Estava tudo a correr tão bem
António Louçã — 26 Julho 2015
Entre as incontáveis aberrações que a imprensa-voz do dono tem inventado para explicar o estoiro da Grécia, está a de afirmar que se tinha iniciado uma recuperação económica — “tímida”, admite-se com ar grave — e que logo aí veio um partido de esquerda estragar tudo.
Este filme é muito visto e precedeu quase todas as explosões maiores da história universal.
Estava tudo a correr tão bem para os exércitos de Hindenburg e Luddendorf, quando os marinheiros de Kiel se lembraram de recusar o embarque para a morte e os operários de Berlim se lembraram de entrar em greve geral. A “punhalada nas costas”, desferida por vermelhos, certamente judeus, causou a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial. Desta lenda se alimentou o nazismo.
Também no recanto mais provinciano da Europa, estava tudo a correr tão bem com a guerra colonial, quando um punhado de capitães se lembrou de organizar uma revolta. Em Angola a guerra estava “quase ganha”, em Moçambique longe de se perder, e na Guiné talvez ainda houvesse um milagre — mas veio, mais uma vez, a “punhalada nas costas”.
E assim por diante: estava tudo a correr tão bem, a tripulação tão atenta, a navegação tão responsável, quando veio um iceberg embater no Titanic.
Os triunfadores da noite de Bruxelas dizem que tudo corria bem na Grécia antes do Syriza e tudo corre bem na Europa depois da assinatura. Como o físico que põe em dúvida as leis de Newton, faz a experiência de se atirar do alto do Empire State Building e, a dois andares de chegar ao solo, ainda diz pelo telemóvel: “Está tudo a correr tão bem”.