Uma imagem antecipada da política do PS
Manuel Raposo — 25 Dezembro 2013
O PS justificou o acordo feito com o governo para baixar o IRC com o propósito de “criar emprego” e garantiu que, lá por isso, não vê condições para outros entendimentos com o PSD e o CDS. O que fica à vista, porém, é o facto de o PS ter facultado um importante apoio político ao governo, possibilitando um desagravamento fiscal que beneficia exclusivamente o capital, sem quaisquer garantias de que os assalariados venham a beneficiar do mesmo tipo de tratamento.
Efectivamente, o que é certo como resultado deste acordo é, para já, uma baixa de impostos para sectores pequenos e médios do capital; mas o propósito da proposta é uma redução futura do IRC beneficiando o capital em geral. Significa isto que, de imediato, aumenta o peso proporcional dos impostos sobre o trabalho no conjunto das receitas fiscais. Uma vez mais, portanto, a posição social dos trabalhadores na repartição do produto foi prejudicada.
A defesa que o PS até agora tinha feito de uma redução simultânea dos impostos sobre o capital (IRC), sobre o trabalho (IRS) e sobre o consumo (IVA) caiu por terra, apesar das frouxas garantias de que quis revestir o acordo para que isso venha a suceder no futuro. Não é crível, de facto, que em tempos próximos tais reduções venham a acontecer, uma vez que a persistência da crise económica limita as receitas fiscais. Pelo contrário, a tendência será para agravar a cobrança sobre o trabalho para que o bolo fiscal não baixe. O resultado é de novo uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital.
Também o argumento de que se procura criar emprego com a baixa do IRC é falacioso. A medida pode, quando muito, evitar que pontualmente se percam mais postos de trabalho porque coloca mais lucro nas mãos dos patrões. Mas não será isso que vai desencadear a criação de mais empregos — por uma razão tornada evidente nos últimos anos: as empresas que conseguem sobreviver à crise fazem-no precisamente à custa da redução da mão-de-obra e de melhoramentos técnicos. Ora, se as empresas obtiverem mais margem de lucro com a redução do IRC é nesse sentido que planearão o seu futuro, não no sentido de se comprometerem com mais salários a pagar.
Ou seja, a convergência do PS com o PSD e o CDS permitiu dar foros de interesse suprapartidário, “nacional”, à mesmíssima política de empobrecimento do trabalho.
No plano político, o acordo significa pois um efectivo apoio (mais um) ao governo e, por isso mesmo, uma sanção da sua política. Já em Julho passado, quando o governo não tinha pernas para andar, António José Seguro, sensível à voz dos banqueiros e da troika, acedeu a uns “encontros” com Passos Coelho que tiveram como único resultado prático a reanimação da coligação sob a protecção do PR e o consequente abandono da reclamação de eleições antecipadas. Agora, voltou a falar mais alto a voz dos patrões.
Eis assim uma demonstração antecipada da política que o PS se propõe seguir, não obstante os gorjeios dos seus dirigentes sobre a defesa dos “portugueses”.