Editorial
Separar águas
10 Novembro 2014
Que interessa aos trabalhadores que Passos tenha “derrotado” Portas, como disse o BE, ou que o governo tenha “extraordinária lata” e recorra a “manobras eleitorais”, como disse o PCP? As críticas do BE e do PCP ao Orçamento do Estado foram mais contundentes que as do PS, mas há dois factores de confusão nos seus discursos.
Um, é o crédito que também vão dando a uma suposta luta na coligação, sugerindo que o governo poderia cair por desagregação interna. Ou a insistência na “indignidade” do governo por não cumprir as promessas, numa espécie de apelo à honestidade — como se não fossem os interesses de classe a pautar a actuação de qualquer governo. Sobretudo numa época de crise dramática dos negócios, os disfarces que noutras ocasiões permitem mascarar esses interesses desaparecem ou tornam-se transparentes, mostrando a crueza do capital para com os proletários.
Outro, é amalgamar num mesmo bloco as classes que sofrem os efeitos da austeridade. É o que acontece quando Agostinho Lopes (PCP) denuncia a “elevadíssima carga fiscal sobre trabalhadores, reformados e pequenos e médios empresários” — frase-fórmula do discurso do PCP. Tudo verdade. Mas fica por dizer que são os trabalhadores os primeiros e os principais alvos da austeridade; e que é à custa do seu sacrifício que muitos dos pequenos e médios empresários ainda se mantêm em actividade.
Nem tudo é igual no campo das vítimas da crise: o pequeno capital é liquidado pela competição entre capitais, numa luta inter-classista; os trabalhadores são espoliados pelo capital por inteiro na sua condição de produtores de riqueza, numa luta de classe contra classe. Por isso não é possível edificar uma política de combate à austeridade (isto é, contra os efeitos da crise capitalista) sem uma clara demarcação capital-trabalho e sem colocar à cabeça os interesses de classe dos assalariados.