Nada de novo sob o sol?

António Louçã — 10 Janeiro 2014

andorinhasO ano de 2014 inicia-se como cópia ordinária de filmes que já vimos em versões mais frescas: o Governo a brandir estatísticas de recuperação económica e a prometer uma luz no fundo do túnel; o PS a juntar-se à festa com a ideia peregrina de que o bodo fiscal aos patrões (baixa do IRC) contribui para reanimar a produção; e o presidente com a ária estafada do casamenteiro — a única que sabe de cor e salteada —, a preconizar que o “arco da governação” esqueça as tricas e se entenda para roubar o povo. Única certeza palpável: esse povo nada sente das auspiciosas estatísticas, e continua a notar que uma ou várias mãos lhe remexem avidamente nos bolsos.
 
O reverso desta inevitável sensação de déjà vu é o esforço febril de vários actores políticos para anunciarem grandes novidades. Temos, assim, o “Partido Livre” a quem só se conhece o nome de inspiração neo-liberal e a prioridade de fazer reeleger Rui Tavares para o Parlamento Europeu. E temos o movimento “3D”, promovido por Daniel Oliveira, também a admitir algum tipo de participação nas eleições europeias. Comum a ambos é o discurso unitarista, de quem pretende desgarrar o PS do tal “arco da governação” e atraí-lo a uma alternativa governamental de esquerda.
 
Como se o BE não tivesse já tentado esse trabalho de Sísifo, e antes dele o PCP com a fórmula hoje esquecida da “maioria de esquerda”, e como se não tivessem ambos falhado nesse esforço inglório! Se as supostas inovações de Rui Tavares e Daniel Oliveira vierem a fazer algum caminho, fá-lo-ão apenas graças à amnésia política de um país sedento de inovações verdadeiras e sempre disposto a comprar vinho velho em odres novos. Em todo o caso, as duas supostas inovações parecem confirmar que o ano de 2014 se inicia sem nada de novo sob o sol.
 
E ambas as “inovações” terão ainda de provar a sua capacidade de repetir a História, nem que seja como comédia — e ao cumprimento dessa profecia marxiana poderá ajudar Ricardo Araújo Pereira, um dos companheiros de viagem de Daniel Oliveira. Até agora, o “Livre” e o “3D” nada cozinharam de seu e só souberam apresentar receitas para outros cozinharem alguma coisa — entre os outros, naturalmente, o PS em lugar destacado. Quanto à sua própria legalização, como alternativa partidária, ainda falta aos dois movimentos suarem alguma coisa. Só depois veremos.
 
Quem entretanto chegou ao alvorecer de 2014 já legalizado foi o MAS (Movimento Alternativa Socialista). Fê-lo à segunda vez, depois de o Tribunal Constitucional ter recusado uma primeira dezena de milhares de assinaturas com o pretexto de se tratar de um partido anti-democrático. Aquilo que não fora invocado contra o PNR — já em tempos legalizado sem qualquer assinatura, à boleia do extinto PRD — constituiu obstáculo dos juízes constitucionais à legalização da corrente trotskista recentemente saída do BE.
 
A simpatia que merecem as vítimas de uma discriminação do TC não nos dá, por outro lado, garantias de que venham a utilizar de forma eficaz a legalidade arduamente conquistada. A corrente do MAS luta há vários anos para criar uma alternativa e não atingiu, até agora, os resultados pretendidos. Não é, nesse sentido, uma inovação nem garante apresentar alguma coisa de novo sob o sol. Por outro lado, seria injusto acusá-lo de já ter um historial e daí deduzir que não produzirá nada de novo: o BE também se criou a partir de correntes antigas e produziu uma novidade política inegável, que teve o seu desenvolvimento, posterior apogeu e actual declínio.
 
Para já, falta apurar que novidade real pode trazer o efervescente anúncio de novidades a marcar o novo ano. Fica-nos a certeza de que a sociedade se aproxima de um ponto de saturação e de ruptura, com um repúdio difuso mas generalizado pelo que é velho. O que as lutas sociais — elas sim — têm trazido de novo, como as grandes manifestações que derrotaram a primeira TSU, como as pequenas acções que lhes deram alguma continuidade — as “grandoladas” que ajudaram a derrubar ministros como Relvas e Gaspar —, essas têm sido as andorinhas que constantemente nos lembram o potencial para uma primavera dos cravos, quarenta anos depois da primeira, mais profunda, revolucionária e transformadora do que a primeira. Mas, por uma andorinha não fazer a primavera, continuará a ser necessária uma alternativa política.


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