O arrastão de Colónia
Urbano de Campos — 15 Março 2016
Em Junho de 2005, toda a comunicação social portuguesa fez parangonas com o que chamou o “arrastão” de Carcavelos. A PSP de Lisboa acusou “cerca de 500 indivíduos negros” de atacarem, roubarem e agredirem banhistas. “Testemunhas” confirmaram os maiores desmandos, comerciantes da praia fecharam os estabelecimentos. O presidente da CM de Cascais, verberou os “delinquentes” e “marginais”. A polícia aconselhou “os políticos” a “saber ler os sinais”. Dirigentes partidários reclamaram medidas de segurança reforçadas. Tudo se revelou falso.
Um mês depois, com efeito, um inquérito da polícia concluiu que “não houve arrastão”. Os jovens que corriam na praia (era a tarde do último dia de aulas) não atacavam os banhistas mas fugiam da polícia. O comandante da PSP de Lisboa admitiu ter sido pressionado para falar em cerca de 400 jovens. A PSP e o governo reconheceram que o “arrastão” fora “uma ficção” e deram conta da inexistência de queixas por roubos.
Com os festejos de fim-de-ano em Colónia, em Dezembro passado, deu-se coisa em tudo semelhante.
Uma centena de mulheres terão denunciado ataques de natureza sexual durante as celebrações de rua. Os autores dos ataques teriam sido homens “árabes e norte-africanos”, certamente refugiados. A polícia concluiu que se tratava de “uma nova dimensão no crime”. A direita culpou a política “permissiva” de Merkel a respeito dos refugiados sírios. O ministro do Interior disse que não devia haver ”nem suspeita generalizada, nem nenhum tabu” a respeito dos “árabes e norte-africanos” (ou seja: não acusem todos, mas não deixem de os acusar). O ministro da Justiça disse acreditar que os ataques “tinham sido planeados”. As autoridades de Colónia afirmaram, em comunicado, que “a maioria dos suspeitos pediram asilo político e estão na Alemanha ilegalmente”. Os números das queixas apresentadas variaram entre uma centena, 379, 516 e 1054.
Em meados de Fevereiro, o inquérito policial identificou 58 agressores, 3 dos quais alemães e apenas 3 refugiados — ou seja, 55 deles (de várias origens) não são refugiados e vivem há muito na Alemanha. Apurou-se ainda que a maioria dos ataques foram roubos e não ataques sexuais.
No entanto, o efeito racista de acusar os refugiados (tal como os “jovens negros” de Carcavelos) estava consumado. Não só na Alemanha, como em Portugal, a exaltação com que os “ataques” de Dezembro foram noticiados e comentados não tiveram correspondência, nem de longe, nos desmentidos que deveriam resultar do inquérito.
Uma película muito fina separa as autoridades políticas, a comunicação social, os comentadores, as polícias da propaganda abertamente racista da extrema-direita.
Comentários dos leitores
•leonel clérigo 17/3/2016, 16:46
CRISES ECONÓMICAS E GOLPES DE ESTADO: UM CASAMENTO INDISOLÚVEL
Refere UC, no último parágrafo, que entre o Poder Político Capitalista e a Comunicação Social existe hoje “Uma película muito fina que os separa…” Essa “película”, julgo eu, além de “fina” é também “transparente” o que já nos permite ver quem “rege a orquestra” com “mão-de-ferro”.
1 - De facto, há uns anos atrás, ainda “escapavam” à malha apertada do capitalismo, um conjunto de pequenos “orgãos” de Imprensa e alguns jornalistas “carolas” que funcionavam como “do contra” e tudo faziam por refrescar as mentes. Com a chegada da “imagem” e do “som” reunidas na “imbatível” TV, chegou também a necessidade de dispor de grandes capitais para se ter o privilégio de a “utilizar”. Ou seja: duma penada, surge a “concentração” e com esta o “exclusivo” da sua utilização pelo capitalismo. E hoje, soldada ao Capital, a Comunicação Social assume por todo o lado o papel de seu “braço armado” e esforça-se diligentemente por trazer o atraso mental aos cérebros e, com este, a passividade no trabalho e nos “lares”.
2 - O que se está a passar no Brasil é disto um belo exemplo: o “aperto” da capitalista Globo sobre a Comunicação Social brasileira, permite-lhe estar, nesta fase “preliminar”, na ofensiva da burguesia capitalista dependente - e entreguista - brasileira, até a uma possível chegada dos seus “coronéis”. O objectivo desta, não é o desenvolvimento industrial do Brasil como um todo, nem o “sacudir da pata” do ancestral Imperialismo estadunidense, mas os privilégios que lhe dá a “associação” entre a Banca e Indústria e os “investidores estrangeiros” das multinacionais sediados em S, Paulo, levando a reboque a pequena burguesia “queque” (ou lumpen?) dos serviços, eximia tocadora de “tachos e panelas” ao estilo das “mães” de Pinochet. O segredo destes acontecimentos no Brasil - tal como por cá o foram o da Casa Pia que fez cair Ferro Rodrigues e o da “prisão” de Sócrates - vai em linha recta direito ao desmantelar dos Emergentes (China, Rússia, Brasil, India) e ao seu papel de oposição à interferência imperialista do G7 na autonomia das Nações. Compreende-se: qualquer oposição ao poder dos “Impérios” é tida como uma real ameaça à sobrevivência da “elite” do G7 e, por isso, convém eliminá-la a todo o custo. O Capitalismo já muito dificilmente se aguenta com 7 industrializados de alto gabarito que produzem quinquilharias que já dá para abastecer 3 Planetas Terra. E que aconteceria com a “emergência” de mais 4 gigantes a despejarem mercadorias para o famoso, mas cada vez mais endémico, “mercado”? Simples: a crise permanente e o caos do sistema capitalista.
3 - Mas seja como for, se vivêssemos ainda em tempos da Revolução Cultural Chinesa, talvez alguém já tivesse tido a iniciativa de escrever numa parede da cidade de Lisboa a adequada “pinchagem” em falta: “Fogo sobre a Comunicação Social capitalista! Fogo sobre todos os “Balsemões e as suas SICs!…” Mas para que isso não se resumisse a uma simples “frase”, seria necessário muito “trabalho” e “organização”…