.

Este realinhamento será inevitável na ausência, como hoje acontece, de um movimento anticapitalista, revolucionário, que mobilize a massa trabalhadora enquanto força social antagónica do capital. Só um tal movimento pode ser o contraponto seguro das políticas burguesas. Sem ele, a massa trabalhadora, em vez de arrastar para o seu lado parte da pequena burguesia, enfileira trás das propostas políticas das classes médias. Foi por isso que boa parte do eleitorado trabalhador britânico alinhou com as propostas da direita e da extrema direita; do mesmo modo que, por exemplo, muitas das regiões francesas tradicionalmente operárias votam na Frente Nacional fascista na ilusão de que o nacionalismo desta possa ser uma via de defesa dos seus interesses.

Há contudo, presentemente, uma dificuldade que se pode dizer histórica: a senilidade do capitalismo mundial, manifestada na incapacidade para acumular capital a ritmos convenientes, não dá à burguesia margem para comprar as classes médias como antes da actual crise se ter generalizado. Neste quadro, é de prever que os nacionalismos, depois de um êxito político imediato (como estão a ter, sobretudo os de direita) tenderão a frustrar rapidamente as expectativas das massas médias e trabalhadoras — desde logo por serem impotentes para inverter o rumo da economia mundial e relançarem a acumulação de capital, questão chave para conceder às massas os benefícios que compram a paz social.

Os nacionalismos “de esquerda” terão, certamente, nestas circunstâncias, uma vida curta, ou podem até nem ter condições de se afirmarem como via efectiva. O seu destino mais plausível será soçobrar sob a pressão da crise económica e acabar por fazer, com fracas nuances, o papel da burguesia — como sucede na Grécia com um Syriza convertido de facto (pouco importam eventuais amargos de boca dos seus dirigentes) à política de austeridade que se propôs combater, amarrado à política da troika. Seguir-se-á o despedimento, quando as massas lhes virarem as costas, defraudadas, e a burguesia já não tiver de os tolerar.

O caminho dos nacionalismos de direita será seguramente outro. Frustradas na mesma as esperanças das massas de progresso económico, de bem estar e de sossego, restará à direita impor-se pela força (militar, policial, judicial) do Estado, o que significará amordaçar e escravizar as classes trabalhadoras fazendo-as pagar amargamente as ilusões numa via de capitalismo “nosso” e “humanizado”.

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