Crise em cima da crise

Manuel Raposo — 23 Agosto 2016

A street vendor sits in front a wall that reads "That the crisis pay the rich", in downtown SantiagoO rebentar de uma segunda crise financeira, em cima da de 2007-2008, que praticamente ninguém já descarta, parece ser apenas uma questão de tempo. Os remédios aplicados por toda a parte (EUA, UE, Japão) mostraram-se ineficazes para o objectivo pretendido: relançar o crescimento económico, ou seja a acumulação de capital. A estagnação é geral, vai para uma década. De novo, é a partir dos grandes potentados, como a banca alemã, que o abalo ameaça propagar-se.

O referendo britânico está a funcionar como um catalisador: bolsas em quedas históricas (não apenas na Europa), desvalorização das moedas, corrida ao ouro, fuga do investimento nos activos menos seguros, corrida às obrigações dos Estados mais ricos. Um ambiente de aflição geral, mal disfarçado pelos apelos à calma de responsáveis políticos, instituições económicas e comentadores encartados.

Confirma-se no Reino Unido o que aconteceu por quase toda a Europa (e também nos EUA, como mostra a campanha presidencial): a fractura nas classes médias, uma parte para a direita, outra (mais pequena) para a esquerda reformista. Essas classes perderam privilégios — a globalização deu-lhes inicialmente vantagens mas foi sol de pouca dura. A crise do capital mundial empurra-as para a condição precária dos proletários. E é isso que elas recusam.

Quem lidera e dá corpo político a este descontentamento? A direita e a extrema-direita, cada vez menos distintas uma da outra. Exemplos: França, Áustria, Alemanha e agora o Reino Unido; mas também Holanda, Suécia, Itália, Hungria, Polónia. Sem esquecer os EUA com Trump e Clinton, uma escolha entre a frigideira e o lume.

Estas forças políticas que agora se afirmam não são já grupos fascistas e nazis revivalistas, seitas que agrupavam fanáticos — ao contrário, são partidos de massas que congregam as classes médias apavoradas e correspondem aos seus medos. Quais os argumentos que usam? Um regresso ao passado, mascarado de avanço: nacionalismo, fronteiras seguras, discriminação e expulsão de imigrantes, policiamento, segurança a troco de liberdades, divisão étnica e religiosa.

Aparentemente, tudo isto choca com os propósitos do grande capital, e o seu processo de concentração — que precisa de fronteiras abertas, livre circulação de capitais e de mercadorias, deslocação de mão-de-obra, e que tem tido na livre representação das forças políticas o argumento com que perpetua a sua dominação efectiva. No entanto, um sistema social que não pode já proporcionar condições alargadas de progresso material (nem mesmo ilusório, nem mesmo relativo) também não pode proporcionar liberdade de escolha política às classes que o compõem, nem pode defender a igualdade entre todos os seus membros.

O papel das forças da direita é tentar a quadratura deste círculo da única maneira possível: plena liberdade para o capital, controlo agravado sobre as massas trabalhadoras, inclusive com criminalização dos movimentos sociais — em nome da defesa “da sociedade”. Não é impossível que o consigam num primeiro momento, mas isso apenas criará condições para agravar e tornar explosivas as tensões sociais que uma sociedade em declínio não pode resolver.

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O papel das classes médias


Comentários dos leitores

António Alvão 29/8/2016, 16:28

"Crise em cima de cise", etc. etc. - A crise é como a pobreza, se não dessem lucro,sempre aos mesmos, não existiriam! As análises dos analistas do situacionismo convencional e outros, sem irem aos fundo da questão, elas convergem mais ou menos. De analistas, neste País, não temos crise! Temos crise é de revolucionários.
Revolucionários que conheci antes e depois do 25/A, foi sol de pouca dura. Quando terminou o PREC, a maioria destes revolucionários terminaram também! Estes arrependidos de revolucionários, talvez o teriam feito por ausência de ideais e convicções ideológicas(?) Na sua grande maioria nunca leram nada sobre nada, e alguns pequeno-burgueses que liam, ponham umas palas, só para lerem numa determinada direcção! Depois, acontece a derrocada a Leste e, passou-se a notar uma certa orfandade no debate ideológico, em muita gente de "esquerda" - "Os médicos que só sabem de medicina, nem de medicina sabem"!!! - Abel Salazar.


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