A justiça burguesa e a prisão de José Sócrates

Pedro Goulart — 26 Novembro 2014

jose-socratesA recente detenção e aprisionamento de José Sócrates levantou uma onda de choque, particularmente entre os seus correligionários e amigos. A indignação e as críticas focaram, não tanto a substância das acusações, mas em especial o modo como o aparelho repressivo de estado agiu neste caso. E, provavelmente, têm alguma razão em relação a este comportamento (às habituais fugas planeadas de informação, às amálgamas da acusação, às medidas de coacção inexplicadas, etc). Mais uma vez, a arrogância e a arbitrariedade do poder judicial ficaram aqui bem patentes. Pena é que muitos só protestem quando também lhes acontece a eles. Mas, sobre a arrogância e a arbitrariedade de alguma magistratura, do mesmo se poderão queixar, igualmente, vários elementos de outros partidos do regime.

Contudo, em relação aos assalariados e ao povo e, particularmente em relação aos “subversivos” (comunistas e anarquistas), a actuação do aparelho repressivo de estado atinge normalmente maior arrogância e brutalidade – quer a nível policial, judicial ou prisional. Quem já passou pelos cárceres do regime compreende do que falo. Uma coisa é certa: a legislação actual e o aparelho repressivo vigente são da responsabilidade das classes burguesas dirigentes, servem o patronato e são essencialmente dirigidas contra os trabalhadores. Assim, as classes dominantes burguesas, a que pertence o ex-primeiro ministro, não deviam ter muito de que se queixar – as suas leis também lhes podem ser aplicadas. Depende, em muito, das fracções da burguesia que dominam no momento.

Mas o grande mal disto tudo é que, no actual regime, esta gente (José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas ou Cavaco Silva) nunca é realmente julgada pelo essencial das malfeitorias que pratica contra os trabalhadores e o povo. Assistimos, não poucas vezes, a guerras levadas a cabo apenas entre as diversas fracções da burguesia (com algumas vinganças de permeio) ou referentes a “ilegalidades” resultantes do habitual funcionamento do próprio sistema de exploração capitalista, como é o caso da corrupção. E, às vezes, as acusações de “ilegalidades” são guardadas em carteira para momentos oportunos. Contudo, na maior parte dos casos, após a agitação necessária, a montanha pare um rato.

Nunca é demais chamar a atenção: ao contrário do que as classes dominantes e os seus agentes nos pretendem inculcar, a justiça deles (a justiça burguesa) não é neutra, é uma justiça de classe!


Comentários dos leitores

leonel clérigo 28/11/2014, 18:17

A SOCIAL-DEMOCRACIA DEBAIXO DE FOGO
1 - Neste texto de Pedro Goulart (PG) julgo haver uma referência que merece especial atenção: afirma ele que “Assistimos, não poucas vezes, a guerras levadas a cabo apenas entre as diversas fracções da burguesia...” “E, às vezes, as acusações de “ilegalidades” são guardadas em carteira para momentos oportunos. Contudo, na maior parte dos casos, após a agitação necessária, a montanha pare um rato.”
2 – Sem dúvida que, “na maior parte dos casos”, foi assim que a coisa se passou. Tudo nos apareceu como se duma “contabilidade” se tratasse: eu fiz isto e tu sabes, mas tu fizeste aquilo e eu sei, cala-te tu que eu me calarei. Uma permanente contagem de “canhotas” que tendia para uma contabilidade de saldo “zero”. Mas hoje, a minha dúvida a PG reside na possibilidade do “caso Sócrates” – na sequência do caso Casa Pia - não ser um caso “normal”, um desses casos em que “a montanha pare um rato”. E Porquê?
3 - A luta no interior da “nossa” classe capitalista é hoje acesa: “casa onde não há pão todos ralham sem razão”. Em plena crise do capital, com um sistema produtivo decrépito e a guarda “apertada” da Europa, nada mais natural que a luta de classes se acenda e, com ela, a luta entre as diferentes classes e fracções burguesas. Todo o mundo se movimenta e, para o burguês de "top", essa “balburdia” democrática prejudica os “negócios”.
Os pedidos de “ordem na casa” entraram já na conversa diária e não há cão nem gato que não clame pelo “entendimento” do “arco da Governação” para, “democraticamente”, liquidar o pouco que ainda resta do Estado Social. Mas sabemos não ser fácil esse “entendimento” dado que isso implica algo “não democrático”: entre Partidos que se consideram, na “divisão do trabalho”, Partidos do Capital, não tem “lógica democrática” haver um que “mande” nos outros. Para que haja isso, um deles tem que “liquidar” – ou pelo menos “decapitar” - os restantes, o que implica uma alteração profunda e a chegada dum regime tipo Fascismo. E porque digo isto?
4 – Sou contra certa forma de se usar o termo “fascismo”, bastas vezes utilizado sem a sua compreensão e como se fosse um ofensivo “palavrão”. Considero que isto nos desarma e dificulta o entendimento da coisa. Quanto a mim, tenho como referência os textos da III Internacional e guardo com especial relevo uma porção do debate parlamentar entre Gramsci e Mussolini no dia 16 de Maio de 1924:
“ O fascismo – dizia Gramsci - não é nenhuma revolução, mas uma simples substituição de um pessoal administrativo por outro. Só é revolução a que se baseia em uma nova classe; o fascismo não se baseia em nenhuma classe que já não esteja no poder”. Na resposta a Gramsci, Mussolini procurou descaracterizar o conteúdo de classe do fascismo: “Grande parte dos capitalistas está contra nós!” dizia ele. E Gramsci observou-lhe então que “...o fascismo só entra em choque agudo com os outros partidos e organizações da burguesia porque quer estabelecer o monopólio de representação da classe. A atitude do fascismo com relação aos demais partidos burgueses é simples: primeiro quebra-lhes as pernas e, depois, faz o acordo com eles em condições de evidente superioridade”.
5 – Para mim, ainda é hoje uma incógnita certa “fúria assassina” do PSD contra o PS, o desejo de “lhe quebrar as pernas” e que foi notório no processo Casa Pia ao decapitar, ao badalhoco estilo “americano”, a Direcção Ferro Rodrigues. No início da democracia abrilista, parecia que tudo se passava com “punhos de renda” mas hoje, está na forja essa intenção “assassina” já que, aproveitando o caso Sócrates, parece querer-se afiar a guilhotina para levar ao cadafalso a Direcção Costa.
Que significado tem isto? É certo que o BPN introduziu uma “alteração qualitativa” nas contabilidades partidárias, mas seja como for os esclarecimentos de Gramsci obriga-nos a uma vigilância apertada. Golpes de Estado – em palácios ou com tanques na rua – há-os por esse mundo fora aos tropeções.


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