Um livro
Comunismo: Situação e perspectivas
O declínio das bases materiais do reformismo
5 Julho 2016
Na continuidade do texto aqui divulgado em 1 de Junho (e no número 52 do MV, edição em papel), publicamos agora uma adaptação do segundo capítulo do livro 2015 Situação e Perspectivas, do marxista francês Tom Thomas. Depois de ter analisado as razões do predomínio do reformismo na maioria dos movimentos proletários até à data, o autor mostra como a actual crise mundial do capitalismo dá o sinal do declínio e do desaparecimento das bases materiais do reformismo. Vivemos uma novidade histórica, afirma, em que a senilidade do capital faz desaparecer as condições do reformismo e, ao mesmo tempo, amadurece as do comunismo.
Declínio e desaparecimento das bases materiais do reformismo social-democrata
A situação actual revela à luz do dia a amplitude de um fenómeno iniciado nos anos 70 na Europa (e outros lugares): a degradação, até ao desaparecimento, da situação que alimentava e estimulava o tradicional reformismo social-democrata (1). Com efeito, a sua análise mostra que a crise actual não é apenas uma crise clássica de sobre-acumulação de capital correlativa a um subconsumo das massas, mas que a sua característica mais significativa reside num esgotamento estrutural dos ganhos de produtividade. Por outras palavras, um esgotamento do aumento da extracção de mais-valia na sua forma relativa, a única que permite prosseguir — de forma que não seja pontual e efémera — a acumulação do capital (ou seja, o crescimento) da época moderna (produção de massa altamente mecanizada, exigindo um consumo em aumento constante). Esgotamento esse inultrapassável porque os ganhos de produtividade anteriores acabaram por baixar a quantidade de trabalho produtor de mais-valia empregue pelo capital, portanto o valor das mercadorias que mede essa quantidade, a tal ponto que o movimento de valorização desse valor (a produção de mais-valia) — que é própria existência do capital — estagna e mesmo regride (movimento de desvalorização). Para valor evanescente, valorização evanescente.
[Investir para quê?]
Ou seja, como é que o capitalista em geral poderia aumentar a produtividade e a extracção de uma maior quantidade de mais-valia relativa, quando isso exige um imenso investimento para melhorar uma maquinaria já altamente sofisticada, ao mesmo tempo que a poupança de mão-de-obra produtora de mais-valia que ele, capitalista, poderia assim fazer seria pequena, dado que esta mão-de-obra já pouco conta relativamente nos custos de produção (na ordem dos 10% para as grandes empresas)?
Portanto o capitalista não investirá, ou investirá menos (2), apesar de os Bancos o inundarem de créditos quase gratuitos e de os Estados o fartarem de subvenções, baixas de encargos sociais e de impostos, etc. Não se consegue obrigar a beber um burro que não tem sede! Não se consegue obrigar a investir um capitalista que, com isso, não espera aumentar os seus lucros! Acaba o crescimento!
Relembrada esta situação (a senilidade do capitalismo), voltemos à questão que nos importa agora: as bases objectivas do reformismo social-democrata.
[Os limites do crescimento]
A primeira das duas bases que sublinhámos, o crescimento da mais-valia extraída na forma relativa, isto é, obtida pelos ganhos da produtividade geral, está em quebra irremediável como se acaba de dizer.
A segunda, que era concomitante desta, a mundialização imperialista, enfraqueceu também. Os negócios tornam-se mais difíceis nos países ditos “emergentes” (tais como os BRICS (3) apresentados como exemplos de crescimento na prosa mediática), porque também eles são atingidos pela crise. Só para pegar no exemplo da China, tão elogiada e classificada como segunda economia mundial, não se trata apenas de as suas exportações, nas quais se apoiava o seu crescimento, depararem com as políticas de austeridade generalizadas (para os povos). Trata-se, também aí, do esgotamento dos ganhos de produtividade, tanto mais que o capital se debate com uma resistência acrescida dos proletários. Na China, já em 2010, a produtividade global apresentava mesmo tendência para diminuir cerca de 0,5% por ano. Como por todo o mundo, na China o crescimento aparente assenta cada vez mais no recurso ultra-maciço ao crédito: a dívida acumulada atingiu 220% do PIB no fim de 2013 contra 130% cinco anos antes. Daí, uma massa de capital fictício que se acumula em bolhas.
Não é pois da mundialização que o capital mundializado pode esperar o regresso de um crescimento, mesmo molengão. Observemos também que, desde o fim do sistema colonial, os imperialismos têm de partilhar o saque com as cliques burguesas e militares predatórias que tomaram o poder político nas antigas colónias e que se apropriam de uma parte, que elas esperam sempre aumentar (cf. o exemplo célebre dos dois “choques” petrolíferos dos anos 70), das rendas mineiras e da mais-valia obtida da exploração das populações pelas multinacionais industriais e do agro-alimentar.
Para contrabalançar os esgotamento dos ganhos de produtividade, os capitalistas têm de aumentar ainda mais a extracção da mais-valia na sua forma absoluta. É isso que os vemos fazer dia a dia com a ajuda activa de todos os Estados: alongamento do horário de trabalho (semanal e ao longo da vida); aumento da sua intensidade, nomeadamente com a sua “flexibilização”; diminuição dos salários directos e indirectos (prestações sociais) (4); aumento dos impostos e taxas sobre o povo (e, ao contrário, diminuição dos encargos pagos pelos patrões); etc.
Ora, uma tal política, hoje posta em prática mundialmente e sistematicamente, não pode originar crescimento porque reduz de forma evidente o consumo (5). Aliás, as receitas e as pupanças que ela pretende fornecer aos Estados para pagarem as dívidas são, além da sua improvável realização, completamente irrisórias em vista dos montantes faraónicos dessas dívidas.
A solução parece então, para muitos, estar numa política (dita keynesiana) de relançamento do crescimento através de uma subida dos salários e dos investimentos do Estado (como as grandes obras de infra-estruturas, construção de casas, energia verde, etc.). Mas não é no momento em que o processo de valorização do capital está doente, e mesmo em pane, que uma subida dos salários é possível, tal como não é possível que Estados hiper-endividados aumentem as suas despesas.
[Uma novidade histórica]
O futuro dos proletários e dos povos no capitalismo é a degradação em todos os planos da suas condições de trabalho e de vida. Muita gente já vive esta realidade, e os demais temem lá chegar. Mas o que é importante para a resposta a dar ao problema é compreender que estes são fenómenos absolutamente inerentes à realidade do capitalismo contemporâneo. Compreender, portanto, que a possibilidade de uma escolha reformista já não existe, porque já não existem os seus fundamentos materiais.
A menos que se chame reforma, como fazem os ideólogos do capital, às degradações em curso: reformas reaccionárias (no sentido próprio do termo: voltar para atrás). O movimento reformista tradicional (“a esquerda”) está condenado a sofrer fracassos garantidos na sua pretensão de melhorar a sorte das camadas populares. Apontemos desde já esta consequência: todos aqueles, nomeadamente os defensores dos extremismos estatais (portanto burgueses) tipo FN [Frente Nacional] ou PG [Partido de Esquerda] em França, que pretendem estabelecer um “bom capitalismo”, ao serviço do todo que seria a Nação, ou melhor ainda, do “humano” em geral, não passam de charlatães, de vendilhões. O único futuro “humano” para os proletários está neste facto: ao mesmo tempo que desaparecem, — e definitivamente, nesta época da senilidade do capital — as bases materiais do reformismo de esquerda, amadurecem as do comunismo. O que é uma grande novidade histórica.
Notas
(1) O termo social-democrata designa, para resumir, as organizações ditas de esquerda, tais como, em França, o PG [Parti de Gauche], o PC e o PS e os seus satélites sindicais, defensores de uma via pacífica legal e estatista para o “socialismo”.
(2) Segundo um inquérito da Standard & Poor’s às 200 mais importantes empresas do mundo, as despesas de investimento recuaram em 2013 em 1% e baixariam ainda em 2014. A mesma agência indica que, nos EUA, dividendos e resgates de acções representam 95% dos ganhos das 500 mais importantes empresas cotadas em Bolsa. O que significa que só reinvestem, no máximo, 5% dos seus ganhos.
(3) Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul.
(4) Segundo o INSEE [Instituto Nacional de Estatística francês], o poder de compra das famílias em França diminuiu de 0,7% em 2001, de 1,8% em 2012, de 0,9% em 2013. E trata-se apenas de uma média que oculta o facto de os 5% mais ricos se terem tornado mais ricos, e de, contrariamente, portanto, a quebra do poder de compra da maioria ter sido muito mais forte do que essa média mostra.
(5) Em termos marxistas, tal política aumenta o sobre-trabalho dos trabalhadores activos, que são em número mais reduzido, não permitindo portanto que esse sobre-trabalho se converta em mais-valia.
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgonçalves 7/7/2016, 17:16
Talvez não seja correcto tecer um comentário antes da conclusão da leitura integral de um livro, mas talvez seja conveniente chamar à atenção de que o autor deve ser directo no assunto sem recorrer a infinitas explicações sobre uma realidade que todos,ou quase todos, já sabem. Seria mais importante afirmar quais as alternativas concretas para resolver os problemas existentes em benefício dos trabalhadores e da sociedade em geral. Temos o exemplo de Lenine quando escreveu em Setembro de 1917 «A Catástrofe que se aproxima e os meios para a conjurar».Foi directo ao assunto e não se alongou em explicações"científicas" sobre as causas da dita catástrofe. Infelizmente a escola francesa marxista não tem sido notável no desenvolvimento desta teoria histórica e científica e sinceramente não acredito que este autor altere este triste percurso.
•Nazareno 28/7/2016, 17:39
Muito interessante o comentário do livro.
Publicamos um artigo sobre o Estado Senil do Capitalismo: http://cemflores.blogspot.com/2010/08/crise-cronica-ou-o-estadio-senil-do.html
Onde esse trecho:
""O que começa é um longo período de perturbações e de revolução social que, com altos e baixos, derrotas e vitórias, se estenderá por vários decénios. O que começa é a necessidade de ultrapassar os primeiros grandes obstáculos à constituição dos proletários como classe independente, tais como: a ideia de que o Estado poderia não ser capitalista com um governo de esquerda, que a organização de um partido revolucionário comunista não é uma necessidade, que a luta de classes não precisa da teoria marxista, etc…" (Tom Thomas)" é citado de uma entrevista aqui: http://www.jornalmudardevida.net/?p=1742