Operação Condor ainda voa

Manuel Raposo (*) — 14 Fevereiro 2016

Pinochet_PBNuma entrevista conduzida pelos jornalistas Pedro Caldeira Rodrigues e José Manuel Rosendo (Lusa) o activista dos direitos humanos paraguaio Martín Almada revelou que a Operação Condor continua activa na América Latina e ameaça os regimes progressistas do continente.
O testemunho, prestado em 18 de Dezembro passado — e que assinalou o 40.º aniversário da assinatura do pacto de colaboração policial entre várias ditaduras latino-americanas — não teve eco na imprensa portuguesa, apesar da gravidade da denúncia feita por Martín Almada. Quando todos os regimes do nosso Ocidente democrático se mostram tão preocupados com os actos de terror que os atingem de vez em quando, é bom que se atente na escala industrial de mais este exemplo de terror de Estado de âmbito não já nacional, mas multinacional.

A Operação Condor resulta de um pacto firmado há 40 anos, em Novembro de 1975, entre as ditaduras do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia para liquidar os opositores dos respectivos regimes. A sua acção prolongou-se pelos anos 80. Em 1992 foi descoberto no Paraguai o Arquivo do Terror que dava conta do aparelho montado pelas ditaduras no âmbito da Operação Condor e permitiu as investigações conduzidas pelos activistas sul-americanos.

Martín Almada, ele próprio preso e torturado em 1974, actua através de uma fundação que denuncia os crimes então cometidos, e alerta para o facto de o referido pacto ainda hoje funcionar, coordenado pelas elites sul-americanas, nomeadamente os meios militares.

Como Almada refere na entrevista, a Operação Condor era destinada a calar toda a voz que contestasse a imposição do modelo neoliberal, de concentração da riqueza. Passou por várias etapas. “Designo a primeira etapa por pré-Condor, em 1964, quando o Presidente João Goulart foi derrubado no Brasil [por um golpe militar]. Aí começaram os assassinatos, mas foi eminentemente bilateral, um Condor bilateral, Brasil-Argentina, Brasil-Bolívia, Brasil-Chile”.

Seguidamente, denuncia Almada, desenvolveram-se mais duas etapas. A segunda etapa é já multilateral, na sequência do acordo estabelecido em 25 de Novembro de 1975 em Santiago do Chile, durante a ditadura do general Pinochet, e que envolveu ainda os regimes da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia, e esporadicamente Peru, Colômbia, Venezuela e Equador, com a participação dos Estados Unidos.

“Mas actualmente, sublinha Almada, o Condor é global, funciona através da conferência dos exércitos das Américas. Assim, passou três etapas, bilateral, multilateral, e hoje global”.
Nesta etapa global estarão envolvidos praticamente todos os países da América-Latina com excepção de Cuba, Venezuela, Bolívia, Argentina e Nicarágua.

Martín Almada diz que o actual plano Condor foi descoberto através de um documento secreto militar, no qual se solicitava em 1997 que fossem elaboradas “listas de subversivos” na América Latina. “Agora estamos a seguir os passos do Condor”, assinala, sugerindo que a operação nunca terá sido de facto interrompida.
“Quando abrimos os documentos em Assunção — o citado Arquivo do Terror, descoberto em 1992 — encontrámos 700.000 folhas. No total da região, entre 1975 e 1985, calculamos que foram liquidadas cerca de 100.000 pessoas, nos seis ou sete países, porque o último país que entrou oficialmente [na operação Condor] foi o Equador”.
Em face de tais números, o activista compara o balanço da operação (desencadeada por ordem de Henry Kissinger, o então secretário de Estado norte-americano) ao “lançamento de uma bomba atómica”, por ser comparável às vítimas registadas em Hiroxima e Nagasaki.

“Os Estados Unidos, vinca Martín Almada, lançaram uma bomba atómica no Cone Sul da América Latina, e as pessoas ainda não têm consciência, julgam que o Condor terminou com Pinochet. Não há consciência sobre o que se passou e o que está a acontecer, mas para nós o Condor continua ainda hoje a voar” .
Como exemplos da actuação presente do Condor, Almada aponta os derrubes dos ex-presidentes das Honduras (Manuel Zelaya, em 2009), e do Paraguai (Fernando Lugo, em 2012), bem como os recentes desenvolvimentos na Argentina, Brasil ou Venezuela.

“Posso dizer que o século XXI é o século onde se assinaram os acordos mais importantes sobre direitos humanos, e em simultâneo o século onde mais se violam os direitos humanos”, disse.
Apesar de tudo isto, Martín Almada mantém confiança no futuro: “É necessário cortar as asas ao Condor, que voa muito alto, para que a América Latina seja um território de paz. Depende da mobilização e organização das pessoas. Depende de nós. Porque na natureza não existe nada de definitivo, absoluto, fechado, excepto a mudança”.

(*) Texto baseado em notícia da Lusa


Comentários dos leitores

leonel clérigo 15/2/2016, 20:11

“RECUERDOS”
1 - Este texto de MR trás à memória a “longa marcha” da América Latina - até agora sem êxito tal como acontece com Portugal - para desbloquear o seu acesso à “industrialização” e ao “desenvolvimento”. Mas trás também à memória a longa lista dos “Pinochet” que exerceram o poder de forma sangrenta, sustentados pela aliança entre as classes burguesas locais colonizadas pelas grandes nações imperialistas da América do Norte e da Europa e que vem impedindo esse “desenvolvimento”.
2 - Com a ditadura sangrenta de Pinochet, convém recordar que nasce no Chile a “primeira experiência” neoliberal impulsionada pela Administração Nixon dos EUA e “abençoada” pelas Escola de Chicago e Universidade Católica do Chile - as “incubadoras” da reaccionária “rapaziada de Chicago” - que forneceram os “quadros” aos governos de Pinochet. Por essa altura, também se falou do “Populismo”, materializado nas governações do período "desenvolvimentista" anterior, um “mau da fita” ainda por cima cheirando a marxismo, como foi o governo de Allende.
3 - Hoje, o Populismo voltou a desfilar na “passerelle” da moda da ideologia capitalista: não há "político de feiras" nem cão nem gato da nossa ilustre Comunicação Social que não cuspa o termo “populismo”. Por isso, julgo valer a pena fazer uma pequena “re-visita”.
4 - O Populismo é, historicamente e ao contrário do seu ganho actual de “palavrão” burguês, uma forma, entre outras, de “estratégia política de desenvolvimento económico” que o mundo dos subdesenvolvidos lançou mão para tentar romper o cerco dos “desenvolvidos” e “industrializados” ao seu desenvolvimento. Essa “elite” desenvolvida - o G7 -, já viu há muito que, se o mundo inteiro se “industrializasse” e "desenvolvesse", isso traria a sua morte e a do próprio capitalismo: quem sabe, mesmo pouco, como funciona a máquina capitalista, sabe que isso é assim (Keynes sabia-o...) e aqui está uma das grandes contradições do mundo actual do capital, sobretudo quando se olha a denominada “vaga migratória”. Por isso, há muito que a imperialista “elite desenvolvida” impede, por todos os meios possíveis ao seu alcance, o “subdesenvolvido” de se “desenvolver”, colonizando a burguesia local/nacional e tornando-a “entreguista” - como a nossa - a troco de “negócios” locais promovidos pelo célebre “capital exterior” que dão ao "saloio" a aparência de "desenvolvimento".
5- E hoje, quando a “crise de acumulação” volta a assolar violentamente o capitalismo, os seus “ideólogos” sabem bem que, nas crises, quando os “laços de dependência ao imperialismo” se afrouxam e surgem de novo as “veleidades” dos descamisados tentando sacudir o “jugo imperial” e a sua “sorte” na “industrialização”, há que olear bem as duas “ferramentas” e tê-las bem perto: o "golpe de Estado" e a "aldrabice ideológica" para que, eternamente,“tudo fique no seu lugar”. Para verdadeiros “democratas”, não está nada mal…


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