As figuras que eles fazem

Pedro Goulart — 30 Março 2015

SL_MRS_DBSurgiu há pouco tempo na comunicação social mais uma polémica menor, contribuindo para distrair os portugueses das questões essenciais do País. Foi quando Cavaco Silva publicou no site da Presidência o prefácio ao seu livro Roteiros IX, onde manda alguns palpites sobre o perfil do seu sucessor. Aí, entre outras coisas, Cavaco afirma que o futuro PR deve ser experiente em política externa, porque esta “é hoje uma das principais funções” inerentes ao cargo. Talvez Cavaco estivesse aqui a pensar na “experiência” política externa do seu correligionário Durão Barroso, que serviu de anfitrião nas Lajes a George Bush, Tony Blair e José Maria Aznar, onde “sabiamente” decidiram a invasão militar do Iraque, para “eliminar as armas de destruição maciça”, que que nunca chegaram a ser encontradas.

Não parece fácil distinguir qual a figura mais ridícula neste caso: a de um Cavaco, sempre homem de mão do capital, sempre serviçal do imperialismo (embora hoje pouco eficaz no seu papel) a traçar o perfil ideal do seu sucessor ou, então, a pose de alguns dos potenciais candidatos da direita às eleições presidenciais, procurando não pôr em causa a credibilidade do actual ocupante de Belém, mas fazendo algumas piruetas para se encaixarem no perfil traçado por Cavaco.

Um Santana Lopes, ridículo, sem dúvidas de que preenche efectivamente o requisito defendido por Cavaco Silva e arengando sobre a sua pretensa experiência em política externa (lembrando as funções que teve enquanto primeiro-ministro e secretário de Estado da Cultura) mas, simultaneamente, considerando que o perfil traçado pelo actual Presidente, afasta nomes como Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Rio, Carvalho da Silva e Sampaio da Nóvoa.

Um Marcelo, mais subtil mas também ridículo, dando alguma razão a Cavaco e recordando, entre outras coisas, a sua “experiência” no período de adesão ao euro, quando fez com António Guterres “uma espécie de acordo de regime para viabilizar três orçamentos”, que permitissem que Portugal aderisse à moeda única. O comentador da TVI, apesar de algumas convenientes demarcações em relação ao governo de Passos Coelho, tem-se colado cada vez mais ao PSD, procurando senão já um apoio declarado, pelo menos a não oposição deste partido à sua candidatura a Belém. Para Marcelo, e para chegar a PR, vale tudo: passados os tempos do mergulho no Tejo ou da condução de táxis em Lisboa, agora até se dispôs a dar uma entrevista exclusiva à revista Cristina, revista cujo “recheio” é facilmente previsível.

É evidente que o perfil traçado por Cavaco e os indivíduos que nele se procuraram encaixar só nos dizem respeito na medida em que se trata de serventuários do patronato e de figadais inimigos dos trabalhadores. Aliás, os vários indivíduos que até agora vêm surgindo como potenciais candidatos a PR mostram que a escolha irá situar-se, como habitualmente, na área da direita. Contudo, se se assistir a uma derrota significativa dos partidos do capital nas próximas eleições legislativas e se a luta contra a austeridade e pela recuperação das condições de vida perdidas conseguir mobilizar de novo as massas trabalhadoras, será possível fazer sair a campanha das presidenciais do campo estreito em que se tem movido desde há décadas – pondo claramente a ridículo alguns daqueles que hoje se posicionam na linha de partida.

PS: Este artigo já estava escrito quando surgiu mais um potencial candidato de direita a PR, Henrique Neto. Pelo seu passado no pós-25 de Abril e pelas posições públicas por ele assumidas ao longo dos últimos anos é fácil de prever o que aí vem. E, sem hipóteses de ser eleito, este “honrado” patrão dos moldes talvez esteja destinado a recolher alguns parcos apoios eleitorais para, de seguida, os entregar a um outro candidato do capital mais bem posicionado.


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