Corrupção: “excremento” ou parte inseparável do sistema capitalista?

Pedro Goulart — 16 Outubro 2014

corrupcao_espanhaAlguns burgueses, ditos liberais, defensores de um capitalismo supostamente “generoso e ético”, entendem a corrupção como excrementos normais do sistema vigente. É o caso de um recente articulista (de página inteira) do Diário de Notícias de 10 de Outubro — Miguel Angel Belloso. Trata-se de um homem de direita, director da revista espanhola Actualidad Económica, ligada ao grupo empresarial de que faz parte o diário El Mundo. De salientar que a revista dirigida por Belloso, particularmente destinada a empresários e executivos, defende a redução ao mínimo daquilo que é referido como a intervenção dos governos nos mercados, assim como promove a privatização das empresas e serviços públicos, questionando, igualmente, o chamado estado de bem-estar social.

O texto de Belloso, Em busca de Adam Smith, é significativo, pela forma engenhosa mas aparentemente ingénua como procura levar a água ao moinho do liberalismo económico. Isto é, como pretende levar os seus leitores ao engano. Para convencer os incautos, o autor não hesita em falar dos seus amigos de “esquerda” ou em ornamentar o seu texto com referências a Adam Smith e à sua obra A Riqueza das Nações.

No artigo, Belloso classifica como “excrementos do capitalismo” o recente escândalo do Banco Espírito Santo, em Portugal, o caso Jordi Pujol, anterior presidente do Governo Autónomo da Catalunha, ou, ainda, o caso Bankia (maioritariamente constituído a partir da Caja Madrid). Neste quadro, ficaria bem ao director da Actualidad Económica não ter “esquecido” os ainda relativamente recentes escândalos de corrupção que atingiram o PP espanhol e Mariano Rajoy, chefe do governo, assim como a monarquia do país vizinho.

Procura Belloso na sua exposição esconder que o motor do capitalismo é o lucro e que dada a baixa da taxa de lucro verificada nas últimas décadas, os capitalistas e os seus executivos recorrem à corrupção, a puros actos de rapina e à chamada austeridade, como forma de prosseguir a acumulação de capital e de travar o declínio do sistema. Assim, este assalariado da burguesia afirma descaradamente que os escândalos referidos são alheios ao capitalismo e que é sua convicção que “o capitalismo não se baseia no egoísmo mas sim, numa consideração muito presente das necessidades do próximo, que trata de satisfazer com a melhor qualidade e ao melhor preço possível” e que veremos “que a procura do interesse próprio produz o bem comum porque excede amplamente a preocupação por si mesmo, o egoísmo, a avidez e a cobiça”. Tretas, senhor Belloso!

Por outro lado, lamenta-se Miguel Belloso que as “pessoas comuns” hoje não compreendam ou não aceitem a salvação dos bancos, com a entrega de quase 50.000 milhões de euros ao sistema financeiro, em Espanha, tal como acontece hoje em Portugal com os vários milhares de milhões entregues ao Banco Espírito Santo. E o articulista afirma-se preocupado com o desenvolvimento do “populismo” em Espanha, que pode pôr em causa aquilo a que chama o mercado livre e a democracia representativa. Segundo afirma Belloso, “a recapitalização da banca com fundos públicos é uma obra de caridade que beneficia aqueles que estão numa situação mais precária”.
Para quem se afirma liberal e defensor do estado mínimo, advogar que esse mesmo estado intervenha para salvar os bancos revela o grande cínismo de Belloso e uma total ausência de vergonha na cara!


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